A 17 de janeiro de 1799, por determinação de uma carta régia de D. Maria 1, "Amor e Delícias do seu Povo", o Ceará foi desmembrado de Pernambuco tornando-se independente. Foi seu primeiro governador o chefe de estrada, Bernardo M. de Vasconcelos, que fez grandes esforços no sentido de estabelecer contatos comerciais diretos da capitania com a metrópole. Entretanto, os próprios comerciantes cearenses resistiam a essa relação, uma vez que mantinham vínculos estreitos com os de Recife. Somente a partir de 1808 é que o comércio externo da capitania recebeu grande impulso, devido à exportação do algodão e a abertura dos portos às nações amigas.No seu governo, veio para o Ceará o naturalista João da Silva Feijó, com a incumbência de estudar o potencial de suas riquezas naturais. Em 1803, com a morte de Vasconcelos, veio substitui-lo Carlos Augusto de Oeynhausen, futuro Marquês de Aracati. O terceiro governador foi Luis Barba Alardo de Menezes que procurou incentivar o comércio com a Inglaterra, favorecendo a instalação de firmas Inglesas na capitania. Governou de 1808 a 1812, quando foi substituído por Manuel Inácio de Sampaio (1812-1820). Entre suas realizações podemos citar a reforma do Forte de Nossa Senhora da Assunção, o traçado da vila de Fortaleza, contando com os serviços do engenheiro Antônio José da Silva Paulet e a criação da alfândega de Fortaleza. Além disso, promovia em sua residência reuniões de literatos, conhecidas como Outeiros, precursoras dos futuros movimentos literários, muito comuns em Fortaleza. Porém, o que marcou de forma mais acentuada o seu governo foi a severa repressão ao movimento revolucionário de 1817. O sucessor de Sampaio, Francisco Alberto Rubim (1820-1821), governando em momento de grande instabilidade, foi tragado pelos acontecimentos que desembocariam na chamada Revolução Liberal do Porto, em Portugal.Incapaz de enfrentar a oposição interna ao seu governo e ao novo regime, renunciou em favor de uma junta provisória, sob a presidência de Francisco Xavier Torres.
A insurreição de 1817
O movimento de 1817 teve seu foco inicial na província de Pernambuco, espalhando-se, em seguida, pelas, províncias vizinhas. Em Pernambuco havia um grande descontentamento, devido à perda de sua importância no cenário da colônia. O cultivo da cana-de-açucar entrara em declínio e a saida do Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte de sua jurisdição causou-lhe mais prejuízos, criando as condições para o desencadeamento de movimentos republicanos. As influências do liberalismo eram evidentes; os líderes do movimento eram, em sua maioria, membros da elite ilustrada, com passagem pela Europa, estudando ou mercadejando e, consequentemente, se instruindo nas novas idéias. Vivia-se ainda sob o impacto das revoluções americana e francesa. Com o movimento, os pernambucanos queriam recuperar sua antiga posição, sob um novo regime, em um pais independente. Um dos lideres do movimento, Domingos José Martins, vivera um ano no Ceará a serviço da firma "BARROSO, MARTINS, DOURADO & CARVALHO", da qual era sócio. Essa firma tinha sede em Londres e intermediava negócios com algodão. Depois, um outro sócio, Antônio Rodrigues de Carvalho, veio para o Ceará onde divulgou amplamente os ideais revolucionários, procurando recrutar seguidores para a causa revolucionária. Mas, o principal revolucionário na Capitania foi o seminarista José Martiniano de Alencar ( cratense ). Membro de uma importante oligarquia caririense, sua mãe, Bárbara, também aderiu ao movimento. Alencar tentou a adesão de um outro potentado da região, o Capitão-Mor Pereira Filgueiras e, embora este a princípio se mostrasse simpático ao movimento, foi convencido pelo chefe de milícias, Leandro Bezerra, da temeridade do envolvimento naquela empresa. O movimento eclodiu em 6 de março e em Crato, em 3 de maio, mas, poucos meses depois, já estava debelado. Durou apenas 75 dias em Pernambuco e 8 dias no Crato. José Martiniano foi preso juntamente com seus familiares, mãe, irmãos, tios e primos que, de um modo geral participaram da revolução. Conduzidos para Fortaleza, por Pinto Madeira. "Após revistados dos pés à cabeça e ainda carregando grilhões, os presos são atirados no estreito e imundo calabouço do quartel, que fica entre a cadeia do crime e a Fortaleza incomunicáveis, alguém só pode falar-lhes de uma distância de dez metros e com sentinela à vista. Estão nus e dormirão no chão, dentro de alguns tempos estarão cobertos de cabelos, comidos de pulgas, piolhos e percevejos. São tratados como animais... Bárbara é recolhida só, em um outro cubículo, com me- nos martírio, mas sem o consolo de ver os filhos". Depois, foram enviados para a Bahia onde permaneceram presos até 1820. A repressão promovida por Sampaio fora dura e severa, tendo ele aproveitado a ocasião para perseguir desafetos, como o naturalista Feijó, que foi preso por simples suspeita.
