TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quinta-feira, 9 de junho de 2011

100 anos do Cine Paraiso: Eu e o Cinema!

Os filmes de Tarzan vieram bem depois já no cine El dourado! Antes, me encantei com aqueles que eram passados nas paredes amareladas da Igreja N. Sra das Dores pelo padre Argemiro. Que idéia maluca desse padre que pensava nos evangelizar daquele jeito!  A gente sentava no chão e esperava até as lâmpadas da rua serem desligadas. Ficava um breu até que aquela luz mágica se projetava e na escuridão e os nossos pequenos corações se agitavam. Eu não  de nenhum filme de santo, de inferno, céu,  anjos ou demônios. Não lembro não. Eu não esqueço é daquele filme que gente apelidou de “carro doido”! O carro passava por debaixo de trem, voava, atravessava casas... e o piloto saia ileso, como se nada tivesse acontecido. A gente ria de perder o fôlego. Inesquecível!

O primeiro filme que vi em sala de cinema mesmo foi no cine El Dourado. Aquele da vida, paixão e morte de Cristo. Já era uma versão sonora/dublada e colorizada com papel celofane.  As sessões eram concorridíssimas durante toda a Semana Santa. A dublagem não tinha qualquer preocupação com o sincronismo labial ou identificação com as personagens: a voz de Cristo era bem grave e um pouco medonha; Poncio Pilatos falava fino e abaitolado; a virgem Maria tinha uma voz de mezo-soprano muito sensual e Madalena era gasguita como a Tetê Espindola.  A trilha sonora dramática, executada por uma daquelas orquestras sinfônicas européias com o selo de qualidade da Deutsch Gramophone, não fazia a mínima diferença para a pequena caixa acústica monofônica que a amplificava. Assisti a tantas sessões que cheguei a decorar o Sermão da Montanha com a mesma entonação cavernosa que o filme trazia.

Aos dez anos é que comecei a ir regularmente ao cinema. Já eram duas salas na cidade: o El dourado e o Capitólio. Minha iniciação, como muitas crianças, foi com os filmes de Tarzan e seu grito impressionante Ahaaaaaaaaaah! Jane, Chita e aquelas histórias fascinantes de heroísmo e bandidagem nas savanas da África, os tesouros de reis no Oriente e não sei mais onde. Mas antes da sessão principal tinham aquelas séries – uma novelinha em capítulos - que sempre deixava o mocinho em perigo iminente para criar a obrigação de vermos o próximo episódio numa outra sessão. Aquela expressão de “perigo da série”, tão em voga na época, veio daí. De Johnny Weissmuller, o melhor tarzan de todos os tempos, que convivia numa boa com os índios, para  John Weyne, o maior matador de índios da história do cinema, era só mudar de faixa etária e horário das sessões. Vieram depois os celebrados clássicos  Ben-Hur e os Dez Mandamentos do Cecil. B.de Mille com mais de três horas de duração ou os de guerra como Os Canhões de Navarone, aA Ponte do Rio Kwai com aqulela musiquinha que a gente saia assobiando. E o que dizer daquela seqüência de espaguettis italianos” estrelados por Franco Nero? Ou dos românticos Candelabro Italiano e Dio come ti amo! Eu sempre ia às sessões das 18:30h.  Antes passava na casa de um amigo, O Zé Adauto,  ficava um pouco na praça Pe. Cícero ouvindo o programa “Música Clássica para Quem não Gosta de Música Clássica” do CRP - Centro Regional de Publicidade - transmitido por uma corneta de som que ficava no alto da coluna da hora e depois subia a rua São Pedro em direção ao cinema. Nem sempre eu tinha a grana disponível pro ingresso e aí  me valia de uma das minha irmã Enedina, que já trabalhava numa biblioteca municipal e sempre atendia aos meus apelos de cinéfilo. Todos foram filmes que degustei na minha adolescência!

Pra chegar aos grandes mestres da arte cinematográfica, demorou um tempão e a minha iniciação só se deu quando fui pra Fortaleza fazer vestibular em 1972  e descobri o Cinema de Arte na Casa Amarela e as sessões dos sábados às dez da manhã no cine Diogo. Foi uma festa!  Aí descobri Antonioni – Bergman – Vitório de Sica - Orson Wells - Pasoline - Eisenstein - Fritz Lang - Woody Allen – Mario Peixoto –  Fasbinder – Hitchcock e nosso querido Glauber Rocha, dentre tantos mestres do Cinema. Era natural ler e citar Cahier du Cinema nas rodas de conversas que antecipavam as sessões! Comecei a ler alguns roteiros disponíveis na Casa Amarela e descobri as semelhanças que tinham com peças de teatro, outra arte de minha afeição. Quando vi alguns filmes russos é que essa semelhança ficou acentuada. Quis, então, escrever roteiros e até rabisquei alguns. Desisti, em seguida. Continuei apenas vendo muitos filmes.

