Certo que vinte anos depois perderíamos o George e aí, definitivamente, constatamos que caíra por terra um dos mais fortes desejos da minha geração, ver novamente reunidos “The Beatles”, após um dos mais trágicos dias da nossa história sentimental, aquele pavoroso 08 de Abril de 1970. A perda de Lennon, no entanto, nos feriu muito mais profundamente que o desaparecimento de Harrison. Um pouco por conta da forma violenta e imprevisível com que ocorreu . Um outro tanto , pela prematuridade com que lhe arrancou desse mundo turbulento , mal tendo ele tingido os primeiros fios de cabelo com as águas dos quarenta anos. Mas principalmente por conta importância artística de Lennon. Ele sempre representara o contestador, o revolucionário, o transgressor do Fabulous Four. Ringo sempre fora mais intimista, George o mais tranqüilo e espiritualizado e Paul o mais certinho . Lennon trouxera não só suas poesia e música, mas untara os Beatles de atitude. Na verdade ele saltava à nossa frente como o artista mais verdadeiro, aquele que carrega consigo não só a capacidade poético-musical, mas principalmente a potência transformadora. Todo o sonho acabou virando pesadelo naquele 08 de dezembro de 1980, na calçada do Dakota, defronte de um Central Park triste e estarrecido.
Neste mundo afeito a cangapés e bundas-canastras não tem sido promissor o destino dos pacifistas. Quantos outros tiveram fim semelhante ? Gandhi, Cristo,Chico Mendes, Zumbi, Zé Lourenço, Luther King ... Como compreender a alma humana :meio anjo-meio demônio, meio cordeiro-meio lobo? O que Chapman, na verdade, conseguiu dizimar naquela sangrenta noite de inverno? Acredito que feriu de morte a esperança nos destinos da raça humana. Como compreender a sanha iconoclasta de se destruir aquilo que mais se ama? Em troca de quê? Um registro nos livros de história? A possibilidade de escrever o nome eternamente junto daquele que mais se admira, mesmo através dos piores impulsos e dos meios mais abjetos? Qual o futuro desta sociedade consumista , onde todos são transformados num mesmo amálgama ,sem qualquer individualidade e a fama fugaz e efêmera é perseguida sem qualquer escrúpulo?
Trinta anos nos dão o distanciamento necessário para entender os ínvios caminhos pro que trilhamos. Em minha casa eu adoro os Beatles e sou seguido na minha adoração por meus filhos e minha neta: três gerações ! Como isso é possível? Hoje que os sucessos não têm qualquer durabilidade! Axé, Lambada, Pagode, Banda de Forró se sucedem e são engolidos rapidamente , digeridos e excretados para a fossa do esquecimento, numa velocidade estonteante. O que imprime eternidade à música dos Beatles, quarenta anos depois da dissolução da banda? Como os faraós ao construir as pirâmides, eles edificaram sua obra para a imortalidade, intuitivamente conseguiram imprimir uma impressionante atemporalidade às suas músicas. Esculpiram em aço , em tempos de modernidade líquida e gelatinosa. Após a separação, todos fizeram carreira solo sólida e brilhante, mas nem de longe conseguiram alcançar a refulgência da banda o que terminou provando um contra censo físico : a força resultante do grupo era infinitamente maior que a soma das diversas forças artísticas separadas.
Ao contrário do previsto, o Sonho não se dissipou naquele oito de abril de setenta e nem foi trucidado dez anos depois na calçada do Dakota. O Sonho está vivo e continua sendo sonhado e embalando dias e noites mundo afora. O Sonho de Lennon virou epidemia e ele , como uma armadura, protege-nos , impedindo que a realidade não nos esmague.
J. Flávio Vieira
3 comentários:
zé flávio, grande homenagem ao grande john lennon.
abraços.
Abraço ao Lupin pela leitura do texto do Lennon.
É preocupante lutar para a paz.
Abraço,
Gabí
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