E eis que o facebook nos premia ao republicar um nosso texto de tempos atrás, que fazemos questão de compartilhar com todos.
Suas lembranças no Facebook
Jose Nilton, nós pensamos em você e nas lembranças que compartilha aqui. Achamos que você gostaria de relembrar esta publicação de 1 ano atrás.
ADEUS... “MANTOS SAGRADOS” - José Nilton Mariano Saraiva
Confeccionados em edições limitadas, virgens, intocados e inocentes, assim eram os uniformes dos nossos principais clubes de futebol, até bem pouco tempo. E tais predicados serviam para realçar a beleza, o esplendor e a magia de cada um deles. Havia até uma certa timidez, um certo receio, um excessivo respeito que nos impedia de maculá-lo, acessá-lo, tocá-lo sequer. Como se fora algo... “sagrado”.
O símbolo do clube, e só ele, soberano e galhardo, pontificava e realçava à altura do peito esquerdo, sobreposto às cores respectivas. A camisa de um Vasco da Gama, um São Paulo, um Flamengo, um Fluminense ou um Palmeiras se nos apresentava sóbria, elegante, indevassável, imaculadamente soberana em sua pureza. Nada capaz de nodoá-las.
Além do "símbolo emblema" à frente, apenas a numeração às costas. Era, pois, motivo de orgulho pra todos nós, torcedores. Pode-se inferir que foi ali, via imaginário popular, que se materializou seu batismo como “manto sagrado” ou “segunda pele”.
Mas, aí, adentrou no campo de futebol um parceiro que mais tarde se revelaria por demais “guloso”, a televisão, já que trazendo a reboque um avassalador e temível rolo-compressor: os “patrocinadores”.
Extremamente profissionais, poderosos, fortes, exigentes e cheios da grana, comendo pelas “beiradas”, começaram o processo de demolição progressiva do romantismo imiscuído numa atividade até então praticamente amadora.
Assim é que, num primeiro momento, as bordas do próprio campo de futebol (laterais) outrora vazias, solitárias, desprezadas e sem qualquer valor mercantil, repentinamente se viram povoadas ou “premiadas” com dezenas de placas, anúncios, propagandas diversas; estáticas, em formatos variáveis e multicoloridos, tais instrumentos anunciavam desde bebidas alcoólicas a peças íntimas femininas, do másculo aparelho de barbear ao suave desodorante direcionado à mulher.
Tudo isso veiculado pela televisão, para milhões de telespectadores, tornou muita gente milionária (o Kleber Leite, à época repórter de campo da Rádio Globo e hoje poderoso empresário futebolístico no Rio de Janeiro, começou a “se fazer”, ficar milionário, via negociação das respectivas placas).
Estava dado o primeiro passo para a “profissionalização” definitiva das nossas principais equipes. E então, mais que rapidamente, foi dado o passo seguinte: “vapt-vupt”, sem que sequer nos déssemos conta, das bordas do campo o insaciável e esperto “patrocinador” resolveu pular adiante, alçar voo rumo a um espaço mais visível, generoso, abrangente e em permanente exposição: e dessa forma, agindo sem quaisquer concessões ou escrúpulos, foi que os “mantos sagrados” das nossas principais agremiações foram fria e calculadamente desvirginados, violentados, estuprados. Irreconhecíveis ficaram.
Ainda insatisfeitos, a partir de então os jogadores de futebol foram literalmente obrigados a funcionar como eficientes “outdoors ambulantes”, a anunciar um produto qualquer. Para tanto, os novos “donos do futebol” trataram de instruí-los e catequiza-los a trocarem as camisas entre si, ao final de cada pugna, ou mesmo as arremessaram para a torcida, objetivando, evidentemente, difundir a “marca”, fazê-la circular, se tornar conhecida além do campo de jogo ou do próprio estádio.
E tem mais: se antes os nossos craques se notabilizavam pelo belo sentimento amadorístico do “amor à camisa” (pela qual só faltavam se matar em campo) ou pela siderúrgica fidelidade ao clube de origem a ponto de dificilmente se transferirem para um outro, chegando mesmo a serem confundidos com a própria instituição (Pelé, no Santos, Roberto Dinamite, no Vasco e Zico, no Flamengo são exemplos emblemáticos), pois bem, como se não bastasse isso, repentinamente o patrocínio se individualiza na figura do próprio craque, avança sobre o esportista, peita e corrompe inexoravelmente o homem.
E haja “direito de imagem” pra cá, “direito de imagem pra lá”, que implica em usar um boné de uma determinada marca, uma chuteira de uma cor tal, uma prosaica “fitinha” (com a marca estampada) a prender o cabelo e por aí vai, em troca de montanhas de dinheiro (você já notou que certos jogadores, antes do início da partida, se agacham para amarrar as chuteiras, quando poderiam ter tomado tal providência no vestuário ??? pois é, trata-se de uma ação previamente ensaiada com a emissora de TV).
Resumo desse capitalismo selvagem ??? A TV transformou o futebol num rendoso, inesgotável e próspero negócio, com dirigentes e jogadores “nadando” em dinheiro. E haja propina. Nem que para isso o torcedor seja dia-a-dia desrespeitado, ignorado, relegado a ser um mero objeto de consumo, simplório coadjuvante, sem nenhum poder de escolha ou decisão; assim, os jogos tanto podem começar ao sol inclemente do meio-dia, como avançar pela madrugada e terminar no dia seguinte; o calendário vai de segunda a domingo e quem não achar correto, que se exploda.
Quanto ao nosso querido “manto sagrado”, foi pro beleléu, voou pro espaço, escafedeu-se, sumiu; é mais fácil encontrar uma agulha no palheiro que localizar, mesmo com uma possante lupa, o “símbolo do clube” em camisas repletas de propagandas às mais diversas (e normalmente de um tremendo mau gosto). Até a seleção nacional se rendeu ao mercantilismo do patrocínio e a “amarelinha” já ostenta as tais “marcas”.
O torcedor não gosta do que está vendo ??? Que vá reclamar ao papa. E estamos conversados.
PT saudações: o patrocinador.