Não lembro mais os editores no Brasil. Poderiam ser Codex ou
a Abril. Não sei a origem se seria a Enciclopédia Britannica. Mas lembro com
precisão da revista Tecnirama, Naturama e outras que esqueci o nome. Eram
revistas que resumiam teorias científicas e tecnologias de origem científica
ali pela segunda metade dos anos 60.
Muitos assuntos acenderam luzes brilhantíssima naquele,
então, jovem rurícola, com ouvidos simultaneamente no rádio (radiolas), os
olhos no cinema e os pés em veredas, no canavial, tirando mangas e levantando
marolas nas águas do rio Batateira. Agora teve um assunto que levou-me a sonhar
acordado como regra para pegar no sono.
Zé Almino, que tinha medo de alma como sei, deixou de ter
como ele diz e eu não sabia, não sei se vocês têm conhecimento, é um inventor.
Um inventor das causas impossíveis, do pragmatismo, do sonhar é possível, do
cutucar o parasita que secreta o impossível. Zé é racional o suficiente para
não querer inventar o moto perpetuo, mas se tiver uma brecha, lá isso ele faz.
Não perde um segundo.
Ninguém é apenas os traços genéticos uma vez que a realidade
molda personalidade. Mas se fosse falar de um modo básico, Zé Almino é o pai
como ninguém entre os filhos o é. Um gozador de marca maior, caladão, um olhar
sério, enquanto faz acontecer o riso. Mas uma ressalva: caladão em termos
iniciais, pois tem a conversa estimulada e ampliada de um César Pinheiro.
Um dado. Quem conheceu o modo sério, atento e sem demonstrar
emoção, de observação sertaneja e desconfiada, de Miguel Arraes, vai encontrar
em Zé Almino este traço. Não o reconheci em nenhum outro filho do político,
embora o xará do Zé tenha algum destes traços.
Mas estou me estendendo muito na personalidade do Zé Almino.
O fato é que ambos sonhamos em fazer um Autogiro. Uma espécie de helicóptero
primitivo, pequeno, assim como é um ultraleve em relação aos aviões. Vimos na
revista Tecnirama.
E tome a estudar os detalhes. Numa varanda da casa de Dona
Leonarda, grande projeto de engenharia moderna, ao lado de um pé de cajarana, das
galinhas ciscando, o badalo das vacas no curral, alguém com uma lata d´água na
cabeça, crianças jogando pião e nós estudando os detalhes do objeto voador,
mais pesado que o ar.
Aí vem a diferença fundamental entre Zé e este que vos escreve.
Zé já vinha com o argumento do motor, da estrutura, da função das hélices, como
faziam o autogiro subir, descer e seguir em frente. A estrutura mínima
necessária. A necessidade de um cálculo estrutural e avançou pelas veredas numa
tal velocidade que fiquei na rabeira tentando tirar um espinho da planta do pé.
Zé projetava a materialidade do aparelho, enquanto eu já
voava nele. Saia de um canto do quintal de casa, subia lentamente até ver tudo
embaixo, a copa das árvores, o pessoal de casa, o telhado e subir mais ainda.
Pegar o céu azul como um urubu e tomar o rumo do litoral. Claro que meu sonho
era cauteloso: parava em algumas cidades para abastecer.
Pense no herói. Era aquele Deus descendo dos céus, como o
alemão do Zepelim, as meninas se derretendo em meu coração. Uma fantasia hollywoodiana
da fama em canhões de luzes. Uma superioridade que não humilhava e fazia
amizade entre os machos que não sei porque cargas d´águas não me expulsavam diante
do sucesso com as mulheres da terra deles.
E assim chegava a Fortaleza, vendo o mar. O mar. Sempre
ele. O objeto do desejo. Aquele que
tinha se antecipado em barulho ao meu ouvido encostado na grande concha da
praia. E outro mar. Com ondas de veículos, ruas cheias de gente, lojas chiques,
cinemas fabulosos, teatros, tudo que não havia nas ladeiras da batateira. Tudo
mas resplandecente que a cor da cal sob a luz solar. A capital.
E na apoteose do Autogiro, descendo na frente da casa dela.
Aquele arco íris do desejo de anular distâncias e sentir os olhos verdes que
arrombavam o lago de testosterona e inundava o mundo de luxúrias. A cintura do
corpo é a fronteira de dois mundos, para a baixo ou para cima, será sempre uma
grande escolha.
Ih! Zé! Foi demais. Que giro na cabeça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário