TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 24 de novembro de 2007

Zumbi



Neste dia 20 de Novembro , quando se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra, eu, um pretenso branco, pus-me a refletir sobre esta data , escolhida por coincidir com a morte do grande Zumbi dos Palmares, aqui no Ceará, nos idos de 1695. Reconheço que a Nação brasileira tem uma dívida impagável para com a raça negra e quaisquer medidas políticas que se tomem serão insuficientes para limpar a grande mancha de vergonha com que o período escravocrata tingiu a nossa história.
Arrancados de suas casas como animais, sob o beneplácito dos estados laico e religioso, transportados aos milhares , de forma subumana , a partir da primeira metade do Século XVI, aqui aportaram os negros , se transformando na força laborativa brasileira por mais de 300 anos. Construíram, com a força do seu sangue, o estranho país que , apesar de todos os infortúnios, aprenderam a amar. Sem nenhum direito civil, torturados de todas as formas possíveis, a raça negra carregou seu suplício até há pouco mais de 100 anos. A Lei Áurea, no entanto, não conseguiu interromper seu calvário: de repente se transformaram em levas de desempregados, perambulando, agora sem destino certo, e os anos que se seguiram, apenas confirmaram as raízes ainda profundamente excludentes da sociedade brasileira. Ainda hoje , imersos num agora mais sutil preconceito, os negros têm os piores salários, são os mais assíduos nas penitenciárias brasileiras e ainda perfazem as faixas de menor índice de desenvolvimento humano do país.
Na verdade, percebe-se claramente, que se a escravidão acabou oficialmente, a partir de 1888, oficiosamente ela apenas ganhou outros matizes e se arrasta faceira até os dias atuais. A elite capitalista brasileira achou pouco a exploração sistemática de uma raça por mais de 300 anos e terminou encontrando meios de continuar sugando o sangue de tantos, nas novas senzalas do país : as fábricas, as favelas, os presídios, as escolas públicas. Dia após dia, a cidadania da raça negra continua sendo açoitada nos novos pelourinhos : salários de fome, inacessibilidade ao trabalho, à segurança, à saúde e à educação, perseguição religiosa.
O Brasil não deve à raça negra apenas o sangue aqui derramado, num dos períodos mais sombrios e vergonhosos da nossa história. Nossa dívida é bem maior. Apesar de todas as agruras , todo sofrimento e perseguições, os negros conseguiram, de forma fenomenal dar a volta por cima. E nenhuma raça marcou mais a cultura brasileira. O Brasil é hoje um país negro na sua essência. Nossa música, por exemplo, tem profundas raízes afro: o samba, o baião, o lumdu, o maracatu de baque virado, o frevo. Sem o tempero africano a riqueza melódico/rítmica da música brasileira seria um mero espectro . Nossa culinária, também, sem o toque africano, existiria como tal ? E vejam que os escravos faziam sua culinária dos restos que sobravam das mesas dos senhores feudais: o sarrabulho. Deste toque de Midas nasceram : a feijoada, a panelada, o sarapatel, o chouriço, a buchada, a moqueca. A sobrevivência cultural fez, também, com que estabelecessem um sincretismo religioso que terminou por grassar por todas as classes sociais e, hoje, o Brasil é profundamente sincrético. Temos uma religião oficial mas que tem nuances específicas: um pouco de catolicismo, um tanto de judaísmo, um tiquinho de kadercismo, da umbanda e candomblé. A eles devemos também as nossas primeiras organizações de resistência à opressão: os quilombos. E Zumbi é , possivelmente, o primeiro herói nacional.
Assim, todas as reivindicações da raça negra ainda são mínimas se comparadas a tantas vidas que foram literalmente imoladas em nome da cultura brasileira. Eles merecem muito mais daquilo pelo qual lutam. Apenas estão pedindo um pouquinho da grande nação negra que é o Brasil e que eles, mais do que ninguém nesta terra, ajudaram a edificar. E é preciso entender que estão solicitando bem aquém do seu direito a companheiros da mesma raça, já que não existe um único brasileiro no planeta que não tenha o grandioso sangue negro borbulhando nas suas veias.



J. Flávio Vieira

Um comentário:

socorro moreira disse...

Zé,
Estamos ainda com o teu livro pregado nos olhos.Com ele te admiramos a toda hora, e te agradecemos os risos!


Abraço grande, meu nobre e talentoso amigo!