TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

domingo, 17 de agosto de 2008

Olimpíadas em Matozinho



ANTENANDO COM ATENAS

Depois de assistir aos deprimentes acontecimentos pela TV, o prefeito Sinderval Bandeira -- mais conhecido como “Bandalheira”-- revoltou-se. Aquilo era lá papel que se fizesse!? Tinham juntado um magote de malandro e mandado pruma tal de Atenas, representar o país e o papelão não podia ter sido maior. O pior é que a récua de vagabundo ainda saíra cagando goma, posando pra foto , dizendo que ia quebrar uns tal de recordes e trazer uma ruma de medalha de ouro. Até aquele momento, nada ! Quando chegaram nas estranjas, começaram a falar fino, a miar , a arranjar justificativa para tudo : “Só num nadei mais, porque a água tava muito molhada”, “eu num sabia que ganhava a prova quem corresse mais ligeiro”, “eu não ganhei porque o juiz roubou” . Estavam apanhando mais que bigorna de ferreiro. Sinderval , irritado, resolveu reunir, imediatamente, o secretariado.

À tarde, suando mais que tampa de chaleira, explicou aos seus servidores municipais os motivos da sua chateação.

-- Esses contadores de vantagem, dessa tal de Atenas, mentem mais que cachorro de preá ! Por mim, mandava buscar os sem-vergonha de volta e dava uns conselhos com umas lapadas de chicote de mufumbo, prá eles ganharem sustança! O pior é que por todo canto , todo mundo fica pensando que o povo do Brasil e de Matozinho é como caldo de angu e frouxo como eles.

Explicitando suas preocupações ,Bandeira transferiu para seus assessores diretos as idéias de como resolver, a longo prazo, tão terrível pendência. De pronto, criou uma secretaria de esportes e nomeou Aldemir do Peba , o mais conhecido caçador de tatu de Matozinho , para o cargo. Solicitou , então, que todo o secretariado se reunisse com Aldemir e , na semana seguinte , trouxesse um plano de como incrementar , no município, os esportes olímpicos, fabricando atletas e ajudando ao Brasil, já na próxima Olimpíada , a diminuir o queixão . Mais medalha e menos queixo ! – finalizou Bandeira.

Passado o prazo estabelecido, reuniu-se , novamente, o secretariado e Aldemir foi incisivo. Resolvera que a forma mais prática de atingir os objetivos propostos por Sinderval seria criar a I Olimpíada de Matozinho e, para tanto, haviam formado o C.O.M. – Comitê Olímpico Matozense presidido por “Do Peba” , contendo vários membros do secretariado municipal. O Comitê , em prazo recorde, estabelecera a data de janeiro do ano subseqüente para a abertura dos jogos. Segundo Aldemir, houve necessidade de adaptação de algumas modalidades esportivas, sob pena de não haver maior entusiasmo por parte dos matozenses. Depois de ampla discussão, tinham sido escolhidos os seguintes esportes: primeiro, a PONTARIA: com os tiros de soca-soca em avoante, de baladeira em Lobó, de funda em teju e tiro de bodoque com e sem canário,em guinés. Segundo , a NATAÇÃO nas modalidades de nado de cachorrinho e nado de açude e a forma artística de cangapé em barreiro e arremesso de caco de telha n´água, além da tomada de pé no porão do Caiçara .Terceiro, JOGOS DE TERRA , com as formas de futebol de poeira, peteca, empinamento de papagaio, pião e carrapeta, pau de sebo, bila ao burias, xibiu, futebol com bola de meia, chicote queimado, esconde-esconde e bandeira. Quarto ,a modalidade de ATLETISMO com o salto de cerca de arame farpado e de vara e a Maratona de Matozinho a Bertioga que recebeu o nome de Tatá Frecheira. Este magarefe, anos atrás, fora flagrado em adultério explícito por um marido ciumento e , segundo consta, fez o mais rápido percurso entre as duas vilas, claro que com o incentivo do indigitado marido, sempre no seu encalço, com uma jardineira reluzente no punho.Como na Grécia antiga, morrera ao chegar, um pouco pelo esforço despreendido, mas, também , pela ajuda da jardineira lhe espetando o vazio. Na ESGRIMA haviam escolhido os seguintes formatos : Briga de Canivete, Quicé e Lambedeira de 12 polegadas.

