“Qualquer que seja a arquitetura
dum edifício,
seus escombros obedecerão
seus escombros obedecerão
ao estilo barroco.”
Aníbal Machado
Imagino como você se sente neste momento algo turbulento. Aquele instante porque se sonhou por tantos e tantos anos, mas que ao se aproximar traz consigo sua mista carga de alegria, ansiedade, conforto e apreensão. Como se de repente, trocássemos a beca pelo pijama, a cueca pela fralda, o paletó pela bermuda, o livro pelo baralho, a cadeira de mestre pela de balanço. Aflige-nos, quem sabe, o fundo da nossa alma, perceber este momento justamente como o soletrar dos primeiros arpejos do alfabeto da catástrofe previsto por Machado. Pois eis-me aqui, pronto a demonstrar que este instante é de encontro e não de diáspora, de advento e não de partida. Até porque assim o são todos os segundos desta vida breve, desde a canção de ninar até à incelença.
A frase do Aníbal é lapidar. Sonhos, anseios, aspirações, desejos vão pouco a pouco sendo triturados, vida afora, pela ampulheta do tempo. Por mais modernoso que se apresente o edifício que, cuidadosamente projetamos, após a inevitável implosão --- aquele big-bang que fechará o ciclo daquele primeiro há bilhões de anos atrás— os espólios que restarão obedecerão, necessariamente ao vetusto , seminal e kitsch estilo barroco. E sei que é essa reflexão crua, inexorável, catastrófica que nos enevoa os mais recônditos sótãos do espírito, no momento em que vemos correr uma das cortinas da existência. De que adiantou projetar o prédio em estilo pós-moderno, se mal levantamos as primeiras paredes, as colunas e pilastras vêm abaixo e o amálgama de concreto, espalhado no solo, nos fita como a Sífiso , com olhos de caos, com retinas de já-se-foi ? Hoje, sei que da zona mais abissal do seu âmago, você se faz esta pergunta, sentindo-se uma espécie de quebra-queixo em tempos de Nutella, de videocassete em época de blue-ray. Valeu a pena tudo ? Os anos difíceis, o estudo contínuo, a paternidade fisicamente ausente, os cargos inúmeros assumidos, a convivência ofídica de alguns companheiros ?Valeu a pena ?
Postado em meio ao amontoado de escombros, nos perguntamos: é esse o destino final do nosso projeto de Taj Mahal ? Pois bem, meu cato, não é ! E a conclusão me parece lógica. Nem precisa-se esperar a justiça derradeira recorrendo a forças superiores ou à possibilidade de outras encarnações /edificações. A importância do seu projeto arquitetônico é inquestionável por incontáveis motivos. Primeiro, é justamente dos entulhos dos nossos edifícios que as gerações que virão, num infinito processo de reciclagem, edificarão, em moto-contínuo, os seus prédios. A qualidade do que será construído no porvir depende umbilicalmente da qualidade do material com que erguemos as nossas paredes. Depois, o mais importante não é o monumento que pretendemos levantar e a que , inevitavelmente, jamais daremos termo. Contam-se mais: nossa relação com os outros operários, a paisagem que se estenderá à nossa frente à medida que ascendemos. Na verdade edificamos uma casa que jamais habitaremos : moramos, vivemos, durante toda a obra, nos andaimes.
Este momento, pois, é de encontro, nele todos os operários se reúnem na certeza de que não foi um edifício que ruiu, mas que uma construção precisa ser recomeçada e o material disponível é da melhor qualidade. E, se a sua frente, parece se fechar uma porta, é preciso levantar os olhos e ver a quantidade imensa de janelas abertas para o infinito. O carrasco disciplinador dos filhos hoje se transforma no bobo da corte dos netos; se alguns músculos fraquejam, os neurônios funcionam de forma trifásica; a vida poderá até não parecer tão azul, mas já existem disponíveis uns comprimidinhos azuis que têm a capacidade de reazulá-la; o violão poderá passar de simples artefato de decoração a uma fábrica de sons e de sonhos. E quando alguém vier com aquela balela de que a vida é uma dureza; você poderá sorrir lembrando que é justamente dureza aquilo que você mais almeja.
Bem-vindo ao nosso encontro! Bem-vindo à construção que hoje se inicia ! Grato pelo pelo cimento, pelo ferro, pela brita ! Grato pela esperança destilada em cada pá de cal e pela força de sentar o tijolo do efêmero com argamassa de eternidade ! Os futuros operários têm um cristal onde se espelhar! Você pode até imaginar que o espelho nesse momento se estilhaça, mas não custa lembrar que o poeta Mário Quintana já vaticinara : “os espelhos partidos têm muito mais luas”...
