Na novela “Gabriela”, recém
reapresentada na TV brasileira, numa adaptação do Romance do nosso centenário
Jorge Amado, há uma cena típica da época retratada : a Ilhéus dos anos 20. Ina, uma quenga novinha, cheirando a cueiro,
tem sua estréia de gala no Bataclã, quando sua virgindade é posta em leilão
pela cafetina Maria Machadão, expondo-a aos esfaimados coronéis baianos do
ciclo do cacau. Pareciam imagens típicas de um período pretérito, aqueles
tempos em que o casamento era uma mera instituição burocrática, uma fábrica de
fazer herdeiros e manter o patrimônio das famílias mais abastadas; sem nenhuma
ligação com os prazeres de alcova, geralmente procurados pelos homens, nos
cabarés, junto às profissionais do ramo.
Hímen, então, era apêndice de luxo, guardado e velado a sete chaves; passível
de, roto, impelir pessoas aos crimes mais hediondos. A preservação quase que
doentia desta película, inclusive, precede ao cristianismo e à pretensa
virgindade de Maria. Gregos, Fenícios e Romanos
vigiavam as fronteiras sexuais das suas moças, mais que os muros dos
seus castelos.
Nas
últimas décadas, no entanto, aparentemente, a virgindade viu esvair-se sua
importância. A iniciação sexual dos jovens tem começado cada dia mais precocemente
e ninguém mais se preocupa com essa história de selo. Os meninos se queixam ,
inclusive, que é um saco, que dá trabalho, que atrapalha. E , mais, deixou de
ser condição sine qua non no casamento, ninguém se encuca mais com a
inauguração, com o invicto, com quem primeiro passou pela porta da loja, mas
sim com o conteúdo do estabelecimento. Virgindade, de virtude, passou a ser démodé, brega, a cheirar a mofo e
a cafonice.
A notícia que invadiu a imprensa, nos últimos
meses, pois, parece , no mínimo, estranha.
Catarina Magliorine , uma linda catarinense de vinte anos, resolveu
leiloar sua virgindade, na internet. Existe, inclusive, um site especializado
neste leilão eletrônico e se chama “Virgins Wanted”. Na última quarta –feira ,
um japonês ( o Coronel Jesuíno do momento ) viu o martelo bater e arrematou a
prenda por , nada mais-nada menos ,que um e meio milhões de reais. O Bataclã do
Século XXI será instalado em um avião e a lua de mel acontecerá num vôo entre a
Austrália e os Estados Unidos.
Nesta semana,
ainda, noticiou-se, Brasil a fora, uma
outra calamidade. No município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, na
fronteira com a Colômbia, a virgindade de meninas índias é comprada por um
Celular, uma peça de roupa, uma caixa de chocolate ou por R$ 20,00. Existe todo
um esquema criminoso envolvendo comerciantes locais, militares, motoristas e até políticos no aliciamento de menores.
Reflitamos
um pouco sobre estas questões. Os casos do Amazonas não são tão diferentes do
Bataclã do nosso Jorge Amado. Crianças são levadas à prostituição por mero
instinto de sobrevivência . Já a nossa Catarina expõe-se, publicamente, num leilão, na busca desvairada pelo sangri-lá do consumo,
inseto que já ferroou, inclusive, as nossas indiazinhas que se entregam , às
vezes, por roupas de marca. A virgindade, talvez, pela raridade nos dias de
hoje, volta a encantar . Se ontem mantinha seu infinito valor por conta da
dificuldade em ser defenestrada, hoje reassume os valores de outrora, pouco a
pouco, por vir se tornando um objeto em franco processo de extinção. O japonês
e os meliantes do Amazonas compram-na , a preço de mercado, com a mesma sanha
de um colecionador que adquire um Renoir para exibi-lo como parte da sua
coleção. Nenhum dos dois tem qualquer amor à arte, fazem-no com a simples
intenção de se mostrar para outros membros da sociedade, de pousar de bacana.
Só.
Como
se vê, a história dos nossos costumes parece
andar em círculos. De repente, a virgindade volta a entrar em foco, a
prostituição que se pensava seriamente ameaçada pela liberalidade sexual,
reacende seu vigor; claro que com nuances e tonalidades diferentes. O imutável
é apenas a Lei Internacional da Supremacia dos Poderosos sobre os
Desafortunados. Continuamos numa mesma sociedade de castas, onde tudo está
posto num balcão de negociação, tudo ! Dinheiro
e poder compram tudo : amor verdadeiro, como dizia Nélson Rodrigues; beleza;
santidade; reputação; saúde. Por enquanto,
apenas a morte ainda não entrou no processo de licitação, mas seu
adiamento, sim. A honra , neste mercado,
vale alguma coisa entre o meio milhão de Catarina à caixa de chocolate das
indiazinhas do Amazonas.
J. Flávio Vieira
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