O Ceará
A primeira reação positiva é a proclamação da independência no Ceará,que só veio a ocorrer em 16 de outubro de 1822, quando o colégio eleitoral reunido na vila do Icó rebelou-se contra a junta provisional de Fortaleza, que mantinha-se obediente às côrtes portuguesas. Elegeu-se, então, um governo temporário, que tinha à cabeça o Capitão-Mor do Crato, José Pereira Filgueiras, que tomou posse em Fortaleza, após a rendição da antiga junta. No ano seguinte foi substituído por um governo permanente, sob a direção do Padre Francisco Pinheiro Landim. No Piauí, o comandante português, João José da Cunha Fidié, não aceitou a nova realidade e resistiu à independência, reprimindo cruelmente os patriotas. Para enfrentá-lo, formou-se no Ceará uma tropa sob o comando do maior Luis Rodrigues Chaves, de João da Costa Alecrim e Alexandre Neri Ferreira.Esta, no entanto, foi derrotada pelos portuguêses na batalha de Jenipapo. Pereira Filgueiras e Tristão Gonçalves uniram-se no esforço de libertar o Piauí do jugo de Fidié; arregimentavam um grande número de homens vindos de toda a província e, em 23 de julho de 1823, conseguiram a rendição de Fidié. Estava dada a contribuição do Ceará à consolidação da independência no norte do Brasil.
A confederação do Equador
Em 1824, a chama ardente da revolução voltaria a incendiar o Nordeste; e mais uma vez, sairia de Pernambuco o grito de guerra. O Decreto de 12 de novembro de 1823, de D. Pedro I, dissolveu a Assembléia Constituinte, eleita com a finalidade de promulgar a constituição do novo Império. Esta, no entanto, se mostrou muito liberal para os desígnios do Imperador. Em Pernambuco, mantiveram-se inalteradas as condições estruturais que geraram movimentos como a Guerra dos Mascates no século XVIII e a insurreição de 17. O absolutismo de D. Pedro tendia a se respaldar nos elementos mais conservadores da sociedade, principalmente os portugueses, que, aproximando-se do Imperador, pretendiam manter os privilégios que remontavam ao período colonial. As ligações do Ceará com Pernambuco eram profundas à província, que nas suas origens tinha sido povoada em sua maior parte por colonos pernambucanos, permaneceu por muitos anos sob a jurisdição de Recife e seu porto ainda polarizava o comércio cearense. Além disso, a independência projetou para todo o Ceará a oligarquia dos Alencar e outras figuras do Cariri, cujos interesses estavam ligados a Pernambuco. A adesão à Confederação do Equador, que havia sido proclamada em 2 de julho de 1824, foi imediata, pois antes mesmo da proclamação, já haviam eclodido vários focos insurreicionais no Ceará : em 9 de janeiro, a Câmara de Quixeramobim declarou decaída a dinastia de Bragança. O Padre Gonçalo Inácio de Loiola, mais tarde, Padre Mororó, espalhou pelo Icó, São Bernardo das Russas e Aracati o fogo revolucionário. Em 2 de fevereiro, Pereira Filgueiras e Tristão Gonçalves comandaram a adesão do Crato e se dirigiram à Fortaleza onde prenderam o comandante das armas, restabelecendo a autoridade da antiga junta governativa, na qual Filgueiras era o presidente e Tristão o comandante das armas. Muitos dos revolucionários, para salientar seu nacionalismo, alteraram seus nomes: Padre Gonçalo passou a chamar-se Mororó; Tristão Gonçalves, Tristão