Vladimir Safatle
Morreu Eric
Hobsbawm, um dos mais influentes historiadores do século 20. Sua influência
veio não apenas de um trabalho seguro e rigoroso de pesquisa historiográfica
que privilegiava movimentos sociais dos séculos 19 e 20. Na verdade, em uma
época como a nossa, que parece abraçar de maneira entusiasmada a crítica das
chamadas "metanarrativas" com suas visões de processos globais e
movimentos teleológicos, Hobsbawm destoava por ser um dos poucos que não se
contentavam em afundar-se na micro-história.
Sem medo de procurar processos nos quais rupturas
socioeconômicas e produção de novas ideias de cunho universalista se
entrelaçam, Hobsbawm soube, como poucos, mostrar como a história da modernidade
ocidental sempre foi a história das revoluções.
Fiel à filosofia da história de cunho hegeliano herdada pela
tradição marxista, ele escreveu quatro livros clássicos ("A Era das
Revoluções", "A Era do Capital", "A Era dos Impérios"
e "Era dos Extremos") a fim de mostrar como as exigências
igualitárias de liberdade enunciadas pelos setores populares da Revolução
Francesa moldarão o curso da história como uma voz que sempre volta. Tal voz da
igualdade será o fator de inquietude de uma história que será, cada vez mais,
realmente mundial.
Adorno dizia que a fixação positivista nos "fatos"
escondia, muitas vezes, a simples incapacidade de enxergar estruturas. Pensar é
saber estabelecer relações e, se é inegável que certas construções da
historiografia marxista demonstram-se infrutíferas e demasiado genéricas, há de
se reconhecer que a rejeição em bloco dessa tradição teve forte impacto
negativo na nossa capacidade de pensar a história.
Mas isso nunca impediu Hobsbawm de imergir nos detalhes e
encontrar, por exemplo, na voz de Billie Holiday as marcas do sofrimento social
dos esquecidos do sonho americano (conforme o livro "História Social do
Jazz") ou nas desventuras do bandido Jesse James algo de fundamental a
respeito dos descaminhos de nosso ideal de liberdade e das debilidades do poder
(conforme o livro "Bandidos"). Hobsbawm sabia ler tais "fatos
isolados" como sintomas sociais.
Alguns, como o historiador britânico Tony Judt, insistiam
que Hobsbawm não teria capacidade de compreender as ilusões que moldaram o
século 20, em especial o comunismo. Talvez seja o caso de dizer que a
compreensão da história como simples crítica das ilusões corre o risco de
perder de vista o essencial: de onde vem a força que faz com que indivíduos
consigam ir além de seus próprios interesses imediatos? O que talvez explique
porque quis o destino que o último livro de Hobsbawm se chamasse exatamente
"Como Mudar o Mundo".
Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de filosofia
da USP (Universidade de São Paulo). Escreve às terças na Página A2 da versão
impressa.
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