Poeta e artista visual, atrevido e bem humorado, Lupeu Lacerda é
um dos remanescentes da arte no Cariri da década de 80 do século passado, que
antes era fanzineiro e hoje blogueiro. O escritor que fala de sexo nos seus
trabalhos diz que “exploro a sexualidade
em meu trabalho por saber que isso sempre causará estranhamento. As pessoas,
por incrível que pareça, ainda tem pudores em ler um texto que vem recheado de
palavras como: boceta, pica, cú”.
Alexandre
Lucas - Quem é Lupeu Lacerda?
Lupeu
Lacerda - De todas as perguntas que me fazem, essa é sempre a mais
escrota de responder... vamos lá: Lupeu é meu apelido. Antigo. Dos tempos de
menino. Odiava o apelido, mas ele foi se tornando tão forte que dominou o meu
nome: Paulo Luiz Matos de Lacerda. Incorporei-o. Por não haver mais o que
fazer. Daí comecei a assinar as coisas que escrevia e desenhava com esse nome Lupeu, o sobrenome é da minha família
cariri. Lacerda. E Lupeu Lacerda é um homem do sexo masculino, nascido no ano
da graça de 1965 em São Paulo, com 46 anos no costado, criado quando menino em
Santana do Cariri, depois em Juazeiro do Norte, que adotou o Crato como cidade
do coração, e que depois de morar em um monte de lugares aportou em Juazeiro da
Bahia, nos beiços do Rio São Francisco. Aprendiz de escritor, aprendiz de
artesão, apaixonado por todas as formas e manifestações artísticas. Pai de duas
filhas, escritor de dois livros publicados (Entre o Alho e o Sal / Caos
Technicolor), participação em algumas coletâneas, um blog meio desativado
chamado “Séquiço Sacro” (mesmo nome do fanzine que inaugurou a era de fanzines
no cariri nos anos 80), uma página meia boca na internet www.lupeulacerda.com.br , ainda cheio de sonhos, ainda
apaixonado, ainda achando que sempre dará tempo de fazer e mudar alguma coisa.
Lupeu
Lacerda - Meu
contato com a arte se deu através de gigantes! Conheci ainda adolescente
algumas pessoas que mudaram o prumo da minha visão de arte: começo com Stênio
Diniz, que já barbarizava com uma arte absolutamente “nova” na “velha” mídia da
xilogravura. Na casa dele conheci Luis Karimai (um mestre do desenho) e
Gilberto Morimitsu (um mestre da fotografia), os japas liam coisas diferentes,
olhavam coisas diferentes, gostavam de musicas diferentes. Depois enveredei nos
caminhos de Craterdã, e aprendi muito com Luis Carlos Salatiel, Normando,
Nicodemos, Carlos Rafael... enfim, tive um aprendizado absolutamente eclético.
Lia Dostoievski no sebo de Manel, conversava sobre Carlos Castaneda com Rafael,
via os desenhos de Normando, a poesia cristal de Nicodemos, bebia cerveja e
sonhos com Stenio e fui assim, aprendendo e as vezes acho que até ensinando
(pelo menos uma outra forma de olhar). Ainda hoje é assim. Meu contato com a
arte sempre foi e sempre será o contato com as pessoas que me cercam.
Lupeu
Lacerda - Bom,
eu escrevo desde que eu me entendo por coisa, bicho e gente. Mas a coisa de
publicar e ser lido vem de meados dos anos 80, com a criação do Séquiço Sacro.
Naquela época era foda escrever e ser lido. Bem foda... o único jornal
alternativo já era extinto, o “Folha de Pequi”, e partimos pra guerrilha, eu,
Uberdan e Gledson. Depois foram incorporados Hamurabi, Sidney e o grande Junior
R., rei das colagens perfeitas. Passou-se o tempo, participei de uma coletânea
de poesia organizada pelo Stênio Diniz, uma coisa bem bacana, um livro em cartões
postais. Não lembro o nome. Participei como vocalista da banda Fator RH/Lerfa
Mu (tempo melhor da minha vida). Em 2006
Sidney Rocha pegou um material meu e transformou em livro, lançado em 2007 pela
Kabalah Editora. Em 2009 participei de uma coletânea de contos chamada “tempo
bom”, que saiu pela Iluminuras. Este ano estou lançando o “Caos Technicolor”, o
que talvez seja meu último esparro poético. Nunca fui um poeta de verdade, essa
é a verdade. Sou mais um fotógrafo de palavras. Influencia Beat talvez.
Alexandre
Lucas - Como você caracteriza a
sua produção literária?
Lupeu
Lacerda - Minha
produção? Estudo. Muito estudo. Ler pra caralho. Escrever pra caralho. Apagar
pra caralho. Sei que tenho coisas a dizer. Mas ainda estou no processo de
aprender “como dizer”. Se tiver tempo, ainda quero escrever um puta livro de
contos. Ou um romance desses de guardar na estante com respeito e carinho.
Alexandre
Lucas – Como ocorre o seu processo criativo?
Lupeu
Lacerda - Gosto de escrever à mão. Em cadernos pautados. Usando barras
em vez de pontuação, pra não perder a velocidade do pensamento saca? Gosto de
escrever de noite, tomando café, depois que a casa se acalma. As vezes começo a
escrever com raiva de alguma coisa, as vezes é uma notícia que li, as vezes
forço. E me obrigo a escrever pelo menos duas páginas de rabiscos por dia.
