Existe uma regra imutável em política interiorana. Tudo é maquiavelicamente permitido. Só existe um erro grave, terrível, um pecado imperdoável : perder . Todas as demais tramóias, armadilhas, safadezas serão pouco a pouco perdoadas , desde que se tenha em mãos aquele solvente perfeito, aquele apagador infalível de pecados : o poder. Assim é perfeitamente esperado e permitido : matar, esfolar adversários, roubar, corromper, estuprar, saquear, comprar votos e consciências, enfim violar os dez mandamentos, os sete pecados capitais , desde que se saia vitorioso no pleito eleitoral. Sartre dizia que o inferno são os outros, na política o inferno são os outros adversários vitoriosos. O poder traz consigo uma espécie de imunidade, uma anistia tácita para todos os crimes cometidos e a cometer. Nada mais reles e solitário que um candidato derrotado nas urnas.
Em Matozinho não podia ser muito diferente. Os períodos pré, pós e eleitoral eram marcados por golpes baixos, falcatruas,conspirações, puxadas de tapetes de todos os tamanhos e cores. Imaginem neste ano a ansiedade que deve estar acometendo os candidatos quando a Justiça Eleitoral proibiu quase que tudo : bandas em comícios, carros de som a toda altura, camisetas. Como pôr a locomotiva política para andar se o combustível da máquina é justamente uma mistura de dinheiro sujo, quinquilharias e promessas vãs ?
Na eleição passada, Matozinho pegou fogo. O prefeito Sanderval Bandeira, conhecido por “Bandalheira”, buscava a reeleição. Do outro lado Bebé Fonseca lhe saíra na oposição junto com Tõim Araguaia , o vice na chapa oposicionista. Tõim mamara nas tetas do PCB, tinha lá um discurso ainda de antes da queda do muro, mas ultimamente resolvera aderir à candidatura direitista de Bebé. Como Lula , descobriu que é impossível chegar ao paraíso sem molhar as barbas nos lagos do purgatório e inferno. Estava ali , pois, na vice de um candidato do PFL, ou do DEMO, já que o partido resolvera assumir suas verdadeiras raízes. O certo é que a coisa pegou fogo. Bebé coordenava uma rede grande de crediaristas e não lhe faltava dinheiro para campanha e Sanderval abriu os cofres públicos no financiamento da própria candidatura. Já há quinze dias do pleito, a derrama de dinheiro e promessas parecia inimaginável.
Consta que Bibiano, um morador de Cel Serapião Garrido, dirigiu-se ao Comitê de Sanderval Bandeira, solicitando um par de alianças : ia contrair matrimônio no fim de semana. Sanderval o recebeu com um abraço e , em meio a uma centena de promessas daquele mesmo dia, arrolou mais esta. Garantiu a Bibiano que no dia do casório ele passasse no Comitê para pegar as argolas matrimoniais. O noivo confiou na palavra do prefeito, talvez fosse o único da cidade que tivesse esta coragem. No dia, conforme combinado, procurou o Comitê e se desesperou. Nada tinha sido providenciado. O casamento estava marcado para as cinco horas e faltavam apenas trinta minutos. E o pior é que o informaram que Sanderval estava num comício na Rua do Caneco Amassado. Partiu para lá, encontrando uma multidão enorme que havia comparecido menos para ouvir a conversa mole do prefeito e mais para ver a banda de forró que animaria o evento. Com dificuldade, começou a romper a multidão , tentando se aproximar do palco, onde Sanderval já pronunciava seu discurso. Tomou chegada e havendo alguma visibilidade, começou a pular e a gritar , com os braços levantados. Os dois dedos da mão esquerda , o fura-bolo e o cata-piolho, formavam uma roda, lembrando a aliança prometida e o indicador da mão direita entrava e saia pela rodinha, lembrando o dedo que receberia a argola matrimonial. De longe, Sanderval vendo aquela marmota , começou a suar frio, não conseguia entender a simbologia e pensou com os seus santinhos :
--- Meu Deus ! Já prometi tanta coisa que não dá pra controlar. E pra aquele ali, que diabo foi que prometi ? Será que foi o cu ?
O certo é que, terminado o comício, os puxa-sacos o tranqüilizaram:
-- Eram alianças seu prefeito, é que o gesto do homem era feio demais, vôte !
Bibiano teve que adiar o casamento e buscar outros meios para adquirir o indispensável utensílio de amarramento de gente em tronco de altar. Rogou praga pra tudo quanto é lado e o bicho tinha língua tinhosa. Sanderval perdeu a eleição para Bebé, por larga margem de votos, embora o IMAPE - Instituto Matozense de Pesquisas Eleitorais houvesse previsto o contrário.
Alguns dias depois da peia eleitoral, Sanderval reuniu seus assessores de Campanha para avaliar o pleito. O que havia finalmente acontecido ? Gastara uma fábula, buscara de todas as maneiras possíveis distribuir com os eleitores favores de todos os tipos e maneira e o resultado havia sido aquele: Nas labaredas do inferno por pelo menos quatro anos! Vários membros do Comitê emitiram sua opinião. Alguns falaram em traição de vereadores, outros acharam que ,com as pesquisas do IMAPE, favoráveis a Sanderval , todos tinham se acomodado. Por último, o prefeito, com voz embargada, fez a síntese da derrota eleitoral:
--- Sinceramente, amigos, eu não sei o que aconteceu... Gastei o que a prefeitura não tinha... Dei tudo o que me pediram, tudo ! Só não dei mesmo o cu !
Parou um pouco, fitou tristemente todos e finalizou :
---- Mas também não consta que tenham pedido, não consta não !
J. FLÁVIO VIEIRA
http://simborapramatozinho.blogspot.com/
2 comentários:
É Zé Flavío, será que em matozinho não existe um blog, onde na época de leição a maioria dos frequentadores lêem os nossos artigos e têm medo de comentar. Digo isso por que escrevi um pequeno texto sobre a tragedia da Siqueira Campos, e um dos leitores assíduos deste blog Wilson Bernardo leu o mesmo e me propos outro texto sobre a nova árvore que plantaram no lugar da que caiu, seria interessante a defesa do erro postada no blog.
É chato saber que leram seu texto, ou artigo e não deixaram um comentário, qualquer que seja.
Parabenizo matorzinho, cidade esta que parece-me que não existe. ou esta muito próxima de nós.
Deixo o meu registro li e gostei!
MAIS ANARQUIA - MENOS COVARDIA !
Caro João,
Pois é assim, rapaz, a gente escreve às vezes um texto enorme e não recebe nenhum comentário, parece que estamos clamando no deserto. Dá uma agonia danada no juizo. Vou dá uma olhadinha no teu texto. Estive viajando e só hoje andei fuçando o blog.
Abraço,
Zé Flávio
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