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quinta-feira, 1 de maio de 2008

Por que a URCA (ainda) não vingou?

Em 1986, por meio da Lei no 11.191, de 09 de junho, o Governador Gonzaga Mota, cedendo as pressões locais, criou sob a forma de autarquia a Universidade Regional do Cariri - URCA. Em 1993, passados 7 anos, foi formulado o seu Plano Estratégico para o período 1993/2002. Este plano estabeleceu a missão institucional da Universidade Regional do Cariri – URCA, nos seguintes termos: “contribuir significativamente para a transformação da realidade regional, através de atividades de ensino, pesquisa e extensão, como agente ativo do processo de desenvolvimento da Região do Cariri, em sintonia com as aspirações da sociedade caririense.
Lá se vão 22 anos da criação da URCA, e 15 anos do seu primeiro, último e único plano elaborado com a participação de todos os setores da Universidade. Nenhuma iniciativa semelhante foi tomada pelas gestões seguintes. Tudo o que foi realizado foi no improviso, porque aquele planejamento somente serviu ao período de reitorado no qual foi formulado. Foi a única época em que a Universidade manteve um contato mais próximo com o setor produtivo através do Instituto Tecnológico do Cariri, por exemplo. Não se pode negar que houve ampliação das instalações físicas, da informatização, da ampliação do número de professores, nas reitorias seguintes. Mas, tais ações não foram realizadas dentro de um planejamento condizente a missão formulada anteriormente.
Nesses 22 anos, a URCA cumpriu o papel mais básico que pode cumprir uma Universidade: o ensino de graduação. Pelo menos formou uma parte do seu quadro de professores com egressos da própria casa. E ressalta-se esse fato com orgulho, pois estes profissionais se qualificaram em nível de mestrado e doutorado em importantes Universidades do país. No entanto, os outros três pilares que dão sustentação a uma Universidade ficaram atrofiados: a pesquisa, a extensão e as relações inter-institucionais. Afirmo isso, pois é como se a URCA hoje vivesse um tanto isolada das instituições locais, não por vontade própria. Na verdade, é como se a URCA não fosse reconhecida em seu papel, sendo tratada apenas como mais uma escola, que tem como objetivo principal preparar o estudante para o próximo nível de aprendizado. A Universidade tem também esse papel e vai mais além, qualifica recursos humanos para os diversos processos sociais que interagem entre si e que tem como resultado esperado o desenvolvimento social, político, econômico e institucional.
Os investimentos do governo estadual contribuíram de forma muito aquém do necessário para o cumprimento da missão da URCA. Hoje, para atender um conjunto de 5.000 estudantes, somente nos cursos regulares, existem cerca de 300 professores, dos quais somente 44 são doutores. Ou seja, apenas 14% dos professores da URCA são doutores. No entanto, além das atividades normais de sala de aula, esses professores precisam assumir papéis administrativos, realizar pesquisa, entre outras atribuições. Enfim, não existe um quadro de recursos humanos em quantidade suficiente para realizar todas as atividades que requer uma Universidade. Principalmente uma Universidade que tem como papel contribuir para “a transformação da realidade regional”. Ressalta-se, ainda, que nunca houve um concurso público para cargos administrativos na Universidade.
Temos, então, reunidos três fatores ou atores que têm implicações sobre até onde pode contribuir a URCA efetivamente para o desenvolvimento regional: a própria URCA (gestores); o governo estadual; a sociedade civil (refletida em suas instituições públicas, organizações do terceiro setor, empresas, etc). A rede formada precisa de energia para funcionar: se a sociedade cobra apenas o ensino, apenas o ensino será fornecido, o que torna ineficiente a Universidade; se a URCA não se organiza, não se planeja, não pode cobrar do governo do estado recursos necessários para desempenhar o seu papel (mas como se planejar se as demandas diárias consomem toda energia do seu exíguo quadro de pessoal e de recursos?); se o governo estadual não é pressionado pela URCA e esta não é pressionada pela sociedade, o governo estadual que não participa diretamente da dinâmica e não conhece as demandas locais, como conhecem os que aqui vivem, dificilmente será alcançada a almejada transformação regional.
A URCA tem problemas de gestão? Tem! Esses problemas são desde a sua criação? São! O governo estadual, nas suas várias gestões, tem procurado minimizar isso? Em parte! Na verdade, já que a sociedade está sendo atendida pelas faculdades privadas, o governo está dando cada vez menos importância as Universidades públicas. Mas como afirmado antes, uma Universidade não é só ensino. O ensino não se faz sem a pesquisa e a pesquisa é a base da melhoria das condições humanas. Nenhum país hoje desenvolvido teria conseguido sem ter formado o que os economistas denominam de Sistema de Inovação Nacional, que funciona através de uma rede de instituições que pensam, catalisam e aplicam o conhecimento. Exploraremos esse tema em outra oportunidade.
Mesmo assim a URCA está conseguindo realizar o seu papel, porém não com a eficiência requerida. E a sociedade? A sociedade esperou pela URCA, mas como a URCA não se fez em plenitude, a sociedade deixou de acreditar no potencial da Instituição.
É chegado o momento de sair dessa encruzilhada. O que é necessário? A URCA mesmo com todas as suas deficiências tem de se organizar e chegar na sociedade. A sociedade tem de voltar a acreditar e ambas, URCA e sociedade, tem de mostrar ao governo estadual que a única forma de transformar uma realidade é fornecendo os meios fundamentais para tanto. Prefeituras e setor produtivo, por exemplo, vamos nos aproximar, vamos formar uma rede, trabalhar em conjunto, PLANEJAR o desenvolvimento. Trabalhar em parceria, precisamos urgentemente disso.
Já temos instituições e massa crítica suficiente para pensarmos e projetarmos o desenvolvimento a partir de nós mesmos. Precisamos descentralizar o planejamento que atualmente é realizado nos escritórios de Fortaleza pelo governo estadual. Precisamos que os órgãos do governo aqui estabelecidos não sejam somente executores, mas que pensem a Região a partir dela mesma: este seria o papel da URCA e de um conjunto de instituições que no momento se encontram cerceadas e isoladas. Então, mãos à obra! Nós do Departamento de Economia gostaríamos de estabelecer contato e firmar parcerias. Espero que esse seja um começo.
Em artigos futuros discutiremos o papel de cada ator aqui referido no processo de desenvolvimento da nossa Região. Em outras palavras, como a combinação desses atores é fundamental para que de forma planejada, consciente e antecipada, seja escolhido um conjunto de variáveis – econômicas, tecnológicas, políticas, institucionais, sociais, estruturais -, que permitam obter resultados efetivos e sustentáveis para o nosso Cariri.

