Oh tempora! Oh mores ! Resolução recente do Conselho Federal de
Medicina regulamentou o atendimento médico à distância, a chamada Telemedicina.
Laudos de exames , agora, poderão ser feitos inclusive de outros estados, sem
qualquer contato dos laudadores com os doentes. Consultas poderão ser feitas
por Videoconferência, sem contato direto médico-paciente. A cirurgia robótica,
também, acaba de ser regulamentada pelo CFM, sendo permitidas cirurgias
comandadas por cirurgiões em outros estados ou países sem que , ao menos,
tenham um simples contato físico mínimo com os operados. A decisão, claro, mexe
diretamente com o exercício da medicina nacionalmente. Grandes empresas , a
partir de agora, tomarão, rapidamente, para si, a responsabilidade por grande Clínicas de
Imagens. Radiologistas e imaginologistas terão seus campos de atuação cada vez
mais restritos e precisarão enquadrar-se nos esquemas de grandes conglomerados
e corporações, agora sob salário fixo. A novidade, inclusive, rapidamente fez
com que todos os radiologistas do Instituto Materno-Infantil de Pernambuco, uma
das excelências no Ensino Médico no Brasil, fossem simplesmente postos no olho
da rua: o serviço será agora encabeçado por uma grande empresa de planos de
saúde que se responsabilizará por emitir os laudos de forma virtual. Médicos, consultando à distância,
interferirão, em pouco, nos mercados locais de Clínica Médica e não será muito
diferente com as pessoas que necessitam submeter-se a atos cirúrgicos. A
Medicina, a partir da Resolução do CFM, globaliza-se, tende mais e mais a ser
conduzida por grandes empresas imantadas pelo lucro e não pelo bem estar da
população.
Eram perfeitamente
previsíveis estes caminhos, diante do avanço tecnológico. Hoje a impessoalidade
tomou conta do mundo, as criaturas mais próximas estão distantes e as mais
distantes, estranhamente, se puseram dentro da nossa casa. A Internet, o
Smartphone, o WhatSap, uma infinidade de aplicativos, vêm tornando a vida na
terra aparentemente mais simples, prática e rápida. Resolvemos quase tudo com
um simples toque no celular : compras de feiras, em restaurantes, em farmácias;
reservas de hotéis, pagamentos de contas... Certamente, um dia, todas essas novidades que já eram tão
presentes nos jovens, terminariam por invadir o hábito das novas gerações de
profissionais da saúde e os seus clientes da geração do bitcoin.
Com mais de quarenta
anos como médico, poderia achar a Resolução
do CFM um absurdo, uma afronta à História da Medicina, prenhe de calor humano,
de olho no olho, onde a presença simples do profissional carregava consigo um
valor terapêutico muitas vezes maior do que a receita que seria, depois,
aviada. Acredito, no entanto, que o CFM apenas embarcou na montanha russa. Estes
caminhos já haviam se tornado uma realidade fática, apenas agora receberam o
seu aval inevitável. Para novos tempos,
novas abordagens médicas ! --- Assim deve ter concluído o órgão máximo da
regulação ética da profissão no Brasil. Novas gerações absolverão,
tranquilamente, estes avanços tanto da parte dos médicos quanto dos pacientes.
Para novas mentes, novas tecnologias !
Bem sei que sempre
parecerá parcial e descartável a opinião de um médico
de uma outra geração que deveria cuidar de suas artroses e não ficar emitindo
pareceres, onde não é solicitado. O grande problema, a meu ver, é que a
Medicina precisa tratar um aparelho bem mais complexo que um liquidificador. Os
males físicos vêm sempre mesclados, sutilmente, com as obsessões da alma e da
mente. A ansiedade, a depressão, a solidão, apesar de todo o avanço
tecnológico, são enfermidades que apenas têm grassado junto às pessoas,
principalmente nas grandes metrópoles. As pessoas procuram os médicos, muitas
vezes, apenas para serem ouvidas, receberem uma palavra de conforto e terem a
certeza de que ainda existe gente no mundo. O poder de cura, como a lei da
gravidade, é inversamente proporcional ao quadrado da distância. A Telemedicina talvez não signifique Medicina
à Distância, mas Distantes da Medicina .A
grande questão é que todos esquecem que
a Medicina não é uma Ciência, mas uma
Arte.
Crato, 22/02/19
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