Nouriel Roubini
Na crise dos Estados Unidos da América quem mais se prejudica é a classe média que tem aplicações em mercados de ações, inclusive aquelas que sustentam sua qualidade de vida na aposentadoria. Para os entusiastas do novo capitalismo, aquele dos grandes fundos, do capital pulverizado em milhões de pessoas, isso foi um baque fundamental. O capitalismo pode ter mais donos, mas os operadores, que se encastelam nos grandes bancos e nos bancos centrais de autoridades "ultradesreguladoras", são as verdadeiras causas da fartura e da escassez. Em três meses o valor do capital em bolsas de valores perdeu US$ 7,74 bilhões, o maior volume de perdas foi nos próprios EUA (controlam 25% da riqueza mundial). Por decisões de alguns burocratas e especuladores, além da louca dinâmica dos tais mercados de derivativos, a perda equivale a mais de um sexto da riqueza mundial, mais da metade do PIB americano, seis vezes o PIB brasileiro e o dobro dos gastos mundiais com saúde. A fonte destas informações é do jornal o Globo citando Bloomberg, CIA World actbook e OMS.
Nouriel Roubini que passa a ter uma coluna semanal na revista Carta Capital, é um economista que mora em Nova York, mantém um sítio na Internet, foi quem previu a crise americana com um ano de antecedência. Para ele o buraco da crise atual é mais profundo. Em razão disso digitei a entrevista que deu ao Jornal O Globo, edição de hoje, domingo, para assinantes para a jornalista Deborah Berlinck..
O Globo: Há quem aposte que não haverá uma verdadeira recessão. O que o senhor acha?
Nouriel Roubini: Vamos ter uma recessão grave nos EUA. Ela já começou. A questão agora é o quão difícil vai ser a aterrissagem. Alguns dizem que a recessão será suave e durará dois trimestres. Eu acho que a recessão será muito mais longa e severa: pelo menos quatro trimestres, se não mais. E vai doer muito mais do que as pessoas imaginam. Em 2001 a recessão foi impulsionada pela bolha no setor tecnológico, que só representa 7% da economia. Agora a recessão está sendo provocada por baixo consumo privado, que representa 70% do PIB. Quando acabarem com a poupança e os consumidores pararem de consumir a recessão vai ser grave.
O Globo: Outras razões para acreditar numa recessão severa?
Nouriel Roubini: Outra razão é que há graves problemas no sistema financeiro. Não se trata apenas de uma crise nas hipotecas de alto risco (subprime). Há problemas com consumidores, cartões de crédito, empréstimos para estudantes, para compra de carros, comerciais...Com a recessão, muitas corporações não vão honrar o pagamento dos junk bonds (títulos podres). Houve excesso de crédito e alavancagem no sistema financeiro e em grande parte da economia. Isso levará a perdas maciças.
O Globo: Muitas empresas podem quebrar este ano, então?
Nouriel Roubini: Nos EUA, historicamente, há 3% de não-pagamento de dívidas, em média, sobretudo nas empresas com negócios de alto risco, endividadas, ou com junk bonds. No ano passado, o percentual de não-pagamento da dívida foi de apenas 0,6%. Agora dispararam para 6% e vão subir ainda mais. O calote vai aumentar muitíssimo.
O Globo: Que setores serão os mais afetados?
Nouriel Roubini: Os que operam mais no longo prazo vão estar muito mais vulneráveis, como o setor automotivo americano., que está me crise. Corporações que tiveram baixos lucros vão ter perdas, e também as empresas que se lançaram em junk bonds.
O Globo: Há rumores que o Federal Reserve (GED, o BC americano) vai cortar ainda mais as taxas de juros. Isso ajuda?
Nouriel Roubini: Não. O que o Fed fizer agora vai ser muito pouco e muito tarde. O Fed analisou errado as causas da crise, dizendo que era apenas um pequeno problema imobiliário, que iria ser rapidamente solucionado há um ano. Não apenas não está, como está se tornando a pior recessão imobiliária da História dos Estados Unidos. Não se vai solucionar insolvência com política monetária.
O Globo: Por que reguladores e bancos centrais falharam em detectar a crise?
Nouriel Roubini: No caso do Fed, a ideologia era a de um laissez-faire: baixa regulamentação e supervisão do sistema financeiro. Alan Greenspan foi o grande líder de torcida do crédito imobiliário de alto risco. Cometeram o erro de não ver que a inovação financeira pode ser uma coisa boa, mas quando se tem regras básicas, supervisão e regulamentação e transparência. Caso contrário, é a lei da selva.
O Globo: A recessão americana pode afetar boa parte do mundo?
Nouriel Roubini: Essa recessão pode levar a uma significativa desaceleração do crescimento mundial. Não a uma recessão global. Vai ser uma desaceleração mais séria do que as pessoas acreditam, porque os Estados Unidos ainda têm um quarto do Produto Interno Bruto (PIB). Se pensamos nas ligações de comércio, financiamento, taxas de câmbio, tudo isso significa que quando os EUA espirram, o resto do mundo pega uma gripe. Mas, desta vez, os EUA não apenas estão com uma gripe banal, e sim com um caso grave de pneumonia. O contágio real e financeiro vai ser sério.
O Globo: Que países serão mais afetados?
Nouriel Roubini: A maioria dos paises, mas sobretudo os que têm maior ligação com os EUA, como Canadá e México, China e partes do Leste da Ásia. O crescimento chinês pode cair de 11% para 6% ou 7%, o que é um pouso forçado.
O Globo: E o Brasil?
Nouriel Roubini: Não há o risco de crise financeira com as de 1999 ou 2002. Mas, com a redução no crescimento global, queda no preço de commodities e aversão ao risco, as coisas vão se tornar mais turbulentas.
Um último comentário: como as Ciências Econômicas ganharam conceitos da Medicina, especialmente das Doenças Infecciosas e Parasitárias, nas quais o conceito de contágio é um conhecimento básico.
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