3 comentários:

Dihelson Mendonça disse...

Um excelente e oportuno texto, Micaelson,

Com sua permissão, estarei publicando o mesmo no Blog do Crato, a fim de que outras pessoas possam lê-lo também, e desde já faço o convite para que possa se tornar um membro de lá também, bastando que você me forneça o e-mail para envio do convite de autor.

Um grande abraço,

Dihelson Mendonça

Maria de Araújo disse...

O MUNDO DÁ MUITAS VOLTAS...

(Abaixo, excertos do artigo publicado pelo prof. Micaelson – que cerrou fileiras com a chapa vencedora (Plácido/Otonite) na consulta feita em maio/2007 – publicado no “Jornal do Cariri”, edição 25 de abril a 6 de maio de 2008).

Centralismo Democrático X Universidade Participativa
José Micaelson Lacerda Morais
(do Depto.de Economia da URCA)

Eu imaginava que a URCA já havia chegado ao fundo do poço e que todas as forças de uma nova gestão seria direcionadas no caminho inverso. Lá se vai quase um ano de uma nova administração, nova no nome, velha nas práticas políticas (...)
(...) Na URCA assistimos uma consolidação de um grupo de poder que desafia o poder hierárquico, inclusive na própria reitoria. Na URCA o dia a dia e o que se passa nas unidades externas parece ter mais importância do que repensar o posicionamento e futuro desta instituição para a Região (do Cariri). Na URCA, o Reitor ainda não conseguiu estabelecer um diálogo com a academia, não conseguiu articular as pró-reitorias e centros em torno desta discussão. Na URCA, umas poucas pró-reitorias limitam o poder administrativo da Reitoria. Só não vê quem não quer.

Maria de Araújo disse...

Seria oportuno este blog publicar a integra do artigo do prof. Micaelson (um nome respeitado por todas as alas da URCA. Trata-se da análise mais lúcida que se fez até agora sobre a tomada do poder na URCA,pelo PC do B (leia-se o "trio"
alienígena Darlan-Plinio Delatorre-Waltécio)