TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 14 de março de 2009

Memória submersa?

Recebi de Sônia Haas, irmã do médico e militante do PC do B, João Carlos Haas Sobrinho, morto na Guerrilha do Araguaia, no início dos anos de 1970, o seguinte e-mail:

Amigos e familiares queridos

Na edição 534 da Carta Capital, de 25.02.09, tem uma matéria sobre a represa que vai inundar a área onde ocorreu a Guerrilha do Araguaia. (leiam texto abaixo).
Todos sabemos que existem, certamente, vários corpos, ou restos mortais, de nossos familiares, em locais ainda não descobertos, na região.

Parece-me surreal esta situação, não sei se devo chorar ou rir de nervosa, pois tanto já investi de tempo e energia na busca por João Carlos, para lhe oferecer uma sepultura digna em São Leopoldo, que fico sem ação diante de uma notícia destas.

Pela matéria teremos o "prazo" de 4 anos para encontrar o que foi impossível encontrar em 37 anos ( no caso de João).

Bem, talvez o governo federal , enfim, faça alguma ação de emergência e nos apóie nestas tentativas. Seria o correto, não? Ou será que a união vai permitir que a represa cubra a história e afogue a memória ?

Enfim, façam a leitura na revista, se puderem.

Abraços,

Sônia Haas


Guerrilha do Araguaia: Memória afogada não!

O governo Lula tem duas importantes dívidas com a democracia, em particular com os familiares dos mortos, desaparecidos e vítimas de torturas durante a ditadura militar: abrir os arquivos do regime militar; e devolver aos familiares os restos mortais dos democratas que tombaram em combate e dos assassinados na tortura. Este último objetivo, em relação aos mortos na Guerrilha do Araguaia, se tornará inviável com a construção da Usina Hidroelétrica de Santa Isabel no Rio Araguaia.

Por Aldo Arantes*

A revista Carta Capital deste fim de semana, em artigo publicado sob o título Memória Afogada, informa que, com a construção da Usina Hidroelétrica Santa Isabel, "desaparecidos há mais de três décadas, os corpos de 58 brasileiros mortos durante a Guerrilha do Araguaia, possivelmente assassinados a sangue-frio ou sob tortura pelo Exército, precisam ser encontrados em quatro anos. Ou cairão, para sempre, no esquecimento".

A matéria informa que a usina irá inundar uma área de 24 mil hectares de terras às margens do Rio Araguaia, entre Palestina, no Pará, e Ananás, no Tocantins, exatamente a região onde atuou a Guerrilha.

O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, afirmou que "se houver a inundação, será uma irreversível perda histórica". Ele sugere que o governo exija que os construtores da hidroelétrica realizem um levantamento arqueológico forense para encontrar as ossadas dos guerrilheiros. Já o presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos do mesmo Ministério, Marco Antônio Barbosa, afirmou que "Isso é um absurdo, é inadmissível que isso ocorra antes da localização dos corpos".

O PCdoB, que encabeçou a guerrilha, tem uma posição francamente favorável à utilização do nosso potencial hidroelétrico para produzir energia. Ressalta a necessidade de rigoroso estudo de impacto ambiental de tal forma que sejam adotadas medidas de mitigação visando reduzir os malefícios causados ao meio ambiente, particularmente em se tratando da construção de obras na Amazônia.

No caso da Usina Santa Isabel, em nome da democracia, dos que tombaram na guerrilha do Araguaia e de seus familiares, é inaceitável a realização desta obra sem que haja a devolução dos corpos dos guerrilheiros mortos na região.

O Brasil, sob o governo Lula, tem obtido importantes conquistas democráticas. Todavia, alagar a região da Guerrilha do Araguaia antes da devolução dos restos mortais é uma decisão inaceitável e o PCdoB deve atuar junto ao governo, de que faz parte, para que isto não ocorra.

Nosso país tem que passar a limpo o período da ditadura militar. Para isto é indispensável abrir seus arquivos, devolver os restos mortais dos combatentes pela democracia e julgar aqueles que cometeram crimes a serviço do regime militar.

Estas medidas são absolutamente necessárias para que o país, particularmente sua juventude, conheça o que ocorreu naquele período e o povo fique preparado para impedir que tais fatos não voltem a ocorrer.

* Ex-presidente da UNE e deputado constituinte, secretário de Meio Ambiente do PC do B.

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