Passo uns dias e volto pra ler a parada. Daí começo a aproveitar o que é de
aproveitar e jogar fora o que não serve. Acredito que cada pessoa que lida com
arte tem um processo, eu acho que em todos eles uma coisa é comum: trabalho
duro. E inspiração, pra ajudar a engolir o comprimido.
Alexandre
Lucas - A sexualidade é
algo notório na sua produção visual e literária. Qual a relação entra arte e
sexualidade?
Lupeu
Lacerda - O
corpo é um equipamento absolutamente artístico. Exploro a sexualidade em meu trabalho
por saber que isso sempre causará estranhamento. As pessoas, por incrível que
pareça, ainda tem pudores em ler um texto que vem recheado de palavras como:
boceta, pica, cú. Mesmo alguns que se dizem “mezzo” modernos acham bonito ver
um casal de lésbicas trepando, mas acham nojento um casal de gays. Lembro da
Dercy Gonçalves falando que na época dela, toda “artista” era puta. Acredito
sempre que arte é liberdade, que sexualidade é liberdade. E tanto uma como
outra, são mecanismos lúdicos pra trazer alegria. E a alegria meu amigo, ainda
é a prova dos nove. Tem também a influencia do que li, lógico: Miller, Anais
Nin, Ginsberg, Sade, Gide, entre tantos outros gigantes que exploraram essa seara.
Sexo é criação. Arte é recriação. No fim das contas tudo vai desaguar no mar da
arte.
Alexandre
Lucas – O que é um poeta
marginal na contemporaneidade?
Lupeu
Lacerda - À
margem como antigamente? Nada. Até porque hoje a internet bombardeia com um
zilhão de blogs de poesia, contos, micro contos, romances, receitas de bolo,
como ser um terrorista em 10 lições, enfim... não acredito que haverá a
qualidade dos “anos de ouro” 1970. Existia ali uma “coisa” fazendo a poesia
fervilhar. Uma ditadura dos milicos. Dezenas de bons escritores desesperados e
desesperançados. Dificuldade de publicar. Acho que a dureza serviu de peneira.
Difícil imaginar nessa “contemporaneidade” o surgimento de Ana Cristina Cesar,
Chacal, Cacaso, Chico Alvim... existem caras bons? Lógico que sim! Mas são mais
difíceis de encontrar, porque hoje, todo mundo anda de jeans. Rsrsrsrsrs.
Alexandre
Lucas - Como você
caracteriza seu trabalho?
Lupeu
Lacerda - Meu
trabalho é o de um aprendiz. Será sempre assim, porque quero que seja assim.
Quando escrevo eu entro todo ali. Sou onisciente ali dentro. Onipresente.
Talvez seja esse viés que faz com que alguns dos meus amigos achem que existe
algo ainda não dito, ou não feito, por mim. Gosto de escrever pra caralho! Me
faz bem, me desentala. Então, mesmo sabendo que em literatura provavelmente
“tudo” já tenha sido dito, enquanto tiver tesão de fazer isso, vou continuar
escrevendo. Persistência? Pode ser. Caracterizaria meu trabalho sim. Catarse
também. E dor. Porque escrever dói.
Alexandre Lucas - Qual a contribuição social do seus trabalho?
Lupeu
Lacerda - Não
acredito que a arte, seja ela qual for, tenha esse papel de “salvadora”. As
pessoas mudam, “ou não”, de vida a partir de uma leitura de um livro. Como
haverá alguns que mudem depois de ter perdido um avião, ou comido uma comida
estragada, ou escutado uma música. Artistas são apêndices de uma sociedade que
sempre os aturou a uma certa distancia, mas que nunca os engoliu bem de perto.
Aqui em Juazeiro da Bahia e Petrolina nós soltamos livros pelas ruas em um
projeto intitulado “Livros Andarilhos”, eu espero sinceramente que as pessoas
que encontrem esses livros façam bom proveito deles, e que depois de lidos eles
sejam de novo largados ad infinitum. As pessoas que lêem podem continuar
tristes, amarguradas e infelizes, mas nunca estarão sozinhas em companhia da
porra de um livro. Ensinar arte, compartilhar arte, levar a arte pra todos é a
vontade maior. Eu nunca faço nada pensando em atingir público A, B, ou C. eu só
quero ser lido. O resto vem por inércia. Quem lê, cobra, exige, grita, pede,
vota nulo. A contribuição social que quero não só do meu trabalho, mas do de
cada pessoa que escreve, é que os livros (todos, de qualquer gênero) deveriam
fazer parte do cotidiano das pessoas assim como o sexo, as novelas, as drogas,
a música, enfim...
Alexandre
Lucas - Quais
os próximos trabalhos?
Lupeu
Lacerda - Estou
em ritmo de finalização de meu primeiro livro de contos, que se chamará “o
trigésimo segundo dia”. Tem sido uma experiência muito prazerosa, cheia de
dúvidas e certezas, de comemorações e desesperos, de delírios de grandeza e
certeza de inutilidade. Enfim, uma gestação. Como pai e mãe espero ansioso pelo
nascimento, que deve se dar ainda este ano, caso a porra do mundo não acabe. Se
o mundo acabar, bom, vou procurar um kardecista. Sai psicografado em algum
outro planeta, que essa porra me deu muito trabalho.
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