TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Manifesto pelo fim das Olimpíadas


Eu tenho um pesadelo recorrente. Sonho que estou fazendo as provas do vestibular, atrapalho-me nos quesitos, não consigo concluir nada, o tempo se esgota, desespero-me, suo, sinto que vou chorar, mas felizmente me acordo. Graças a Deus é apenas um sonho, um pesadelo de quem nunca gostou de submeter-se aos testes, a qualquer tipo de avaliação de conhecimento.

Não aceito ser medido. Freud explica o meu terror: criança não gosta de comparar-se ao pai naquela medida de tamanho, aquela... Será por aí? Mas já estou bem crescido, psicanalisado dez anos, quatro sessões semanais de cinqüenta minutos... É que o meu caso é grave, sem cura. Não suporto competições, nada que me obrigue a mostrar que sou melhor que outro. Sou melhor em alguma coisa?

Nunca seria um herói olímpico, nem encheria o peito de medalhas de ouro como Phelps, tranqüilo, sem perder o apetite para os dois pacotes diários de macarrão, a omelete de cinco ovos e os três sanduíches do café. Nem teria fleuma bastante para comemorar as vitórias ao som de Xuxa. Sim, ela mesma, a rainha dos baixinhos. Pasmem! Selecionada para a trilha sonora da natação olímpica.

Brasileiros, me perdoem: sou um fracasso. Tombo no chão como Diego Hypólito, piso fora da linha igualzinho a Daiane, tremo feito a Jade e até perco a vara na prova do salto em altura como nossa Fabiana Murer. E se um repórter de televisão fizer aquela perguntinha de arrancar lágrimas, aquela desagradável, eu juro que choro. Peço desculpas ao Brasil pelo meu fracasso. Nem venham com esse papo consolo de que fiquei entre os oito melhores do mundo, de que o importante é competir, de que estamos chegando lá... Aonde? No pódio não é.

É tudo mentira dos repórteres, eles não acreditam em nada do que falam, querem ver o ouro no peito do atleta e quando não vêem, fazem o impossível para ver lágrimas nos olhos. Como você encara essa derrota? -perguntam com sadismo. Palavra horrível: derrota. Gente impiedosa esses repórteres. Mostram os atletas arrumando as malas de volta ao Brasil. E perguntam como o cara se sente, perguntam pela mãe, pela namorada, pela frustração... Uma tortura. Se eu tivesse perdido na natação, juro que afogava o sujeito na piscina.

Para os americanos, tudo o que não for primeiro lugar é derrota. Para os chineses, também. Você viu chinês comemorando prata e bronze, como os brasileiros comemoram? E os japoneses? Quando fracassam, se matam ou trancam-se no quarto para o resto da vida. Sou como os americanos: pra mim, segundo lugar não vale. Só aceito o ouro. Por isso não concorro a nada, imagino-me primeiro lugar, sempre. Imaginar é bem melhor que competir, cansa menos, nem preciso comer uma pizza grande, três fatias de french toast com açúcar e três panquecas com pedaços de chocolate, igual ao Phelps. É verdade que também nunca vou ganhar milhões de dólares, nem namorar as lourinhas mais lindas e burras do planeta. Nem vou escutar aquele grito da torcida: É campeão! É campeão! Mas, em compensação, nunca serei obrigado a escutar a "muziquinha" horrível da Xuxa: Ilari-lari- lari ê, o o o.

Sou do time do poeta Fernando Pessoa, aquele que escreveu que nunca foi campeão em nada. Eu também nunca fui. Só faço imaginar-me um vencedor. Prefiro ficar bem longe das avaliações subjetivas, como a dos ginastas. Adorei o romeno que levou vários tombos na prova de solo, arriscou coisas novas, mudando a monótona rotina de acrobacias. Ficou em último lugar. Ganhou o chinês, o mais certinho. Os ginastas que eu prefiro sempre perdem. Melhor nem torcer por eles, pois dou azar. Acho as notas injustas, berro, ninguém me ouve. Pelo menos na piscina o nadador bate a mão na parede e ninguém dúvida que ele chegou primeiro.

Phelps é um super-homem. Eu me acho ridículo e sem coragem para nada, como Fernando Pessoa, que inventou nomes falsos para assinar seus poemas. "Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo". Tenho vários motivos para julgar-me um fracasso. Um modo de fugir a essa constatação é não competir em nada. Por isso, conclamo os atletas olímpicos abaixo da medalha de ouro a se juntarem comigo. A partir de hoje, todas as nossas forças serão gastas apenas com a poesia. Nada de piscinas, nem de quadras, nem de treinos enfadonhos. Nunca concorreremos a nada. Nem em sonho. Nem em pesadelo.

Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca e Livro dos Homens.

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