Araripe. Surgiram, então, Carapinima, Pessoa Anta, Ibiapina, Sucupira, etc. O presidente Costa Barros, indicado por D. Pedro, foi deposto e em seu lugar constitui-se um conselho dirigido por Araripe, que enviou emissários a outras províncias, visando sua adesão. Logo o movimento entraria em refluxo, e em Pernambuco, a repressão, dirigida pelo brigadeiro Luis AIves de Lima e Silva, foi fulminante, eliminando em pouco tempo o governo revolucionário; quem não conseguiu fugir, foi fuzilado. No Ceará , começou a se verificar desertações nas hastes equatorianas: José Félix de Azevedo e Sá, substituto de Tristão Gonçalves, que tinha ido dar combate aos monarquistas no Aracati, rendeu-se a Lord Cochrane, sem esboçar nenhuma reação ao cerco que este promoveu contra a Fortaleza, pelo mar Luis Rodrigues Chaves, que foi a Pernambuco dar auxilio ao conselho revolucionário, bandeou-se para os legalistas. Os demais foram presos ou chacinados, restando apenas Pereira Filgueiras e Tristão Gonçalves, tendo o Padre José Martiniano sido preso no interior de Pernambuco. Não vendo mais sentido em continuar a luta, Pereira Filgueiras depôs suas armas no Crato, vindo a falecer no Rio de Janeiro. Quanto a Tristão Gonçalves, em sua fuga desesperada pelo interior do Ceará , fugindo à sanha assassina de seus perseguidores, escreveu uma das páginas mais emocionantes da história cearense. A maior parte de seus amigos e parentes mais queridos estavam mortos, muitos trucidados de forma bárbara, sem direito sequer a um julgamento justo. Aos poucos, o cerco foi se fechando em torno dele, até que, em 31 de Outubro de 1824, foi assassinado os margens do rio Jaguaribe, no lugar de nome Santa Rosa, hoje Jaguaribara. No momento de sua morte várias partes do corpo lhe foram arrancadas; o cadáver permaneceu insepulto por vários dias, até resolverem enterra-lo à sombra da igrejinha do lugar. No local de sua morte foi erigido um monumento que provavelmente será tragado pelas águas do açude Castanhão, projetado para ser construído naquela área. Para os que restaram prisioneiros, triste destino lhe foi reservado. Condenados à forca, nenhum carrasco se prontificou a executar a sentença, sendo a pena transformada em fuzilamento. Os primeiros a serem executados foram o Padre Mororó e Pessoa Anta. O comportamento do padre, na hora do fuzilamento, foi exemplar, não permitindo que lhe colocassem a venda nos olhos e indicando, com a mão no coração, o local que deveria ser atingido pelas balas. Pessoa Anta, por sua vez, não teve comportamento tão fleumático e, para seu azar, não morreu com a descarga do pelotão de fuzilamento, sendo morto a coronhadas. Dias depois foi a vez de Ibiapina, que foi fuzilado deitado, pois a varíola lhe atingira os pés, deixando-o incapaz de permanecer ereto. O último a ser executado foi Carapinima que, não sucumbindo à primeira descarga, ficou rodopiando no meio do Campo da Pólvora, enquanto os soldados iam ao quartel recarregar suas armas, demorando o tempo suficiente para que o pobre homem fosse alvo dos risos da multidão. Sua esposa, não suportando o espetáculo macabro, desmaiou, e só então, os executores completaram o terrível ritual. Terminava assim, em tragicomédia, a mais heróica passagem da história do Ceará.
