TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 10 de novembro de 2012

Leilões



Na novela “Gabriela”, recém reapresentada na TV brasileira, numa adaptação do Romance do nosso centenário Jorge Amado, há uma cena típica da época retratada : a Ilhéus dos anos 20.   Ina, uma quenga novinha, cheirando a cueiro, tem sua estréia de gala no Bataclã, quando sua virgindade é posta em leilão pela cafetina Maria Machadão, expondo-a aos esfaimados coronéis baianos do ciclo do cacau. Pareciam imagens típicas de um período pretérito, aqueles tempos em que o casamento era uma mera instituição burocrática, uma fábrica de fazer herdeiros e manter o patrimônio das famílias mais abastadas; sem nenhuma ligação com os prazeres de alcova, geralmente procurados pelos homens, nos cabarés,  junto às profissionais do ramo. Hímen, então, era apêndice de luxo, guardado e velado a sete chaves; passível de, roto, impelir pessoas aos crimes mais hediondos. A preservação quase que doentia desta película, inclusive, precede ao cristianismo e à pretensa virgindade de Maria. Gregos, Fenícios e Romanos  vigiavam as fronteiras sexuais das suas moças, mais que os muros dos seus castelos.
                                               Nas últimas décadas, no entanto, aparentemente, a virgindade viu esvair-se   sua importância. A iniciação sexual dos jovens tem começado cada dia mais precocemente e ninguém mais se preocupa com essa história de selo. Os meninos se queixam , inclusive, que é um saco, que dá trabalho, que atrapalha. E , mais, deixou de ser condição sine qua non no casamento, ninguém se encuca mais com a inauguração, com o invicto, com quem primeiro passou pela porta da loja, mas sim com o conteúdo do estabelecimento. Virgindade,  de virtude,  passou a ser démodé, brega, a cheirar a mofo e a cafonice.
                                               A  notícia que invadiu a imprensa, nos últimos meses, pois, parece , no mínimo, estranha.  Catarina Magliorine , uma linda catarinense de vinte anos, resolveu leiloar sua virgindade, na internet. Existe, inclusive, um site especializado neste leilão eletrônico e se chama “Virgins Wanted”. Na última quarta –feira , um japonês ( o Coronel Jesuíno do momento ) viu o martelo bater e arrematou a prenda por , nada mais-nada menos ,que um e meio milhões de reais. O Bataclã do Século XXI será instalado em um avião e a lua de mel acontecerá num vôo entre a Austrália e os Estados Unidos.
                                               Nesta semana, ainda, noticiou-se, Brasil a fora,  uma outra calamidade. No município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, na fronteira com a Colômbia, a virgindade de meninas índias é comprada por um Celular, uma peça de roupa, uma caixa de chocolate ou por R$ 20,00. Existe todo um esquema criminoso envolvendo comerciantes locais, militares, motoristas  e até políticos no aliciamento de menores.
                                               Reflitamos um pouco sobre estas questões. Os casos do Amazonas não são tão diferentes do Bataclã do nosso Jorge Amado. Crianças são levadas à prostituição por mero instinto de sobrevivência . Já a nossa Catarina expõe-se, publicamente,  num leilão,  na busca desvairada pelo sangri-lá do consumo, inseto que já ferroou, inclusive, as nossas indiazinhas que se entregam , às vezes, por roupas de marca. A virgindade, talvez, pela raridade nos dias de hoje, volta a encantar . Se ontem mantinha seu infinito valor por conta da dificuldade em ser defenestrada, hoje reassume os valores de outrora, pouco a pouco, por vir se tornando um objeto em franco processo de extinção. O japonês e os meliantes do Amazonas compram-na , a preço de mercado, com a mesma sanha de um colecionador que adquire um Renoir para exibi-lo como parte da sua coleção. Nenhum dos dois tem qualquer amor à arte, fazem-no com a simples intenção de se mostrar para outros membros da sociedade, de pousar de bacana. Só. 
                               Como se vê, a história dos nossos costumes parece  andar em círculos. De repente, a virgindade volta a entrar em foco, a prostituição que se pensava seriamente ameaçada pela liberalidade sexual, reacende seu vigor; claro que com nuances e tonalidades diferentes. O imutável é apenas a Lei Internacional da Supremacia dos Poderosos sobre os Desafortunados. Continuamos numa mesma sociedade de castas, onde tudo está posto num balcão de negociação, tudo !  Dinheiro e poder compram tudo : amor verdadeiro, como dizia Nélson Rodrigues; beleza; santidade; reputação; saúde. Por enquanto,  apenas a morte ainda não entrou no processo de licitação, mas seu adiamento, sim.  A honra , neste mercado, vale alguma coisa entre o meio milhão de Catarina à caixa de chocolate das indiazinhas do Amazonas. 

J. Flávio Vieira

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