TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Forró das Bolas Dentro

J. FLÁVIO VIEIRA



                                               Não deu outra. Mal Sinderval Bandeira, prefeito de Matozinho, soube da realização do Copa do Mundo aqui no Brasil, ficou todo serelepe. Cedo começou a mexer seus pauzinhos, a futucar os políticos a ele alinhados, no estado; a cutucar o vazio dos deputados federais que foram apoiados, por sua administração. O sonho era fazer de Matozinho uma das cidades sede da World Cup. Far-se-ia, claro, necessário  fazer uma reforma ampla no estádio “Sinderzão”,com capacidade atual para 2000 torcedores,  melhorar a infraestrutura da vila, mas nada impossível, principalmente vindo dinheiro das estranjas. Antes mesmo de avançar nos primeiros passos, com o ovo ainda entalado no fundo da galinha,  Sindé, através da sua amplificadora -- os puxa-sacos locais-- já fez espalhar pelas redondezas , a notícia. E o povo já ficou mais agitado que picolé em boca de banguelo. Vendedores de rolete de cana, de din-din, de pipoca , passa-raiva e filhós sonharam, imediatamente, com um substancial incremento na venda dos seus produtos. As pensões de Matozinho, então, começaram a se mobilizar , no sentido de melhorar e ampliar suas acomodações. E o professor de inglês do Grupo Escolar Cacildo Jurumenha, conhecido como “Tobias or not Tobias”, imediatamente iniciou uma turma noturna, especial, para todos aqueles que se interessassem em aprender a língua inglesa, para melhor comunicação com os turistas.
                        Com o andar da carroça, no entanto, Sinderval começou a perceber que seu sonho ultrapassava os limites da realidade. Nem mesmo a capital do estado conseguiu se tornar sede da Copa, como diabos Matozinho poderia alimentar tamanha pretensão?  O enlevo alimentado pela Vila, no entanto, não podia ser tolhido de uma vez, sob pena de trazerem consigo suas indigestas consequências políticas. Sinderval, assim, foi comendo pelas beiradas, como quem degusta prato de angu quente. Espalhou, de início, que as verbas para ampliação do estádio tinham atrasado, depois que o pessoal da FIFA estava reestudando a divisão das sedes, por fim, jogou a culpa na administração estadual que por incúria e má gestão, havia prejudicado todo o estado, com a perda de tão importante evento. O povo que foi degustando o purgante, pouco a pouco, terminou por esquecer o amargor do remédio nas últimas doses.
                         Como prêmio de consolação, Sinderval resolveu organizar uma espécie de FIFA FUN FEST local. Botou um telão no meio do “Sinderzão”, contratou sanfoneiro, cobriu o estádio de bandeirolas verdes-amarelos e estampou acima do telão um nome mais regional : “Forrozão das Bolas Dentro”. A cada jogo do Brasil, reunia-se toda Matozinho no estádio , logo cedo, começava-se o tarrabufado até a hora do jogo e, terminado o espetáculo com a invariável vitória da nossa seleção, o rela-bucho continuava noite adentro. Matozinho virou uma festa até o fatídico jogo da semifinal.
                                   Naquele dia, quando começou o bombardeio de gols contra nosso escrete, o povo se revoltou e o pau comeu no centro. Antes que a desgraça se fizesse completa, depois do terceiro gol, os matozenses rasgaram o telão de cima abaixo e quebraram , por completo, o aparelho de retransmissão. Para todos os efeitos, assim, em Matozinho pelo menos, o Brasil perdeu da Alemanha de 3X0. Houve apenas uma exceção a esta regra.
                                   O velho Vanderico Salustiano estava na capital no dia da goleada e assistiu por lá nossa derrocada. Voltou capiongo e com o humor mais baixo que diferencial de cururu. Não comentou nada com ninguém, fechou-se como pequi verde. Uma semana depois teve uma congestão: morreu-lhe o lado esquerdo e ficou com a língua trôpega. Chamaram Janjão da botica que prescreveu a meizinha milagrosa:
                                   --- Tem que tomar Aguardente Alemã: uma gota ,  pelo menos sete vezes ao dia !
                                   Ao ouvir a prescrição, Vanderico entreabriu os olhos e, língua presa, suplicou:
                                   ---- Alemã? Alemã? Não ! De sete a um de novo, não !
                                   E bateu a caçoleta.


Crato, 01/08/14

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