A Revolução de Pinto Madeira
Em 1832 eclodiu outra insurreição no Ceará , só que desta vez, de caráter contrário às de 17 e 24. Joaquim Pinto Madeira era um grande proprietário e chefe político da vila de Jardim, no vale do Cariri. Conservador convicto, participara ativamente da repressão `aqueles dois movimentos. Era um partidário da monarquia absolutista e liderava na sua região uma sociedade secreta ultraconservadora a "Trono e do Altar", uma espécie de TFP (Tradição, Família e Propriedade). Com a abdicação de D. Pedro I, em 1831, seus adversários vislumbraram a oportunidade de ir à forra das derrotas do passado, ainda não cicatrizadas. Passaram a hostilizá-lo continuamente, empurrando-o no sentido da radicalização de suas posições, Arregimentou em torno de si um verdadeiro exército, com a colaboração do vigário de Jardim, Antônio Manuel de Sousa que, de tanto abençoar as armas dos jagunços, sendo muito comum o uso de bastões de madeira, por falta de armas de fogo, recebeu a alcunha de "Padre Benze-Cecetes". Com esse exército invadiu a vila do Crato, passando depois para o Icó, sendo daí rechaçado. Depois disso foram sofrendo reveses constantes até se renderem para o General Pedro Labatut, um mercenário francês que atuava no Brasil desde as lutas pela independência. Os dois insurretos foram presos e enviados para Recife e depois para o Maranhão. Pinto Madeira foi mandado de volta para o Ceará, que se encontrava presidido por seu arquiinimigo José Martiniano de Alencar. Este, não se fez de rogado; enviou o réu para a vila do Crato, onde foi julgado de forma tendenciosa, sendo acusado da morte de um tal Joaquim Pinto Cidade, e não de crime político. Condenado à forca, foi fuzilado conforme pedido feito ao tribunal. Seu companheiro, o "Benze Cacetes", escapou da forca, vindo a morrer bem mais tarde, pobre e cego. Paralelo a esse conflito, ocorreram outros semelhantes, em outros pontos diferentes do pais, porém, não se verificaram vínculos mais estreitos entre eles.
Barbara Pereira de Alencar (A Heroina)
Nascida em 11 de fevereiro de 1760 na casa-grande da Caiçara, fazenda herdada de Leonel de Alencar Rego pelo filho deste último, casou-se em 1782 com o português, Capitão José Gonçalves dos Santos, comerciante de tecidos na vila de Crato, e domiciliou-se nessa mesma vila. Outros Alencares, procedentes de Inácio Pereira de Alencar, de sua segunda núpcia, com Antônio de Leão, irmã da citada Bárbara, ou Dona Bárbara, como esta passou a ser conhecida em Crato, estabeleceram-se no Sítio Lameiro (município de Crato), que alguns escribas, quando se referem aos revolucionários caririenses de 1817, às vezes grafam erroneamente - Limoeiro Ainda em 1767, o tio paterno de D. Bárbara, José Antônio de Alencar casara-se na aristocracia do Icó, quando convolou núpcias com uma filha do Capitão Crispim dos Montes e Silva, criando-se, desta maneira, naquela vila, um futuro ponto de apoio para os Alencares em suas arrancadas políticas, rumo à Fortaleza, por ocasião da consumação da independência no Ceará e da revolução de 1824, que integrou esta província na Confederação do Equador. Em 1800, o Padre Miguel Carlos da silva Saldanha veio do Jaguaribe e assumiu as funções de vigário colado do Crato. Dois irmãos seus, casaram-se com duas irmãs de Dona Bárbara, respectivamente, eles Manoel e Alexandre da Silva Saldanha, e elas, Antônia e Jozefa Pereira de Alencar, acontecendo que morrendo o último, a viuva casou-se com Inácio Tavares Benevides, então viuvo doutra irmã de Dona Bárbara: Genoveva Pereira de Alencar, falecida sem filhos. Em 1803, o casal Dona Bárbara - Capitão José Gonçalves dos Santos casaram sua filha, Joaquina de São José (nome da moça) no clã dos Antão de Carvalho, de Oeiras, Piauí.Era outro ponto de apoio do Clã Alencar nas lutas da independência, Oeiras expedira emissários para o Crato à