Eram muitos quarteirões com um grupo em conversa animada. Na Praça dos Leões, onde ficava o Palácio do Governo, o ponto do ônibus para a Praia do Meireles, que naquela altura falava-se de um trecho chamado praia dos Diários, o clube que ficava em frente.
A praia era uma festa de homens e mulheres com seus corpos fritados por óleos bronzeadores. É isso mesmo, não era protetor solar, a regra era fritar mesmo, queimar e ficar brilhante. A festa se abria para um futuro e este estava na corrida espacial e na ficção inaugurada por Stanley Kubrick em 2001 uma Odisséia no Espaço. Como tenho saudades das sessões de arte aos sábados no Diogo.
Os americanos haviam perdido o primeiro round da corrida espacial. Os russos foram o primeirão com Iuri Alekseievitch Gagarin. Um simpático cosmonauta que teve a gentileza de plantar nas nossas mentes que: a terra é azul. E lá no Crato, sem nunca termos visto o mar sofríamos para entender a teoria que a terra era redonda com aqueles mastros de navio que iam crescendo no horizonte até aparecer o casco. Agora bastava a foto do planeta azul e estava provado.
Este ousado ser e sua cultura, tão logo se viu distante de seu mundo, imaginou a conquista do universo. A conquista do universo, não tenhamos dúvidas, significava a perpetuação da espécie. Todos nos reconhecíamos animais do planeta terra, mas simultaneamente passamos a confiar na nossa inteligência para a conquista não só dos continentes terrestres, mas de planetas distantes.
E isso migrou para a cultura a emergências de novas formas religiosas, de um magnífico desapego à vida burguesa daquele lar factual. Agora desejávamos a natureza inteira, o contato direto e nada de um ponto fixo de apego já que havia um universo para conquistar. Quem não era afeto às viagens espaciais, passou a experimentar viagens espetaculares na mente.
Novos conceitos de migrar sem sair do lugar. A idéia da conquista era tanta que virou uma fala comum: temos uma capacidade mental extraordinária, usamos apenas 10% da nossa capacidade. Pulou na música, na poesia, na pintura, no cinema, no teatro e foi pelos contos e romances de ficção.
A Era de Aquarius com seu musical e o Jesus Cristo Super Star, mesmo que fenômenos de massa era parte daquele despregar-se da gravidade, de sair pela primeira vez da morada patriarcal. Um descolamento deste derrubou barreiras, relativizou ícones, promoveu mudanças culturais profundas. A maior revolução foi doutro descolamento, a pílula anticoncepcional libertando a mulher da gravidez e, portanto, a sua sexualidade. Os machos haviam perdido a hegemonia dos múltiplos parceiros de sexo.
Isso se infiltrava de modo refletido e irrefletido no ambiente da Universidade Federal do Ceará. Em todas as ruas de Fortaleza. Nas praias, nos bares e especialmente nos clubes e seus bailes. A era de Aquarius em Fortaleza foi libertando as mulheres de serem debutantes, de desfilarem para ser miss e tanta coisa que enquadravam o feminino na fixa casa patriarcal.
No mês de dezembro de 1968 o regime militar brasileiro radicalizou a ditadura com a publicação do AI5 e neste mesmo mês e ano a Apolo 8 fez a primeira circunavegação da lua. Em 29 de julho de 1969 eu estava de férias no Crato e peguei um arranca rabo com meu pai enquanto este comemorava a vitória americana sobre os russos com a descida de seus astronautas na lua onde fincaram uma bandeira de conquista.
Nem bem se passaram três anos da conquista que parecia eterna fizemos uma leitura coletiva de uma entrevista de José Lutzenberg (que foi secretário do meio ambiente no governo Collor) no Coojornal de Porto Alegre apresentando dados catastróficos do impacto do desenvolvimento no meio ambiente. Aquilo foi um sinal terrível que a era de Aquarius, aquela não tanto astrológica, mas espacial, estava sofrendo das pernas.
Hoje Fortaleza tem quase 2 milhões e meio de habitantes, é a quinta cidade do país e efetivamente vivemos no contraponto do descolamento das viagens espaciais. Estamos todos aderidos a uma realidade finita, violenta, poluída, em crise financeira. A velha casa patriarcal foi recriada com remendos deprimidos, com imagens de ostras fechadas e sendo constantemente assolada por uma enxurrada que carrega o destino como se a um estuário sanitário.
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