Quando
eu cheguei ao Rio de Janeiro, depois de longa viagem, o Brasil já
estava na guerra. Desempregado, me alistei voluntário e sonhava
retornar como herói. Stalingrado, Normandia, Monte Castelo e Montese
não me saíam da cabeça. A toda hora eu me via triunfal, entrando
em Berlim com o Exército Vermelho e atirando no nazismo o disparo
final.
Logo
a guerra acabou e arranjei trabalho. Comecei como aprendiz de
mecânico e, vagando pelos cabarés da Lapa, conheci João Cândido,
mestre-sala dos mares, o navegante negro, um mito entre os boêmios
do lugar. Mas, o sonho agora era voltar pra casa.
Um
dia, voltei e a cidade quase não mudara. O campo ia invadindo a
periferia e a miséria continuava. Alguns coronéis espertos e seus
descendentes brigavam pela prefeitura. Desde aquela época, roubar o
dinheiro público era um bom negócio.
E
fui recebido com admiração inesperada. Não me fizeram perguntas,
pareciam saber tudo a meu respeito. Envolveram-me com uma aura
imerecida e que eu não entendia muito bem. Vai ver, alguém espalhou
que eu lutara na Itália e que no combate matara um oficial alemão,
trazendo a sua máuser como troféu.
Sossegado,
eu vivia de pequenos trabalhos na oficina. No aniversário do
município ou no Sete de Setembro, estava sempre à frente do desfile
com a farda de ex-combatente e a minha pistola. Era um tempo
democrático. Pelo rádio de pilha e pelo jornal “Novos Rumos,”
ouvi falar da Revolução Cubana e de justiça social. Outros também
ouviram e formamos um pequeno grupo. Nos dias de feira, eu, Aéri, Zé
Cadete... A gente reunia alguns trabalhadores e conversava sobre liga
camponesa e reforma agrária, salário e carteira profissional.
A
vibração foi grande quando Jânio renunciou e Brizola garantiu a
posse de Jango. O socialismo parecia perto e, no delírio, não
enxergávamos a marcha da reação. Veio o golpe militar e tudo
mudou. Segundo delatores e oportunistas, nós e outros camaradas
daríamos apoio aos guerrilheiros da serra do Araripe. Quando eles
chegassem, o prefeito e o delegado, o padre e o juiz, o sacristão e
as beatas mais fanáticas não escapariam do paredão. Fui preso,
tomaram a minha máuser e nunca mais eu pude desfilar.
Agora,
Dilma caiu, Prestes está morto, Cuba agoniza e a União Soviética
não há mais. No entanto, a miséria sertaneja, as favelas, a
violência urbana provam que eles não venceram e a evolução da
história é inevitável: cedo ou tarde, o socialismo democrático
vingará.
Não
sou nem fui herói. Mas, se não me perguntaram, por que eu iria
destruir a fantasia de quem era dono tão somente de ilusões? Na
verdade, jamais estive na Itália, nunca mataria alguém e aquela
pistola eu comprei de um velho malandro na Praça Mauá.
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