procura de auxilio militar. Outro tio paterno de Dona Bárbara, Dâmaso Leonel de Alencar Rego, cruzou-se com os Landins, do Engenho de Santa Teresa (Missão Velha), gente que João Brígido chamou: Os terésios. O irmão de Dona Bárbara, Leonel Pereira de Alencar e Inácio Pereira de Alencar (primeiras núpcias desta), irmão dela, casaram-se na casa grande da Coitezeira (interior do atual município de Jardim), de João Pereira de Carvalho, baiano, de Geremoabo. Rica, prestigiada pelo valor pessoal incomum e a categoria da família, Dona Bárbara desfrutava do respeito e da consideração de todos e gozava da amizade do vigário local, citado, e do Capitão-mor do Cariri, depois do Crato, José Pereira Filgueiras, ambos, seus compadres, como seu amigo e compadre foi o terceiro e último Capitão-mor do Crato, Joaquim Antônio Bezerra de Menezes, sucessor imediato do mesmo Filgueiras. Visão larga, firmeza, decisão, iniciativa, pendor de chefe e inclinação política, Dona Bárbara chefiava sua família. Para se ter uma idéia da mentalidade de amplo horizonte de Dona Bárbara bastaria esta referência: Foi ela na vila do Crato, quem primeiro construiu, em pedra e cal o prédio particular, ou fosse a parede de frente da sua casa de residência, tendo vindo o mestre - pedreiro do Recife. A casa existiu, intacta, até a uns anos atrás. Completamente reformada, por um ato de estupidez do poder público, nela funciona a Coletoria Estadual local.
O Título de Heroína
Quando o Dr. Manuel de Arruda Câmara determinou ao Padre João Ribeiro, seu íntimo amigo e segunda pessoa política, e a outros dos mais destacados portadores de sua ideologia, revolucionária, a atribuição formal do titulo de heroína a Dona Bárbara, vencedora que fosse a revolução - já então, considerava a excepcional senhora revertida dos atributos que o título supõe, o que implicava num conhecimento prévio e exato, direto ou indireto, da pessoa da privilegiada. No mesmo documento, Arruda Câmara recomenda zelo quanto ao adiantamento do filho de Dona Bárbara, o jovem José Martiniano de Alencar, que, então, estudante no Seminário de Olinda, já devia ter revelado temperamento político com pendor de líder, e uma estrutura espiritual aberta às solicitações das idéias subversivas em marcha. De caráter político, estas recomendações, a propósito da mãe e do filho, encontram-se na carta testamento, expressão da última vontade, deixada por Arruda Câmara ao referido Padre João Ribeiro e a este dirigida, firmada de Itamaracá no dia dois de outubro de 1810, acontecendo que o autor veio a falecer ainda neste ano. Arruda Câmara ligava os dois aludidos, Alencares, ao plano revolucionário, na mesma data Dona Bárbara, integrada e provada na conspiração subterrânea. Pereira da Costa volta à dita carta de Arruda Câmara e transcreve o trecho, de caráter político. Dirigindo-se a seus herdeiros ideológicos, Arruda Câmara faz nestes termos ao referir-se a Dona Bárbara; Dona Bárbara, O Crato, deve olhá-la como heroína. Pereira da Costa comenta: Quase toda aquela gente mencionada, nos trechos transcritos, tomou parte na revolução de 1817, esta D. Bárbara do Crato, de quem fala o sábio naturalista, é a DONA BÁRBARA PEREIRA DE ALENCAR, mãe de José Martiniano de Alencar. Fixemos estes dados que ajudam a esclarecer: Dona Bárbara teve no Seminário de Olinda os sobrinhos, padres José da Costa Agra, João Bandeira Marinho da Costa Agra (não confundir com o padre João Bandeira Marinho de Melo, fundador da cidade caririense de Jardim) e José Martiniano de Alencar, os quais antecederam ao primo José Martiniano de Alencar (o revolucionário de 1817) no aludido seminário, onde talvez chegaram a ser contemporâneos. Estudou ainda no mesmo seminário, o filho de Dona Bárbara, Carlos José dos Santos, nascido em 1784. (Padre Antônio Gomes de Araújo, Naturalidade de Dona Bárbara, que - por sua vez, antecipou-se