TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Dilma e Serra são a mesma coisa? Entrevista com Chico Oliveira na Folha de São Paulo

O professor emérito da USP, Francisco Oliveira, que rompeu com o PT logo no início do primeiro mandato de Lula foi entrevistado na Folha de São Paulo. A entrevista e os resultados de um estudo permitem uma narrativa mais precisa deste momento histórico. Por isso irei colocar esta entrevista na frente da matéria seguinte: A nova classe média: um avanço conservador? Esclareço que a pergunta é minha, não do Chico, mas como verão nas duas matérias o estudo complementa a razão pela qual o professor ver poucas diferenças entre os dois a presidente nestas eleições. No meu entender identificando o PSDB como o pior e a Dilma como o ruim. Mas aí leia a entrevista para chegar à própria conclusão.

Como ele avalia que ocorreu no primeiro turno? “fora o horror que os tucanos têm pelos pobres, Serra e Dilma não têm posições radicalmente distintas: ambos são desenvolvimentistas, querem a industrialização…Que os candidatos escondem problemas cruciais: “não se trata mais de provar que a economia brasileira é viável. Isso já foi superado. O problema principal é a distribuição de renda, para valer, não por meio de paliativos como o Bolsa Família. É escolher entre o ruim e o pior.

Sobre setores da igreja pregando o voto anti-Dilma por causa do aborto: “O aborto é uma questão séria de saúde pública. Não adianta recuar para atender evangélicos e setores da Igreja Católica. Isso não salva as mulheres das questões que o aborto coloca.” E diz que o tema só entra na campanha por causa do êxito econômico do país: Essas posições conservadoras ganham força. Há uma tendência a todo mundo ser bonzinho. Com o progresso econômico, há um sentimento de conformismo que se alastra e se sedimenta, as pessoas ficam medrosas, conservadoras. Isso está ocorrendo no Brasil. Gente da classe C e D mostram-se a favor de uma marcha de progresso lenta e contínua. Eles não querem briga, não querem conflito. Por isso o Lula paz e amor deu certo.”

Sobre a divisão do Brasil segundo a votação entre Dilma e Serra: “É um racha. Significa que a questão da desigualdade regional ainda é muito marcante. Aliás, essa é outra questão que está fora da discussão. O que fazer com as regiões deprimidas? Por baixo disso tudo está a velha história de que São Paulo é uma locomotiva que puxa 25 vagões vazios.Esse desequilíbrio vai criando a sensação de que há um lado pobre e um lado rico. Como se houvesse um voto comprado, de curral eleitoral, e outro consciente. Há de fato uma fratura, e isso ressurge em períodos eleitorais.”

Sobre terceira força política representada por Marina: “A ascensão dela se dá pela falta de radicalização dos dois principais, e a questão do ambiente é relativamente neutra. Não vejo eco na sociedade, a não ser de forma superficial. Não é um tema que toca nos nervos das pessoas. A onda verde é passageira.”

Sobre como se lerá no futuro o papel de Lula: “Getúlio Vargas é o criador do moderno Estado brasileiro, sob todos os aspectos. Ele arma o Estado de todas as instituições capazes de criar um sistema econômico. E começa um processo de industrialização vigoroso. Lula, é bom que se diga, não é comparável a Getúlio. Juscelino Kubitschek é o que chuta a industrialização para a frente, mas ele não era um estadista no sentido de criar instituições. A ditadura militar é fortemente industrialista, prossegue num caminho já aberto e usa o poder do Estado com uma desfaçatez que ninguém tinha usado. Depois vem um período de forte indefinição e inflação fora de controle. O ciclo neoliberal é Fernando Henrique Cardoso e Lula. Coloco ambos juntos. Só que Lula está levando o Brasil para um capitalismo que não tem volta. Todo mundo acha que ele é estatizante, mas é o contrário. Lula é mais privatista que FHC. As grandes tendências vão se armando e ele usa o poder do Estado para confirmá-las, não para negá-las.

Sobre o papel de Lula como cabo eleitoral: Ele acaba sendo um elemento negativo, mesmo com sua alta popularidade. O segundo turno foi um aviso. Há uma espécie de cansaço. Essa ostensividade, essa chalaça, isso irrita profundamente a classe média. É a coisa de desmoralizar o adversário, de rebaixar o debate. Lula sempre fez isso. Não vejo como uma ameaça. Mas o Lula tem um componente intrinsecamente autoritário. Ele não ouve ninguém, salvo um círculo muito restrito, e ele tem pouco apreço por instituições. Eu o conheço desde os anos de São Bernardo. Ele tem a tendência, que casa perfeitamente com o estilo de política brasileira, de combinar primeiro num grupo restrito e, depois, fazer a assembléia. Ele sempre agiu assim. Não é pessoal, é da cultura brasileira, ele foi cevado nisso. Mas não que ele queira derrubar a democracia.

E continua generalizando para a política nos sindicatos: Isso é da cultura política em que ele foi criado: o sindicalismo, que é um mundo muito autoritário, muito parecido com a cultura política mais ampla. E ele se dá bem, sabe se mover nesse mundo. As instituições de fato não são o barato dele. Mas ele não ameaça a democracia do ponto de vista mais direto nem tem disposição de ser ditador. Acho essas afirmações um exagero, uma maldade, até. Elas têm um conteúdo político muito evidente.

Ao comentar que “certa ala do PT, com José Dirceu… Esse tem projetos mais autoritários”, responde ao repórter sobre a força do Dirceu num governo Dilma: Acho que não. Porque Lula vigia ele de muito perto. Lula não gosta dele [José Dirceu]. Tem medo, até, do ponto de vista político. Ele veio de outra extração, a qual Lula detesta. Uma extração propriamente política, de esquerda.

Ao responder sobre o que pode acontecer num governo Dilma e Serra: Os governos tucanos têm horror ao povo. Isso não é força de expressão. É uma questão de classe social. Eles não têm contato com o real cotidiano popular. Eles não andam de ônibus, não têm experiência do cotidiano da cidade. Nem de metrô eles andam, o que é incrível. A cidade é grande, tem violência, a gente sabe. Mas eles não sabem como é o transporte, como são os hospitais, as escolas públicas. Há uma fratura real, eles perderam a experiência do cotidiano real. E isso não entra pelas estatísticas, só pela experiência. Por causa disso, o governo deles é sempre uma coisa muito por cima. Eles são pouco à vontade com o popular. Essa é a diferença marcante em relação a Lula. Sobre Dilma eu não sei. Ela pode também sofrer desse mal.

Finalmente a resposta sobre “do ponto de vista da evolução e da função dos movimentos sociais, qual dos dois é preferível?”: Eis uma questão difícil. Os tucanos, com esse horror a pobre, tendem sempre a aumentar essa fratura, essa separação. Os tucanos não têm jeito…

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