Aníbal Machado
Imagino como você se sente neste momento algo turbulento. Aquele instante porque se sonhou por tantos e tantos anos, mas que ao se aproximar traz consigo sua mista carga de alegria, ansiedade, conforto e apreensão. Como se de repente, trocássemos a beca pelo pijama, a cueca pela fralda, o paletó pela bermuda, o livro pelo baralho, a cadeira de mestre pela de balanço. Aflige-nos, quem sabe, o fundo da nossa alma, perceber este momento justamente como o soletrar dos primeiros arpejos do alfabeto da catástrofe previsto por Machado. Pois eis-me aqui, pronto a demonstrar que este instante é de encontro e não de diáspora, de advento e não de partida. Até porque assim o são todos os segundos desta vida breve, desde a canção de ninar até à incelença.
A frase do Aníbal é lapidar. Sonhos, anseios, aspirações, desejos vão pouco a pouco sendo triturados, vida afora, pela ampulheta do tempo. Por mais modernoso que se apresente o edifício que, cuidadosamente projetamos, após a inevitável implosão --- aquele big-bang que fechará o ciclo daquele primeiro há bilhões de anos atrás— os espólios que restarão obedecerão, necessariamente ao vetusto , seminal e kitsch estilo barroco. E sei que é essa reflexão crua, inexorável, catastrófica que nos enevoa os mais recônditos sótãos do espírito, no momento em que vemos correr uma das cortinas da existência. De que adiantou projetar o prédio em estilo pós-moderno, se mal levantamos as primeiras paredes, as colunas e pilastras vêm abaixo e o amálgama de concreto, espalhado no solo, nos fita como a Sífiso , com olhos de caos, com retinas de já-se-foi ? Hoje, sei que da zona mais abissal do seu âmago, você se faz esta pergunta, sentindo-se uma espécie de quebra-queixo em tempos de Nutella, de videocassete em época de blue-ray. Valeu a pena tudo ? Os anos difíceis, o estudo contínuo, a paternidade fisicamente ausente, os cargos inúmeros assumidos, a convivência ofídica de alguns companheiros ?Valeu a pena ?
Postado em meio ao amontoado de escombros, nos perguntamos: é esse o destino final do nosso projeto de Taj Mahal ? Pois bem, meu cato, não é ! E a conclusão me parece lógica. Nem precisa-se esperar a justiça derradeira recorrendo a forças superiores ou à possibilidade de outras encarnações /edificações. A importância do seu projeto arquitetônico é inquestionável por incontáveis motivos. Primeiro, é justamente dos entulhos dos nossos edifícios que as gerações que virão, num infinito processo de reciclagem, edificarão, em moto-contínuo, os seus prédios. A qualidade do que será construído no porvir depende umbilicalmente da qualidade do material com que erguemos as nossas paredes. Depois, o mais importante não é o monumento que pretendemos levantar e a que , inevitavelmente, jamais daremos termo. Contam-se mais: nossa relação com os outros operários, a paisagem que se estenderá à nossa frente à medida que ascendemos. Na verdade edificamos uma casa que jamais habitaremos : moramos, vivemos, durante toda a obra, nos andaimes.
Este momento, pois, é de encontro, nele todos os operários se reúnem na certeza de que não foi um edifício que ruiu, mas que uma construção precisa ser recomeçada e o material disponível é da melhor qualidade. E, se a sua frente, parece se fechar uma porta, é preciso levantar os olhos e ver a quantidade imensa de janelas abertas para o infinito. O carrasco disciplinador dos filhos hoje se transforma no bobo da corte dos netos; se alguns músculos fraquejam, os neurônios funcionam de forma trifásica; a vida poderá até não parecer tão azul, mas já existem disponíveis uns comprimidinhos azuis que têm a capacidade de reazulá-la; o violão poderá passar de simples artefato de decoração a uma fábrica de sons e de sonhos. E quando alguém vier com aquela balela de que a vida é uma dureza; você poderá sorrir lembrando que é justamente dureza aquilo que você mais almeja.
Bem-vindo ao nosso encontro! Bem-vindo à construção que hoje se inicia ! Grato pelo pelo cimento, pelo ferro, pela brita ! Grato pela esperança destilada em cada pá de cal e pela força de sentar o tijolo do efêmero com argamassa de eternidade ! Os futuros operários têm um cristal onde se espelhar! Você pode até imaginar que o espelho nesse momento se estilhaça, mas não custa lembrar que o poeta Mário Quintana já vaticinara : “os espelhos partidos têm muito mais luas”...
J. Flávio Vieira
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