ao irmão José Martiniano e certamente foi seu coevo à sombra de histórico casarão. Em 1814, já exercia as funções sacerdotais nesta paróquia de Crato, Finalmente, já no ano de 1810, José Martiniano era aluno do citado seminário, e alunos dos carbonários de Recife os Padres Joaquim de Almeida Casiro. Padre Miguelinho e João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro, ex-membro do AEROPAGO DO ITAMBÊ, ninho acadêmico de doutrinação política revolucionária, fundado por Arruda Câmara em 1796 na fronteira de Pernambuco com a Paraíba, no regresso de sua última viagem à Europa, e dissolvido em 1810, suspeito de conspirar contra o regime vigente, mas ressurgido no ano de 1812 em três academias secretas em que professavam e propagavam os mesmos princípios revolucionários, sendo principal a Academia do Paraíso, presidida pelo mesmo padre João Ribeiro. Referindo-se a este sacerdote, Dicionário Biográfico escreveu Pereira da Costa (que Oliveira Lima chamou de mestre dos historiadores, pernambucanos): ... pode catequizar, persuadir conquistar, não só os que propendiam para tais idéias - a idéia separatista, a idéia de independência - sendo ainda muitos dos maiores refratários, todavia era o Seminário a sua principal campanha e por ele cultivada com tanto zelo e assiduidade, como convinha a quem bem conhecia quanto valem e quanto duram as primeiras lições e impressões... Depois do que vai escrito, não se poder negar que Dona Bárbara tivera ligações com principais dos carbonários de Recife ainda antes de 1810, a partir das que fatalmente se estabelecem entre pai, e educadores, relações que se ampliaram ao campo político, como se vê das recomendações de Arruda Câmara a respeito do adiantamento de José Martiniano de Alencar e do titulo de heroína conferido à mãe deste último, em outubro de 1810. Claro que estas relações continuaram em crescendo e progressiva consolidação até a eclosão do movimento revolucionário de 1817, no Cariri. Se Dona Bárbara apenas houvesse consentido ativamente, que o recesso da sua casa fosse o ambiente, ano a fio, em reuniões da família, do sopro revolucionário de José Martiniano de Alencar, como realmente foi, sobretudo, que sua casa tivesse sido, como na verdade aconteceu, o centro dos dramáticos dias da revolução caririense 1817-3 a 11 de maio - estes fatos, por si, só teriam constituído autênticos atos de heroísmo, tratando-se de pessoas de seu sexo, numa época em que se considerava quase heresia a conjura ou a rebelião contra o regime e o rei, cujo poder era julgado de direito divino e castigava de morte a conspiração e o levante. Mas, a verdade é que a heroína de Arruda Câmara (patriarca dos carbonários de Recife) e da história, integraram-se na idéia-força da revolução e na sua transformação em fato. Agitar os termos de sua prisão e defesa os quais reduzem as dimensões da gravidade da sua participação nos acontecimentos de 3 de meio - não prevaleci contra o progresso, sigiloso. Quanto ao 3 de maio, o termo foi feito longe do Crato, sob a responsabilidade de gente estranha a esta terra e ao influxo da pressão moral do enorme prestígio da acusada, tudo concorrendo para amaciar a situação. Quanto aos termos de defesa... defesa é defesa. Haja vista o caso do Padre Miguel Carlos da Silva Saldanha, que, comprometido realmente em face dos documentos surpreendidos em seu poder, entretanto defendeu-se cabalmente no setor da justiça. Há outras particularidades. Em Salvador, onde a heroína e outro revolucionário estavam presos, viviam 6000 pedreiros - livres, segundo o testemunho do citado Frei Amador de Santa Teresa em sua já mencionada carta, os quais, tudo empenhavam para suavizar a situação dos réus. Mas, desembargador Bernardo Teixeira Coutinho, chefe da Devassa, de nenhum modo adversário das idéias dos réus, antes, um cripto-simpatizante, foi depois eleito