Dia destes estive conversando com uma criança,
atividade de que gosto muito. É um menino inteligente e muito perspicaz. Depois
de algumas brincadeiras linguísticas, utilizando rimas, ritmo, e um pouco do
imaginário infantil, no meio da conversa ele parou, pensou um pouco e disse num
tom entre sério e debochado: "Ele não diz coisa com coisa!" Outro
adulto que estava presente repetiu a frase como quem confirma e aprova a expressão. Fiquei triste e bastante
preocupado. Um adulto pensar assim é até natural, mas uma criança de cinco anos
com sintomas dessa natureza?
Tudo bem que um gato seja um gato e um
passarinho seja um passarinho... Mas com um pouco de imaginação, um gato pode
querer voar e cantar como um passarinho, ou um passarinho aprender a miar e
conversar com o gato. Como diria um amigo meu, o mundo das fábulas é fabuloso!
Enquanto poeta, transito livremente entre
o estreito universo da razão e as infinitas possibilidades da transcendência.
Afinal, poesia é transcendência.
Uma criança de tão pouca idade olha e vê
o mundo com espanto, onde tudo é novidade. Um caramujo no jardim, uma borboleta
sobre a flor, uma fileira de formigas... Tudo isso é ao mesmo tempo real e
fantástico. Partes de um mundo a descobrir e reinventar. A lógica binária dos
computadores não chega nem a arranhar o verniz destas realidades tão profundas
e, por isso mesmo tão simples, quando tenta explicá-las.
Sou irmão umbilical das metáforas, das
metonímias, enfim da metalinguagem. Assim, acredito e tenho fé, que a Verdade -
com "v" maiúsculo e a Beleza -idem- só podem ser alcançadas por esta
via. Entenda-se como metalinguagem todas as formas de linguagem que transcendam
aos estreitos limites racionais, incluindo as não verbais.
Não que eu despreze a Razão e o
conhecimento que dela decorre. Afinal toda esta conversa (para muitos, chata)
está firmada em argumentos plenamente razoáveis. Prefiro considerar que a razão
e suas ferramentas sejam como pedras num caminho pantanoso, onde devamos pisar
com segurança para dar um próximo passo. E ainda que nos arrisquemos pisando no
desconhecido, as pedras da razão devem ser nossas referências, nosso porto
seguro entre um e outro movimento.
Vejam que não posso abrir mão da
metáfora, mesmo pra pensar a razão. Então vamos imaginar que a casca do ovo, em
sua pequena espessura, contenha o universo racional. Toda a razão e todo o
conhecimento racional ali estão contidos. Com este conhecimento é possível
abarcar todas as realidades racionais. Tudo que existe no universo racional,
contido na espessura da casca de um ovo.
Admito que isso seja suficiente, para a
maioria das pessoas. Acontece que no interior desta casca imaginária, no
interior deste ovo-metáfora, existe mais um universo de fenômenos e
possibilidades, totalmente desconhecido e inatingível pelas ferramentas do
mundo racional. E como não bastasse, existe ainda o exterior deste ovo
imaginário, que não compreende nem sua casca (o mundo racional) nem o seu
interior.
Ao descobrir-formular este pensamento tenho
um susto imenso, quase um surto, e percebo que a Verdade e a Beleza são muito
maiores e mais plurais do que poderiam supor nossos parcos recursos racionais.
Penso com Leonardo (Boff) que a
transcendência seja uma das necessidades humanas; assim como o alimento, o
abrigo, a procriação; e se não fosse esta necessidade de transcender nossa
condição humana, de buscarmos o além-de-Nietzsche, não teríamos supra-humanos
como Leonardo (o Da Vinci); a Terra teria a forma de uma bolacha e seria o
centro do universo; o espaço seria plano e Einstein e Deus estariam errados,
e...
Sinto muito pelos meninos inteligentes que
são forçados a dizer coisa com coisa. Sinto por eles e por toda a humanidade.
João Nicodemos (2013)
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