(Na foto, Eu  e Patativa do Assaré -
foto de Jackson Bantim -
quando fazíamos o filme "Passarim do Assaré)
Os anos se passaram. Saí de Fortaleza pra São Paulo pra Recife pra Fortaleza! Assim se passaram dez anos! Início dos anos 80. Foi quando reencontrei o Rosemberg  Moura, hoje  Cariry  que, sabendo do meu retorno a Fortaleza, me envolveu com a produção do jornal Nação Cariry e me falou do seu desejo de fazer um documentário sobre o Patativa do Assaré utilizando um equipamento Super-8.  Não deu outra: compramos uma câmera Cannon, um editor, um projetor e iniciamos as filmagens de “ Passarim do Assaré “, o primeiro registro cinematográfico da figura emblemática do maior poeta do sertão nordestino.  A nossa equipe (eu , Rosemberg Cariry, Bola Bantim e Zé Roberto e Dedê) saía do Crato para Assaré e depois para o sítio em  Serra de Santana e ficava ali arranchada e gravando tudo que passava na frente. Naqueles dias sentíamo-nos parte da família de Patativa, sempre muito inteligente, talvez adivinhasse que a sua poesia e imagem pudessem ir mais longe com aquele filme e, com a sua grande humildade, sentia-se prestigiado. Dona Belinha, sua esposa, nos tratava com tanto carinho que nos sentíamos seus filhos. Foi uma experiência enriquecedora pra todos nós!

Com a câmera na mão e muitas idéias experimentamos à vontade.
Conheci, nessa época, muitos cinéfilos e futuros cineastas (como o Nírton Venâncio e Firmino Holanda e Francis Valle) que transitavam pela Casa Amarela regenciada então pela figura carismática e poderosa do Euzélio Oliveira. Mesmo com a resistência do Euzélio fundamos a Associação de Cineastas Amadores- Associne e, em sua primeira assembléia, fui eleito presidente da entidade. Esquisito, mas não conseguimos ir pra lugar algum com a Associne e, suponho, pela efetiva ligação com a Casa Amarela, ela “dissolveu-se”.  Não me frustrei muito porque nessa mesma época estava concentrando meus esforços na montagem do espetáculo de teatro “Dois Homens na Mina”, de Henrique Buenaventura. Depois, vendi câmera, projetor e editor e me mandei pro Rio de Janeiro até com a intenção de estudar cinema na UFF em Niterói. Visitei a Universidade e percebi que a escola de cinema andava meio sucateada. Fiquei quieto.

No Rio, no início dos anos 80, eram constantes as mostras e festivais de cinema que realimentavam o meu “verme” por cinema. O meu retorno ao Crato, definitivo, deu-se no final dos anos 80. Que decepção! Não encontrei no Cariri nenhuma sala de cinema funcionando a não ser para exibição exclusiva de filmes pornô-eróticos!  Que vergonha!  Agora os grandes filmes estavam disponíveis apenas em fitas piratas nas locadoras em fitas VHS -Vídeo Home Sistem. Esta situação até hoje persiste no Crato. O valoroso Cine Cassino foi transformado em lanchonete e o Cine Moderno que ser cine-teatro, mas nem uma coisa nem outra funcionam a contento.

Então chegamos aos anos 90. Rosemberg Cariy chega na região para fazer o seu longa-metragem  “Corisco e Dada” . Entrei na produção como ator para encarnar o cangaceiro cantador “Gitirana”.  Foi nesta produção que participei ativamente do fazer cinematográfico e tive uma experiência traumática. Numa das cenas, que ficou registrada no filme, caí sobre uma touceira de chique-chique quando o bando de Corisco fugia tresloucadamente das perseguições dos “macacos”. O Tibico Brasil, que era o fotografo de cena, se esbaldou com a minha pequena tragédia. Clicou tudo!  Soube mais tarde, que as minhas nádegas fotografadas, com outras fotos do filme, ficaram algum tempo numa exposição em Fortaleza. Tudo pela arte! Na seqüência fiz mais alguns filmes com o Rosemberg: O Auto de Leidiana (ator e assistente), Juazeiro, a Nova Jerusalém (fotógrafo de cenas), Nas Escadarias do Palácio (fotógrafo de cenas e ator), Cine Tapuia (ator e assistente). Fui assistente de direção também para Nírton Venâncio no curta-metragem “O Sol da Meia Noite”; assistente de produção no premiado “No Passo da Veia”, de Jane Malaquias; assistente e fotógrafo de cenas no documentário “Penitentes”, de Petrus Cariri e ultimamente, fui produtor executivo do tele-conto “O cinematógrafo Herege”, de Jefferson Jr, adaptação livre da crônica de  J.Flávio Vieira..

A atriz Kelvia Maia  em cena do cinematógrafo Herege, como Santa Bibiana
Ao passar por tantas produções percebi com clareza que o trabalho de ator no cinema é muito limitado e fragmentado. Não gostei disso. Outra coisa muito pesada é o ritmo alucinante das filmagens. Os altos custos para manter uma equipe de 50-80 pessoas com alimentação, hospedagem e toda uma infra-estrutura que exige o cinema, se contrapõem aos poucos recursos captados para a realização da obra. Hoje, as mídias digitais já baratearam muito o exercício da linguagem cinematográfica e, praticamente, todos os cineastas estão com “sua câmara na mão”. Ação!

Luiz Carlos Salatiel Rio de Janeiro, 17 de julho de 2005 – Crato,09 de junho de 2011.

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