Se não fosse uma mulher,
o frio e a solidão do sul teriam destruído a minha crença no
futuro e eu estaria no Nordeste, abandonando a pós-graduação. Eva,
embora tão diferente de mim, para o bem ou para o mal, foi uma
paixão avassaladora, o fato irresistível contra o qual homem nenhum
poderia lutar.
O meu sogro ficou viúvo
logo após o nascimento de Eva. Júlia Strauss, uma das tias
paternas, alguns anos mais velha do que Eva, administrava a casa.
Ele, Mr. Hermann, gostava de ser chamado assim, pois tinha orgulho de
sua origem europeia e disfarçava a amargura da viuvez, refugiando-se
no trabalho. Em São Leopoldo, praticamente mudara-se para a “Oficina
Baviera” e tinha certeza de que a colonização portuguesa e a
formação mestiça brasileira eram a causa irreversível do nosso
atraso.
Um dia, ele se irritou
quando lhe falei que enxergava exatamente o contrário. Na verdade,
reverencio o gênio lusitano e os nossos antepassados, por um país
tão grande, unido pelo idioma único e pela mistura de raças.
Portanto, nada mais estranho do que eu naquela família, a
contragosto vencida pela nossa determinação, pois meses depois eu e
Eva estaríamos casados.
O velho se transformou
quando Mathilde nasceu e ficou extremamente feliz ao batizarmos a sua
primeira neta com o nome da avó. A mãe, as tias, os primos eram
toda a atenção para a criança, mas o tempo passava e eu me sentia
cada vez mais só.
Eva perdera o
interesse pela profissão e Júlia Strauss, surpreendendo a todos,
ingressou no curso de Ciências Sociais. Embora discreta, exibia,
progressivamente, visível transformação. Não era mais a
solteirona gordinha, voltada exclusivamente às questões domésticas,
à sobrinha e ao bem estar do irmão. O terninho escuro, os cabelos
presos e os óculos de aros grossos, deram-lhe um ar de professora,
parecia uma intelectual. Em alguns fins-de-semana, ela vinha a Porto
Alegre e ficava conosco, tinha cursos de imersão.
Eu seguia a minha vida
com Eva, Mathilde e os estudos do doutorado. Às vezes, ainda mais só
quando elas iam para São Leopoldo e eu não podia viajar. Num desses
dias, Júlia veio para uma aula e noite de sábado, quando eu já ia
me recolher, saiu bruscamente do quarto de hóspedes e invadiu a
sala. Cabelo solto, olhos azuis, ela parou em frente a mim e atirou o
roupão.
Completamente nua, eu
fiquei maravilhado. Como não acreditar no Brasil se estavam ali os
peitos duros, a bunda firme e a boceta envenenada? Nos intervalos,
ela ria descontroladamente – como ela ria! - e cantarolava
baixinho, conhecia Luiz Gonzaga e João do Vale, a música nordestina
seria o tema da sua dissertação.
Mr. Hermann nos cobrou
outro neto e Eva, encantada com a maternidade, só pensava no
enxoval. Já não me sentia tão intruso e reconhecia o esforço da
família para que eu e Júlia terminássemos o trabalho. Eva e
Mathilde freqüentemente passavam os fins-de-semana com o avô,
enquanto Júlia vinha a Porto Alegre levantar o material de pesquisa.
Decidi-me por um
biocombustível e Júlia voltou-se sobre a autenticidade dos afetos
no inconsciente nordestino traduzido na música popular.
Necessitávamos um tempo de recolhimento para a redação final e um
amigo de Mr. Hermann nos emprestou um chalé em Gramado. Assim, num
último “tour de force,” ficamos completamente
isolados.
Na volta, nosso
progresso e a defesa próxima das teses, foram comemorados com um
churrasco. Quando Eva anunciou a gravidez, todos brindaram o novo
neto. Mr. Hermann, alegre como nunca, convencera-se de que o
sertanejo era, antes de tudo, um forte e fez questão de apresentar a
nova cozinheira, Nilzete. Ao final, riso malicioso, a baiana me
contou que mais uma Strauss estava interessada no Nordeste e sonhava
aprender comigo como se dança o baião.
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(*) Demóstenes Gonçalves Lima Ribeiro é médico-cardiologista, natural de Missão Velha e atualmente residindo e exercendo o ofício em Fortaleza-CE.
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