deputado às Cortes de Lisboa, pela província do Minho, quando teve ocasião de assegurar, nas mesmas Colegas, Antônio Carlos e José Martiniano de Alencar, que seu filo era procrastinar o processo até que o tempo arrefecesse as paixões e um decreto de perdão mais amplo salvasse a muitos, minorando as penas de outros (Nota de Antônio Joaquim de Melo às obras Políticas e Literárias de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, anotada por Rodolfo Garcia no Vol. V-P. 213, da História Geral do Brasil, de Warnhagem, 3a.edição, Companhia de Melhoramentos, S. Paulo,1936). Por sinal que Bernardo Teixeira Coutinho acabou rompendo com o Governador por motivo desta sua complacência, e levou a melhor. Com uma autoridade Judiciária assim intencionalmente contemporizadora, teria sido possível, até a modificação de textos de peças dos processos e a substituição delas, no curso dos mesmos processos, no sentido de favorecer a situação dos culpados.O ambiente de Salvador devia convergir as suas simpatias especialmente para D. Bárbara, um espanto pelo ineditismo de seu caso: uma ré de crime político revolucionário. Abandonemos porém as conjecturas para afirmar que Bárbara Pereira de Alencar, Dona Bárbara, caririense por adoção e heroína política, é heroína por fundada preconização, ação e tradição, ela, na ordem cronológica, a primeira mulher republicana do Brasil. Sem rigor! E Crato tem a prioridade da proclamação da Independência da república no Ceará e no interior do Brasil...
Precursor e Libertador
O aluno do Seminário de Olinda, foco de ideais democráticos co-matiziz espiritual das célebres academias, academias secretas, por sua vez redutos da idéia nacionalista e republicana), José Martiniano de Alencar não nasceu depois de 1792, pois em 1º. de abril de 1832 foi escolhido Senador do Império por carta imperial desta data, e a lei exigia do candidato a idade mínima de 40 anos. A respeito de José Martiniano, como de outros, seus companheiros de banca de estudos no Seminário de Olinda, a recomendação de Arruda Câmara, recomendação política, foi observada fielmente. Os padres João Ribeiro e Miguelinho cuidaram zelosamente do adiantamento do ex-pupilo do patriarca dos revolucionários de 1817. Alencar filiou-se à Academia do Paraíso, Associou-se à maçonaria, certamente na Loja Regeneração Fundada pelo Padre João Ribeiro, referido em 1806, fato este último, comprovado pela constatação histórica (Pereira da Costa. Anais, cit. p. 93-94.) No momento em que Arruda Câmara firmava sua celebre carta. 2, 10, 1810, José Martiniano contava 18 anos de idade. O ano de 1810 e os 18 anos de Alencar naquele ano são dados importantes. Pois não há quem possa negar que o ex-pupilo de Arruda Câmara: aluno e mentorada dos padres João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro e Miguel Joaquim de Almeida Castro no Seminário e nas sociedades secretas. Não fosse, por ocasião das férias, discreta e tenazmente, soprando, no recesso da família, no circulo cauteloso de amigos e parentes, as idéias subversivas, incendiado, ele, na chama do ardor juvenil e ao impulso de seu temperamento político. A idéia não medrava em terreno estéril. No Cariri havia todo um escol espiritual propício à infusão dos princípios novos, ou fossem as ideais do seminarista José Martiniano de Alencar. Por exemplo (sem falar em Dona Bárbara, preconizada heroína desde 1810), o padre Carlos José dos Santos: o Padre Miguel Carlos da Silva Saldanha, citado; Tristão Gonçalves Pereira de Alencar, irmão de José Martiniano e nascido em 17-7-1789 (casa do Conselheiro Tristão de Alencar Araripe ao desembargador Livino Lopes da Silva Barros); Leonel Pereira de Alencar, mencionado irmão de Dona Bárbara; Início Tavares Benevides, genro daquela, e pernambucano de origem; Francisco Pereira Arnaud (e não Arnaudo), licenciado, de Missão Velha, neto do Capitão