Cinco horas da tarde. O Sr. Samuel olhou com lentidão programada cada coisa espalhada pelo seu quarto. Coisas. Ele sabia que eram coisas. Ele sabia o nome de cada uma daquelas coisas. Sabia quando elas tinham vindo parar na sua mão, e porque. Olhou pra baixo de sua cama e sentiu – mais do que viu – seus chinelos. Velhos. Tudo naquele quarto era velho, ele sabia. Calçou as sandálias e foi até a janela. Levantou sem esforço o caixilho e mais uma vez se espantou. Todas as tardes ele cumpria o mesmo ritual: olhar suas coisas, calçar as sandálias, abrir a janela e olhar a rua. Sempre no mesmo horário. Sempre um novo espanto. De onde vinha tanta coisa nova, se no seu quarto o tempo teimava em não passar? O garoto filho da vizinha fazia piruetas em um skate colorido. Cinco meninas rodavam em uma ciranda sem som. O sol tingia as nuvens em vinte? Trinta? Sabe-se lá quantos matizes de cores diferentes. Um passarinho desconhecido cerzia um ninho na lâmpada queimada do poste da esquina. O Sr. samuel pensou se eram reais as imagens. Se aquilo tudo não era uma ilusão. Uma a mais. O novo, desde há muito, o entristecia mais do que o assustava. Pensou em gritar. – Maria! Ô mariiia! Não. Gritar para quê? Para quem? Sabia. Sentia. Maria não existia mais naquela casa. Tinha existido? As vezes se flagrava pensando que as pessoas que tinham morrido naquela casa nada mais eram do que personagens dos seus velhos livros lidos. Maria, madalena, aurora... maria, madalena, aurora...
- seu samuel! Seu samueel!
Pensou em não responder. Pensou em simplesmente abrir a janela e saltar. E se não morresse logo? E se ficasse completamente estropiado e “vivo”? – um momento! Um momento por favor.
- seu samuel, dona sebastiana mandou lhe avisar que o senhor esqueceu de novo de pagar o condomínio.
- esquecer? Eu não esqueço nada! Nunca! Diga a dona sebastiana que logo mais eu passo em sua residência e acerto tudo. É lógico que isso não passa de um problema documental da senhora sebastiana. Mas eu acertarei tudo. Acertarei tudo. Está me compreendendo?
O garoto que tinha dado o recado de há muito que tinha saído, mas o senhor samuel detestava ser interrompido. Tanto fazia se tinha ouvintes ou não, ele nunca deixava um raciocínio sem conclusão. Sem se achar completamente convencido. – essa dona sebastiana é uma criatura má e sem escrúpulos. Eu lhe disse – há muito pouco tempo – que eu não moro nessa coisa que ela chama de apartamento. Na realidade eu moro no passado. E ao que me conste, o passado não tem taxa de condomínio. Eu posso até dormir nesse ano da graça. Mas eu sempre acordo em meados dos anos quarenta. Eu sou um romântico. Eu sou uma partícula de uma jazz band que toca ininterruptamente uma música sem fim ou começo. Eu sou sam. O sam que o bogart diz: “toque de novo sam”.
- seu samuel! Seu samueel!
Pensou em não responder. Pensou em simplesmente abrir a janela e saltar. E se não morresse logo? E se ficasse completamente estropiado e “vivo”? – um momento! Um momento por favor.
- seu samuel, dona sebastiana mandou lhe avisar que o senhor esqueceu de novo de pagar o condomínio.
- esquecer? Eu não esqueço nada! Nunca! Diga a dona sebastiana que logo mais eu passo em sua residência e acerto tudo. É lógico que isso não passa de um problema documental da senhora sebastiana. Mas eu acertarei tudo. Acertarei tudo. Está me compreendendo?
O garoto que tinha dado o recado de há muito que tinha saído, mas o senhor samuel detestava ser interrompido. Tanto fazia se tinha ouvintes ou não, ele nunca deixava um raciocínio sem conclusão. Sem se achar completamente convencido. – essa dona sebastiana é uma criatura má e sem escrúpulos. Eu lhe disse – há muito pouco tempo – que eu não moro nessa coisa que ela chama de apartamento. Na realidade eu moro no passado. E ao que me conste, o passado não tem taxa de condomínio. Eu posso até dormir nesse ano da graça. Mas eu sempre acordo em meados dos anos quarenta. Eu sou um romântico. Eu sou uma partícula de uma jazz band que toca ininterruptamente uma música sem fim ou começo. Eu sou sam. O sam que o bogart diz: “toque de novo sam”.
3 comentários:
Lupeu: eu também moro no passado e não desejo pagar condomínio. Aí vem você com teus personagens e me obriga a pagar condomínio, a junto com você ser um condonatário, pois teus textos nos arrastam como um condottiere, após os quais, arrebatados, nos enchemos de espírito condoreiro.
JOSÉ DO VALE,
assim, em maiúsculas. gosto de você meu camarada. talvez pela tua generosidade com meu texto, talvez por sacar que nós somos vizinhos no mesmo condomínio, talvez por saber que estamos ambos na mesma navilouca a caminho do nada.
um puta abraço.
Velhos camaradas, o elevador já não funciona, a escada se alonga demais, o fôlego é irresponsável mesmo, não destina desse cigarro mambembe, e ainda tem esse fantasma de Burroughs que teima em passar cantadas baratas no recepcionista nordestino, que admirado com tanta insolência existencial, passa o tempo lendo os textículos de Lupeu e Zé do Vale, pra vê se não perde a vontade de viver, em vez de ficar martelando na idéia o resumo apoteótico de mais um dia passado na vitrine desse condomínio.
abraços
dois textos delirantes, dois escritores que acho demais, um que eu devo uma crítica ao seu grande livro: Entre o alho eo sal; e outro que me deve uma resposta de como encontrar o seu livro.
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