TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Um exôdo de Shangri-lá? José do Vale Pinheiro Feitosa

Não vou para Shangri-lá. Não me levem para Shangri-lá.

Por que Vovô? Shangri-lá é a felicidade. Tudo lá acontece e dar certo.

Shangri-lá apenas aparenta solidez. Ela é cheia de crises. Nevascas, ventos fortes, chuvaradas repentinas. As bases de Shangri-lá não suportam as intempéries do tempo.

Ninguém pararia um projeto que prometia felicidade e impuseram ao avô a jornada para Shangri-lá.

O ar era mais puro. A temperatura oscilava por volta dos 23 graus centígrados. Um céu brilhante e de uma pureza de azul igual nunca se vira. Mesmo que alguns vivessem ao relento por falta de moradia e emprego, a vida em Shangri-lá era a única possível, fora de Shangri-lá tudo era pior. Diziam os sábios astutos veteranos e com inúmeras ações dos investimentos feitos em Shangri-lá. Aqui pode não ser o melhor dos mundos, mas é o melhor que existe entre os que conhecemos.

O Avô não mudava de idéia. Shangri-lá era artificial e hedonista. Trocava uma vida inteira por um momento de felicidade. Mesmo quem sabia dos riscos de Shangri-lá, não poderia se manifestar: tudo que tinham estava aplicado na permanência de Shangri-lá.

E foi quando caiu uma nevasca como há mais de oitenta anos não se vira. Telhados caíram, muitos vizinhos morreram de fome e frio. No aprisionado de seus cômodos ameaçados, os de meia idade estavam nublados como a realidade e os jovens tinham olhares de névoa para o que pensava o avô.

Que dizia: eu avisei. Shangri-lá não é seguro. Não era e nunca será.

Mas a nevasca acabou o céu azulou límpido como as promessas da felicidade e todos festejaram. Esqueceram os mortos, eles não se levantam mais. Esqueceram os desabrigados, não existe mais neve. Shangri-lá continuava a verdade única.

O avô novamente esquecido em seu canto balbuciava: Shangri-lá continua um enorme perigo. Não é a conjuntura do tempo que desequilibra Shangri-lá, mesmo que reforcemos os telhados.

Mas veio uma chuvarada como ninguém vivo se lembrava de outra igual. Os problemas não foram os telhados. Foram as fundações, com deslizamentos, casas soterradas, famílias inteiras desaparecidas. Shangri-lá estava inundada, os de meia idade toldados de nuvens negras e os jovens com olhares de relâmpago para o avô.

Que dizia: Shangri-lá não agüenta outra catástrofe igual a esta. Iremos todos nos mudar se outra vier.

As chuvas pararam deixando um rastro de destruições. Mas Shangri-lá tinha o destino da fênix: ressurgiu da lama (ou das cinzas). Todos estavam felizes embaixo de um céu azul, os negócios a pleno vapor e Shangri-lá retornou à promessa do que era: um momento de felicidade, mesmo que apenas para um pequeno grupo que ao sentir-se bem dizia a todos que o dia de cada ainda chegaria. Com esforço e muita luta, mas chegaria, pois Shangri-lá tem o espírito do animal, sempre rompe as barreiras a si postas.

Foi quando um terremoto de poucos minutos destruiu toda a estrutura de Shangri-lá. Que era de materiais corrompidos pelo tempo. Os que não morreram começaram uma luta pré-histórica de auto-aniquilação. Só lhes restava a imagem objetiva de Shangri-lá. Nunca houveram por bem contemplar outra possibilidade.

Os de meia idade que restavam nada tinham para dizer. Os jovens levantaram-se e começaram a emitir opiniões. Há tempos não eram ouvidos. Agora que os responsáveis haviam emudecido, eles tinham a voz e subiram na mesa da casa fazendo discursos. Diziam que não arredariam pé da sala de jantar se algo não fosse decidido a respeito do futuro. Não queriam mais sofrimentos e o problema, agora tinham certeza: era Shangri-lá.

Vovô qual é o problema?

É Shangri-lá. Vamos nos mudar de Shangri-lá. Não podemos calar as forças do mundo, mas podemos viver num lugar que possamos enfrentar as mudanças que sempre existirão com mais segurança e compreensão. Vamos para outro modo, onde a felicidade é viver uma vida inteira.




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