TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

terça-feira, 15 de junho de 2010

Suores

Você não esperou
que eu acordasse.

Saiu antes
que lhe falasse

sobre o sonho
que tive.

Meio tosco.
Meio sinistro.

Seria diferente
se houvesse esperado
meus olhos abrirem.

Eu teria mentido.
Teria dito coisas maravilhosas.

Quem sabe também eu acreditaria
e lhe puxaria pelos braços.

Meu sorriso seria verdadeiro.
O meu beijo nem se fala.

Talvez tudo mudasse.

Você estivesse crendo
nas minhas palavras
e no meu corpo.

Mas se o meu corpo
já lhe causava fardo

impossível de fato
a companhia.

Se você não tivesse sumido.
Fechado a porta com tanta força.

Estaria eu ainda dormindo.
Silencioso.

Ninguém saberia do meu sonho.
Da minha mentira.

Você saiu com tanta pressa.
Esqueceu o frasco de perfume.

Sabe, moça, quando quero
queimar as últimas fotos
e os últimos versos

não encharco as lembranças
com álcool, querosene
ou uísque.

Uso seu perfume.
E o fogo cresce.
Toca o teto.

Tudo muito cheiroso.
Até choro.

Se você ainda estivesse
ao meu lado (acredite)

eu teria mudado
de sonho mau.

Mas você feito bala ansiosa
não esperou eu apertar o gatilho.

Saiu pelo cano do revólver.
Deu uma volta.

Acabou atingindo meu coração por trás.
Atravessou costelas.

Por isso respiro com dificuldade.
Não é o cigarro.

Não são os lances de escada
que subo toda noite
até sua alma.

Não é o vinho
a garrafa de vinho
que bebo sob eternas madrugadas.

O ar já estava pesado.
Respirávamos pelas narinas
de um rinoceronte acuado.

E naquele dia em que você acordou
repentina, com o dedo em riste
gritando que iria mudar de vida

sequer me deu tempo
para lhe falar do sonho
que tive.

Você fez a minha mala.
Pôs camisas no cabide.
Mudei de casa.

É verdade.
Agora é outra vida.
Não acordemos os mortos.

O sonho deles
é um sonho puro.

2 comentários:

joão alberto lupin disse...

li de um fôlego só. para não me perder. seus poemas são assim: parecem HISTÓRIAS EM QUADRINHOS. minha paixão.

Domingos Barroso disse...

Lupin,
aprendi a ler
(e apurar minha imaginação)
debruçado sobre pilhas e pilhas
de revistas em quadrinhos:
a lúdica infância atemporal.

E o que é a infância senão tiras de revistas em quadrinhos.

A Poesia está sempre presente.
A alma delira.

Obrigado pela observação
que me despertou este pensamento.

Forte abraço.