Desde tempos imemoriais, principalmente no
seio de famílias menos favorecidas do interiorzão brabo desse Brasil varonil, o
desejo acalentado e inconteste de pais e mães sempre foi o de... “formar um
filho doutor” (aqui entendido como o graduar-se em Medicina).
Para tanto, e evidentemente que sem entender
da profundidade do tema, muitos pais implicitamente incorriam na famosa
“escolha de Sofia” (aquele lance em que, literalmente, haveria de se
“sacrificar” um ou mais dos rebentos, em favorecimento do “escolhido dos
deuses” ou o “premiado”; no caso, por absoluta carência de recursos necessários
à contemplação de mais de um).
E como à época vigia o conceito de que “onde
come um, comem dez” e o tal “controle da natalidade” era uma miríade distante (assim
como a televisão ainda não havia chegado pra entreter os velhos), o “fazer”
filhos era a regra em uma família paupérrima, até mesmo objetivando uma futura
e decisiva “ajuda” da meninada na labuta diária pela subsistência
(excetuando-se, como explicitado antes e restou provado à posteriori, aquele a
quem se destinaria o “olimpo”).
Mas aí, em muitas oportunidades, o próprio
rebento “premiado”, depois de ralar muito e ser aprovado no mais concorrido dos
vestibulares (Medicina), depois de seis anos de dedicação “full time”, depois
de comer o pão que o diabo amassou, visando tornar realidade o sonho dos pais,
não mais que de repente “descobre” não ter “vocação para a coisa” e que havia,
sim, um meio mais fácil de “se fazer na vida”: o ingresso na “corrupta”
atividade política.
Assim, e lamentavelmente (devido à carência
de profissionais numa área ainda tão
prioritária) muitos dos que se formaram “Doutor” à custa do esforço
sobre-humano dos pais, nunca fizeram um simples curativo, sequer manipularam
uma seringa, jamais prescreveram qualquer medicação a algum paciente e, enfim,
se mudaram de mala e cuia para o “eldorado” mafioso da política. E, para tanto,
aí sim, passaram a usar e abusar da “patente de doutor” a fim de “abrir portas”.
Adstringindo-se à nossa praia (o Ceará) dos
dias atuais, além de na capital e interior termos “doutores” no exercício do
cargo de prefeito, sem que nunca tenham exercitado a “atividade-fim” da
formação acadêmica, pululam nos parlamentos estaduais e federais um outro tanto
que adotaram o mesmo “script”.
E assim, o sonho dos pais, acalentado durante
anos e anos, jaz esquecido e deixado pra trás, por obra e graça dos encantos e
da facilidade que a atividade política oferece de “se fazer na vida”
rapidamente, mesmo que por métodos heterodoxos. Definitivamente, os tempos são
outros.
Alfim, há que se destacar, sob pena de não o
fazendo injustiçá-los, que os “vocacionados” para o mister, aqueles que
realmente “vestiram a camisa” desde o ingresso na faculdade e até a
pós-formatura, são, sim, dignos e merecedores de encômios e de reconhecimento
público pelo verdadeiro “sacerdócio” no dia-a-dia de uma atividade estressante
e sofrida. Afinal, além de não os frustrarem, se mantiveram fiéis ao sonho dos
pais de um dia… “formar um filho doutor”.
Poderão, mais à frente, após passados na
“casca do alho” de uma larga experiência no “laboratório da vida” (o exercício
diário da Medicina, principalmente junto a comunidades carentes), ingressar na
arena política objetivando melhorar a vida dos menos favorecidos, aos quais
acompanharam “pari passu”, diuturnamente.
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