Um paulistano. Igual a
estes que correram abaixo da saraivada de balas de borracha, spray de pimenta e
gases irritantes das mucosas. Destes paulistanos que foram presos porque
portavam garrafas de vinagre para suportarem os efeitos sufocantes do gás lacrimogênio.
Estava vestindo a pele
de um turista deslumbrado, ele e a namora numa viagem internacional a uma
realidade distinta do seu dia-a-dia. Com a câmara fotográfica à mão, aqueles equipamentos
digitais maravilhosos, com lentes de longa distância, fotografando de modo a
romper tudo que lhes ensinaram na faculdade de administração e que é o suprassumo
da dinâmica empresarial.
Perdera o foco. Não
perdera o clic, apenas o foco conceitual, a obrigação de se concentrar no seu negócio
e segui-lo como uma batalhão que segue a trilha do objetivo. Fotografava tudo.
Quem sabe algum ângulo, um detalhe não lhe desse a expressão de uma fotografia artística
ou o registro singular de um momento.
E assim vinha o nosso
paulistano como um paulistano de volta para casa ali no centrão da cidade de
São Paulo. Pela Maria Antônia, na Consolação, na Augusta ou na Paulista. Vinha pelas
ruas de Santiago do Chile, aliás no vazio dos dias de domingo, mas plena da
truculência da polícia chilena acostumada a massacrar manifestantes e
opositores.
Vinha o Paulistano como
um “inocente” que não sabe bem porque a mão do destino lhe dá uma cacetada. Assim
como um jornalista da Folha de São Paulo, do Estado ou do Globo andando na
calçada estreita entre as manchetes e editoriais de suas publicações pedindo
porrada e a porrada que lhes caiu nos olhos, no lombo, cacetadas no pescoço.
As ruas desertas de
Santiago eram o prazer da liberdade de poder gastar aquele dinheiro suado numa
viagem internacional e as imagens eram o troféu da conquista. Eram mais do que
registros, eram os souvenires dos pedaços daquele lugar. E assim o paulistano
como um poeta metrificava cada espaço no centro da cidade.
São Paulo com suas
mazelas. Suas revoltas e sua ideologia do negócio. As partículas da matéria e
da energia são apenas a física do negócio. Tudo que existe é o negócio.
Manipule, crie demanda, venda e lucre. A felicidade é o ciclo completo e a
civilização a lei da oferta e da procura.
Seja livre e tenha
méritos. Eis o discurso ideológico. Esta tua liberdade o levará muito além e a
tua “competência” galgará a escadaria luminosa de Jacó. Por mérito sentarás à
mão direita de Deus para julgar os vivos que desejam respirar, beber e comer
quando por teus critérios eles não merecem isso e sim muito tiverem restara-lhes
uma cova rasa e uma placa elucidativa dos desconhecidos.
Ser Paulistano, já com
a conquista do status de turista é uma vitória deslumbrante na carreira deste
mérito outorgado pelo departamento de RH da empresa. Estava num estágio de
superioridade, de domínio do pedaço, assim como os jornalistas que acompanharam
na última quinta-feira a manifestação da juventude em prol do passe livre no
transporte coletivo.
Acontece. Ele não é o
escolhido. Não pertence à classe privilegiada. Não tem segurança. Não tem
direito. Nem cuidados com sua segurança pode ter pois a violência nascida na
raiz que lhe inventou se volta contra ele com um furor que reduz suas
conquistas a pó. Uma lama que nem privada mais o é. É lixão de todas as pessoas
excluídas desta “civilização” que corre mundo em todas as cidades com seus
exércitos e polícias violentos.
O paulistano se admirou
daquele carro da polícia repressiva do Chile pronta para massacrar algum
estudante que viesse à ruas reivindicar universidade pública e gratuita. O
carro era blindado, tinha chapas por todos lados e grades de ferro à frente dos
vidros e das portas. Era uma imagem muito diferente para o paulistano. Ele nunca
o vira antes e o fotografou.
O mundo desabou sobre
ele. Foi cercado por soldados fortemente armados, vestindo roupas blindadas,
bombas, armas pesadas, máscara de proteção, capacete e uma determinação de
arrasar quarteirão. Frente ao nosso paulistano frágil, de carne e osso, afinal
compreendendo não ser nada na engrenagem empresarial dos negócios, dos focos e
dos objetivos.
Não teve a dignidade do
seu corpo lanhada em pancadas como seus conterrâneos estão tendo, mas sua
honra, sua liberdade, suas vitórias, sua dignidade psicológica viraram um nada
diante da “mão invisível” do capitalismo sul americano. Mas antes de tirar o
paulistano das ruas de Santiago e remetê-lo no voo para sua conflagrada São
Paulo é preciso dizer que no mesmo dia em que corria sangue do rosto de pessoas
na cidade brasileira, em Santiago igualmente corria.
Com invasão da
Universidade pela polícia, o massacre de professores, pais e aluno. E não deixa
de ter a face lisa, cruel e cínica de um Piñera ou um Alckmin no dois lados dos
oceanos sul americanos justificando o massacre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário