TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 18 de dezembro de 2010

“Último desejo” - José Nilton Mariano Saraiva

Paradigma de sensibilidade, candura e respeitabilidade, aquele longevo sacerdote ficara conhecido mundialmente como o... “Velho Padre”. Durante anos a fio houvera trabalhado fielmente e com afinco junto ao humilde e desvalido povo africano na difusão da palavra do Senhor e, agora, que voltara debilitado ao seu querido Brasil, doente e em estado terminal se encontrava internado no Hospital de Base de Brasília, onde se transformara na notícia e manchete midiática da hora. Já arquejando e aparentando os últimos suspiros, ele faz um sinal à enfermeira, que se aproximou. – “Pois não, “Velho Padre”, como posso ajudá-lo” ? indaga-lhe, delicadamente. – “Por favor, antes de partir para a morada eterna, o reino de Nosso Senhor Jesus Cristo, eu necessito manifestar um “último desejo” a quatro proeminentes políticos brasileiros”, sussurra, nomeando-os, a seguir. E a enfermeira: – “Por favor, acalme-se, verei o que posso fazer”.
De imediato, em razão do prestígio e a dimensão moral que obtivera o solicitante, uma verdadeira operação de guerra é montada e Brasília literalmente parou, visando satisfazer aquele “último desejo” do “Velho Padre”: a direção do hospital entra em contacto urgente com o Bispo da cidade; este, incontinente, liga para o presidente da CNBB que, por sua vez, mais que depressa aciona o presidente do Congresso Nacional. E, logo, logo, após telefonemas internacionais disparados para os mais diversos rincões do planeta, a notícia ansiosamente aguardada é confirmada: todos os nomeados, na condição de fervorosos católicos, apesar de se encontrarem em “missões ultra-secretas de interesse da nação”, no Japão, Rússia, Coréia e Usubequistão, de pronto aceitaram cancela-las e faziam absoluta questão de atender ao chamamento do “midiático” e moribundo “Velho Padre”.
Embaixadas foram acionadas, jatos de última geração fretados e a viagem de volta empreendida em tempo recorde. Já no Brasil, a caminho do Hospital de Base de Brasília, na ampla e blindada limusine de um deles, Jáder Barbalho confidencia a Renan Calheiros, José Agripino e Arthur Virgílio: - “Eu não sei por qual razão o “Velho Padre” nos quer ver, mas, certamente, dado o seu prestígio internacional e sua popularidade junto aos pobres deste país, isso vai nos ajudar, e muito, na eleição daqui a dois meses, bem como vai melhorar a nossa imagem perante a Igreja e, ainda, repercutir internacionalmente, compensando esse imenso sacrifício que estamos fazendo”.
Todos os demais assentiram; realmente, ali estava uma grande oportunidade para eles não só aparecerem, mas, também, fazerem média com os seus potenciais eleitores católicos. Tanto é verdade que José Agripino (também conhecido como a “Loura do Alecrim”), dirigindo-se aos demais anunciou que, previdentemente, já tivera tido a iniciativa de enviar um comunicado oficial e urgente à imprensa, detalhando a hora e o local da visita.
Fato é que, quando ao apartamento hospitalar do “Velho Padre” chegaram, toda a mídia já lá se encontrava (rádios, jornais, revistas, TV, Internet, o escambau). Adentraram-no e, então, o “Velho Padre” pediu-lhes para dele se acercarem. Sobrepondo sua mão direita nas mãos de Jader Barbalho e Arthur Virgílio, e a sua mão esquerda nas mãos de Renan Calheiros e José Agripíno, o “Velho Padre” agradeceu-lhes comovido o esforço denodado para ali estarem, e por aquele gesto louvável, magnânimo e cristão que estavam a praticar. Por um momento, houve um respeitoso silêncio, enquanto câmaras foram estrategicamente direcionadas aos cinco, já que repórteres televisivos transmitiam ao vivo e a cores, para todo o país, aquele solene e grave momento de um religioso de prestígio internacional, em estado terminal; para tanto, aproximaram seus sensíveis microfones do quinteto, a fim de tentarem captar aquelas que possivelmente seriam as últimas palavras daquele santo homem, que, estranhamente, apresentava-se com um ar de pureza e serenidade no semblante.
Então, Renan Calheiros, autoproclamando-se de porta-voz dos demais ilustres parlamentares e, evidentemente, fazendo pose para as câmaras e imprimindo a devida impostação na voz, indagou, solenemente: - “Meu estimado e querido “Velho Padre”, com todo o respeito, porque é que fomos nós – eu, Jader, Arthur e Agripino - os escolhidos, entre tantas pessoas ilustres das que compõem o nosso glorioso e respeitável Congresso Nacional, para estar ao seu lado neste momento tão especial da sua vida ???”
O “Velho Padre”, com um sorriso angelical no rosto, serenamente afirmou: -”Excelências, vocês sabem que, sempre e sempre, em toda a minha vida, procurei inspiração no Pai Celestial, segui-lo à risca e te-lo como modelo pra tudo; enfim, passei a vida a absorver, na essência, os sábios ensinamentos do Nosso Senhor Jesus Cristo”.
-“Amém” - em uníssono sussurraram os quatro ilustres parlamentares.
E aí, o “Velho Padre”, mostrando toda a sapiência e com toda a categoria que Deus lhe deu, finalmente fez o chamado gol de placa:
“ENTÃO...(breve pausa) COMO “ÊLE” MORREU ENTRE LADRÕES, EU QUERIA O MESMO PRA MIM!!!”
Ato seguinte, “bateu as botas” e … voou para o céu (ao som de imaginárias trombetas angelicais).

Autoria: desconhecida.
“Recauchutagem”: José Nilton Mariano Saraiva

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