João Correia Arnaud, co-fundador da mesma cidade; Bartolomeu Alves de Quental (com 28 anos de idade em 1817,filho do Pernambuco, de Recife, José Dias Alves de Quental, que se fixara em Crato e fundou a importante família Quental, deste Cariri; Raimundo Pereira de Magalhães (mais ou menos da mesma idade de Alencar), aliás o único representante da família Bezerra de Bezerra de Menezes, do Cariri, que participou da revolução de 3 de maio de 1817 nesta zona; Francismo Pereira Maia Guimarães, fundador da família Maia sob este céus e ascendente de Álvaro Maia, interventor do Estado do Amazonas ao tempo da Ditadura Vargas. A idéia semeada, foi medrando progressivamente, sempre estimulada pelo seminarista em férias anuais e ao contato de alguns que acaso o visitam em Recife e através de um outro correligionário que por ventura se dirigisse para o seio de seu clã. A idéia já estava amadurecida quando na segunda quinzena de abril de 1816 a primeira dezena do mês seguinte, teria recebido o impulso, acidentalmente estimulante, esporádico, do Ouvidor João Antônio Rodrigues de Carvalho, que tendo tomado posse das funções em 16 de maio de 1815. Esteve em Crato, pela primeira e última vez, naquela quadra de tempo, no desempenho das funções: correição e ereção da vila de Jardim, criada em 1814. Sem descontinuidade, a atuação de Alencar prosseguiu. E quando chegou a esta vila em 29 de abril de 1817, para deflagrar a revolução no Cariri, como de fato fêz no dia 3 do mês seguinte, seu trabalho não foi mais o de semear uma idéia, que semeara anteriormente, e cultivara, em anos seguidos, mas o de convencer da oportunidade de convertê-la em revolução de fato, acrescida a tarefa da articulação e deflagração do movimento revolucionário. Admitíssemos, só para argumentar, que a Revolução Caririense de 1817 tivesse sido o resultado da curta estada, um ano antes, do Ouvidor Carvalho nesta zona - e admitíramos o absurdo de a idéia revolucionária por ele acidentalmente lançada, ter amadurecido em 12 meses, e mais o outro absurdo de José Martiniano haver aguardado, desde 1810, a ação ideológica do Ouvidor, limitando-se à exclusiva tarefa de deflagrar a revolução em 1817. Enfim, não há documentário, que autorize a dar à atuação de Rodrigues de Carvalho em Crato, o relevo imaginado, ou, melhor fantasiado por certos cronistas. O próprio Inácio Tavares Benevides, antes de ter sido o pretendido e transitório apaniguado do Ouvidor, o era, e, permanente, de Dona Bárbara e José Martiniano de Alencar. Precursor da idéia de independência e de república no Ceará (o Ouvidor Rodrigues de Carvalho chegou ao Ceará em dezembro de 1812 e não está provado que logo iniciasse a propaganda de idéias subversivas, enquanto José Martiniano de Alencar e sua mãe já em 1810 eram objeto dar preocupações políticas de Arruda Câmara); precursor da idéia nacionalista e republicana no Cariri, pioneiro da Revolução independentista e republicana no Ceará - a figura histórica de José Martiniano de Alencar configura-se no binômio: Precursor-Libetador. Libertação efêmera, mas que se consumaria em 1822 no Ceará, numa ação que ignorava ainda no Sete de Setembro e realizada pela mesma gente transitoriamente derrotada no Cariri em 1817. A independência no Ceará foi proclamada no Icó a 16 de Outubro de 1822 ao se reunirem aí os eleitores do sul da província para a escolha dos constituintes brasileiros. O governo temporário, por eles organizado, pela aliança de Tristão de Alencar Araripe um dos implicados na revolução de 1817, com o chefe realista Filgueiras, (então politicamente convertido dos Alencares, observamos nós) tomou conta do Ceará e decidiu socorrer o Piauí contra a truculência de José da Cunha Fidié. (Oliveira Lima, op. Cit. 1817 NO CARIRI-PADRE ANTÔNIO GOMES DE ARAÚJO.)
Fonte: Crato Virtual
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