TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

o sol no meu chinelão antigo

A minha poesia é uma prosa decaída
como eu sou - torto e trôpego.

Além de viver esbarrando em cadeiras
e tropeçando nas minhas botas

meu pescoço sempre pende
pro lado sujo da parede.

A minha poesia é uma formosa dama
convalescente de um longo sarampo.

Tento, por deus, tento mesmo
beijá-la na boca mas seu rosto
defeituoso de tanta febre
causa-me medo.

Pode ser que a minha língua caia.
Qual a utilidade de um poeta sem língua?

Não quero perder por paixão alguma
a minha língua com suas extremidades
azuis e flexíveis.

Nessas horas a formosa dama
supõe indiferença da minha parte.

Aventuro-me então a ser lúcido o possível
e explicar-lhe que ela na verdade
não é uma dama nem formosa
apenas um ato voluntário
sabe-se lá de quem.

Concluo [para sua surpresa]
que tanto eu quanto ela
não somos absolutamente
o que imaginamos.

A minha língua com suas extremidades azuis e flexíveis
talvez seja de fato o único elo perdido.

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