TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Réveillon na Praia de Copacabana - José do Vale Pinheiro Feitosa


Tudo ordem na grande narrativa e anarquia nas vontades de cada um. Ônibus apinhados de gente. Automóveis entre o pé no acelerador e a brusca freada. Luzes. A árvore de natal da Lagoa muda num ciclo de luzes a roubar atenção. A orla da Lagoa com as pessoas em marcha para a faixa do litoral.

Somos litorâneos e prisioneiros das luzes. Os bares do bairro, não tão distante da orla, todos fechados. É na beira mar que o grande encontro se dará. E quando se chega ao Corte do Cantagalo, aquela fenda aberta na pedra para a passagem entre Copacabana e a Lagoa Rodrigo de Freitas, dois rios de gente fluem em ambos os lados da rua.

Desemboca na Miguel Lemos e já vai tomando o leito da rua, naquela altura os ônibus e táxis ainda permitidos estão deixando de passar. Apenas passagens eventuais. E a massa formada por todos nós é tributária caudalosa do mar de gente na Avenida Atlântica. No encontro de gente e mar.

Tantas luzes. Os apartamentos dos prédios da orla cheios de luzes e apinhados de corpos humanos. Nas salas, nos quartos, passeando nos cômodos um através o outro, de vez em quando se aproximando da janela para se admirar do povo lá embaixo, como se povo não fossem.

Policiais. Ambulantes. Gente carregando garrafas de espumantes. Ambulâncias. Defesa Civil. Corpo de Bombeiros. Os trabalhadores que servem à multidão desocupada. Restaurantes. Bares. Bufês. Barracas da Praia. Gente trepada onde a vista é mais alta. O grosso da gente concentrado perto dos telões do show. A maior parte nas areias até o encontro das marés. Muita gente dentro da água.

As barcas de fogos na penumbra, amadurecendo os ovos de luzes. Navio do tamanho de um Shopping Center. Vários navios tomados de luzes. Iates. Luzes de helicópteros piscando. Subimos ao nono andar de um apartamento na orla, esquina da Sá Ferreira. Da varada uma vista ensurdecedora, uma escuta colorida e música, danças, bebidas e comidinhas.

Quando a meia noite se aproxima, as cabeças com alguns graus acima da lucidez, de repente os fogos disparam, uma música suave no sistema de som é abafada pelos gritos de dois milhões de gente. Que não apenas se abraçam, mas, sobretudo se extasiam com o espetáculo de luzes coloridas, de explosões, de efeitos. Do imensamente grande sobre os seus olhares.

Quando tudo cessa, o fôlego se recompõe um tanto quanto tomado de fumaça. Uma nuvem cinza se manifesta na iluminação da praia. O olfato de pólvora toma conta da ambiência de seis quilômetros e os milhões de pessoas. Os olhares ainda bambos de luz e cor retornam ao interior do apartamento onde um grupo privilegiado de 65 pessoas retorna às bebidas, danças e comidinhas. Aí é que chega a ocasião da lentilha.

Um olhar para baixo o mar de gente começa a escoar pelas ruas vicinais. Rios que escoam o mar ao invés de enchê-lo. Aqueles rios de gente. Um rio que se encanta com as margens de efeitos das luzes dos fogos, mas na verdade quer tão pouco. Tão pouco revelado por ser infinitamente maior a vontade de encontrar-se com seus semelhantes do que as soluções materiais. Isso é a humanidade. Precisa tão pouco em realização material.

Aquele rio de gente é na essência uma subjetividade que pulsa entre si e nós. Quando tomarem conta de que a subjetividade é maior que a psicologia social do consumismo a gente se reconhecerá surpresa por tanto tempo que não o fizera. 

Nenhum comentário: