TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

domingo, 2 de dezembro de 2007

Traduções


POEMAS DE FRANK O’HARA

FRANK O`HARA (1926-1966) é um dos grandes poetas americanos do século 20. Um dos membros da chamada New York School of Poetry, (ao lado de nomes como John Ashbery e Kenneth Koch), recebeu influência da música contemporânea (estudou música e chegou a pensar em ser pianista profissional), das artes plásticas (foi crítico de arte, curador do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque e amigo de William De Kooning, Jasper Johns, Andy Warhol, Larry Rivers e Jackson Pollock, entre outros).

Era comum Frank escrever poemas em bares, em festas, no metrô, em restaurantes, a caminho do trabalho, onde lhe desse na telha. Tinha uma enorme facilidade para escrever poesia. E escreveu muito. O título de seu livro mais famoso resume sua estética: Lunch Poems (algo como Poemas da Hora do Almoço).

A história de um dos poemas que traduzimos aqui é peculiar: depois de sua morte, o amigo e poeta Kenneth Koch foi até a casa de O´Hara e encontrou, entre suas coisas, inédito, este que é um de seus poemas mais belos e famosos. É um de meus poemas preferidos também.

“Relato Verdadeiro de Uma Conversa com o Sol em Fire Island” dialoga com o famoso poema de um de seus poetas favoritos, Maiakovski (ver tradução dos irmãos Campos e Boris Schnaidermann em Poesia Russa Moderna (Perspectiva).

Ironicamente, o poema foi escrito oito anos antes de sua morte perto da praia onde, em 24 de julho de 1966, perto do nascer do sol, ele seria atropelado por um buggy. O nome da praia? Fire Island. Tinha 40 anos.






RELATO VERDADEIRO DE UMA CONVERSA COM O SOL EM FIRE ISLAND


O Sol me acordou esta manhã em alto
E bom som, "Ei! Há quinze minutos
estou tentando te acordar.
Não seja grosso, você é só o segundo poeta
Que escolhi pra falar tão pessoalmente
então
por que você não é mais atencioso? Se eu pudesse
te queimar pela janela eu te faria
levantar. Não posso ficar na área
O dia todo".
"Desculpa, sol, fiquei
acordado até tarde falando com Hal".

"Quando acordei o Maiakóvski ele foi
bem mais pontual", disse o Sol
com petulância. "A maioria das pessoas
já acordam querendo ver se vou
dar o ar da minha graça".
Tentei
me desculpar "Senti sua falta, ontem".
"Ah, está melhorando", o Sol falou. "Achei
que você não viria aqui fora" "Você deve
estar pensando porque cheguei juntinho assim"?
"É", eu disse, já começando a ficar todo quente
pensando se ele não estaria metendo fogo em mim
no fim das contas.
"Sendo franco, ô cara, queria dizer que
gosto da sua poesia. Vejo um monte
de coisas por aí e você até que não é mal. Pode não ser
a coisa mais importante sobre a terra, mas
você é diferente. Agora, já ouvi as pessoas dizerem
que você é maluco, eles sendo excessivamente
tranqüilos pro meu gosto, e outros poetas loucos te acham
um chato reaça. Eu não.
Continue mandando ver.

Faça como eu e não dê bola. Você vai perceber
que as pessoas sempre reclamam
do clima, sempre está quente ou frio
demais, escuro ou claro demais, dias
curtos ou longos demais.
Se você fica sem aparecer um dia
já acham que você é preguiçoso ou já morreu.
Continue nesse pique, eu curto.

E não se preocupe com sua linhagem
poética ou natural. O Sol brilha sobre
a selva, tá ligado?, sobre a tundra,
o mar, o gueto. Onde estivesse você
eu já sabia e via você se movendo. Estava te esperando
pra começar a trabalhar.

E agora que você
está tirando os dias pra si, digamos,
mesmo que ninguém te leia a não ser eu,
não precisa ficar deprimido. Nem todo mundo
é capaz de olhar pra cima, nem mesmo pra mim. Machuca
Os olhos deles".
"Ai ai, Sol, estou tão agradecido!"
"Não há de quê e lembre-se que estou de olho. Pra mim é
mais fácil conversar daqui de
fora. Não sou obrigado a deslizar entre os prédios
até seu ouvido.
Sei do seu amor por Manhattan, mas
você devia olhar pra mim mais vezes.
E
sempre abrace as coisas, pessoas a terra céu
estrelas, como eu, livremente e com
um conveniente senso de espaço. Essa é sua
inclinação, conhecida no céu
e que você seguiria até o inferno, se
preciso, o que eu duvido.

Talvez nos falemos
na África, que eu também gosto
especialmente. Agora volte e durma,
Frank, e que eu possa deixar de despedida
um poeminha nessa sua cabeça".

"Sol, não vai não!", eu acordei
enfim. "Não, preciso ir, eles estão
me chamando".
"Eles quem?"
O Sol se ergueu e disse "Um

dia desses você vai saber. Estão te chamando
também" . Sombrio, o sol se levantou, e adormeci.



Por Rodrigo Garcia Lopes
Do Site : Cronópios

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei da passagem "(...)e outros poetas loucos te acham
um chato reaça. Eu não.
Continue mandando ver."

Marcos Vinícius Leonel disse...

Frank O'Hara faz parte da geração de poetas americanos que desprezavam a técnica e apostavam na linguagem do cotidiano, nas narrativas modernas, os seu diálogos são constantes, desde os futuristas russos até os neo-beatniks, é uma poesia desiludida, uma das primeiras a evidenciar a cretinice do way of life americano. Valeu a postagem.