TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

NOITES DE CABÍRIA



O cinema saiu do cinema e foi para a televisão. A orquestra saiu do clube e foi para o CD. A comida da mesa e conservou-se congelada. A bebida estocou-se nas prateleiras entre as quentes e as geladas. O fogo com apenas um botão é um restaurante. A casa virou a saída para a rua. E todos lá permanecem. Poucos chegam ao vão da noite.
- Isso é a violência que afugenta as pessoas da noite. Reúnem-se em casa que é mais seguro.
- Não acho que seja. Não acho mesmo. A casa se aparelhou. O som, o vídeo, a geladeira, as comidas pré-preparadas, as bebidas em abundância. A festa migrou para dentro de casa.
A velha discussão entre a expulsão e a atração para explicar até onde se chegou. O mais pesquisador foi aos detalhes:
- Se estaciono, um flanelinha vem atormentar. Nos sinais os assaltantes espreitam. Nos cinemas o cheiro de pipoca embrulha o estômago e as chupadas nos canudos de refrigerantes clamam um vomitório. Nos restaurantes a espera. Na boite bate estaca e bate bunda. No retorno para casa o tiro de uma arma de fogo pode nos acertar. Então entramos todos num programa de redução de riscos: ninguém mais sai de casa à noite.
Aí as coisas da expulsão. Os motivos pelos quais fugiram das ruas para suas casas. Como a discussão era de dois lados, o outro entra em cena:
- Posso ficar confortavelmente, do jeito que quero e com a roupa que me convém. Ligo o som, posso viajar do erudito ao popular, do canto ao instrumental, posso ouvir uma poesia, deliciar-me com um cantor ou me expandir com um coral. Se desejo, tenho o cinema da noite em múltiplos canais ou então vejo o que quero com apenas um pequena bolacha fina e leve. Janto o que quero, converso com quem quero e bebo até o limite que a luz se desliga. Por quê sair? È melhor ficar.
Enquanto este diálogo ocorria, a velha Lapa se entupia de gente nos bares, no Circo Voador, na Fundição Progresso, seguia com gente em busca das casas da Rua dos Inválidos até a Praça Tiradentes. A cidade se enche à noite nos mesmos lugares como há dezenas de anos. A vida noturna repete-se como necessidade dos espaços abertos, das calçadas e dos labirintos das ruas qual pautas ricas da lira cultural carioca.
Quando outros vão, tantos chegam. Aos bailes Funk sobre os morros em que os traficantes de drogas recebem, pois fora não podem se arriscar. Um louco baile de pura energia sensual, sexual e ritualística. Uma coreografia que explode em centenas como as borbulhas de um caldeirão em ebulição. Repetem-se muitas, inventam-se outras, originam-se algumas. O grande encontro como as noites viradas, reviradas, atravessadas até se espatifar, desmaiado de tanto sono num desastre de trânsito ou nos macios dos colchões de dormir. A festas Rave.
Pois então, a cidade são muitas. Umas que vão e chegam, outras circulam, outras se escondem, há quem se encontre, a solidão cercada de edifícios. Apartamentos conjugados que parecem um universo inteiro na casca de um ovo. Triplex que imitam as Villas do Lago de Como. Capilares são as ruas, com suas válvulas de cruzamento, suas seqüências que seguem e seguem para tão longe que nem se sabe para onde e por qual motivo.
A urbes é tudo que não é, sendo nada do que poderia ser.
José do Vale Pinheiro Feitosa

3 comentários:

LUIZ CARLOS SALATIEL disse...

Seja benvindo!
Já estava chateando o Zé Flávio como seu "ghost writer".

jflavio disse...

Você veio em bom tempo, já estava cansando os dedos de fazer o trabalho seu e o de Ronaldo.
Bem vindo ao covil!

Anônimo disse...

bem vindo, man