A proposta do C.O.M. foi aceita sob aplausos,mesmo restando algumas dúvidas como se transformaria ,com o tempo, os atletas das diversas modalidades típicas de Matozinho em medalhistas, nos embates oficiais de Pequim .

Janeiro chegando, abriram-se as inscrições para os famosos jogos de Matozinho. A procura mostrou-se intensa. Choveram atletas de várias cidades circunvizinhas. No dia inesquecível da abertura a cidade engalanou-se. A rua principal estava totalmente embandeirada, postes de madeira balizavam toda a avenida e neles dependuravam-se, decorativamente, petecas,piões, corrupios, bodoques. Antes que desembocasse na praça da matriz, uma faixa cruzava toda a rua, com os dizeres que contrariavam o Barão de Coubertain : Se acheguem à I Olimpíada de Matozinho ! O Importante é Vencer ! e ,logo abaixo : Espere nóis em Pequim que cum nóis não tem Pantim”.

Num palanque plantado na praça da matriz, Sinderval Bandeira fez um discurso apoteótico, seguindo a fala do presidente do Comitê Olímpico de Matozinho :Aldemir do Peba. A banda cabaçal forneceu a trilha sonora imprescindível à grandeza do evento. Vários alunos do Grupo Escolar Deusamém Candéa desfilaram enrolados numas saias caquis feitas com o pano aproveitado de uma velha empanada do Circo Merindo . O locutor anunciava-os , num microfone rouco, como sendo uns gregos que inventaram as olimpíadas. Depois do ribombar de umas vinte dúzias de fogos, deu-se oficialmente por aberta a I Olimpíada.

Quinze dias depois, encerraram-se oficialmente os primeiros jogos matozenses da era moderna. Tudo transcorreu naquela normalidade esperada para Matozinho, com alguns poucos incidentes.O medalhista de ouro da modalidade esconde-esconde ,não pôde receber a medalha : tamanha foi a sua perícia que até hoje ainda não foi encontrado. Zequinha de Bilu, no salto sobre a cerca de arame farpado, errou o bote e caiu montado no arame. Dizem as más línguas que ,assim, sobraram bolas de gude para a prova de bila ao burias. Seu salto ficou conhecido, desde então, por “duplo twist capado” ou “De Bilu”. Ao receber a coroa de louros ,no pódio, pela medalha de prata em arremesso de caco de telha, em que conseguiu o recorde mundial de 29 toques na água do açude, Zezim Jurubeba ganhou ,junto dos louros, um mangangá que, não respeitando novo herói, lhe sapecou uma ferroada dessas de inchar a cara e dar febre de três dias. Melhorado, ele comentou ainda com o beiço virado:aquilo não era uma coroa de louros, era uma coroa de besouros. Teve uns vinte atletas presos por afrontarem as determinações dos juizes das provas.

Constatou-se, também, o primeiro caso grave de dopping nos jogos matozenses. Gereba , no dia da Maratona, acordou com umas hemorróidas inchadas e estrepando que até pareciam uma arupemba de cambuí. Maratonista favorito,preocupado,procurou Janjão da botica que lhe prescreveu uma talagada de Vick-Vaporub no fiofó. Passada a pomada,antes da prova para que o efeito fosse mais duradouro, Gereba sentiu uma frieza ,lá nele, como se o Zé de boga estivesse chupando drops. Com aquele motor de popa, saiu parecendo um foguete, ganhou a competição e estabeleceu o recorde mundial para a Maratona. Alguns competidores desconfiaram da velocidade de turbo, denunciaram, e nosso maratonista terminou desclassificado pelo C. O. M.

Mas o mais sério mesmo aconteceu na Esgrima: a lambedeira comeu no centro e cinco atletas acabaram com tripa gaiteira furada . No entanto, como bem disse Aldemir do Peba , no discurso de encerramento, esta modalidade é pra cabra macho mesmo, quem num for homem , pegue seus riquififes e querequequés e é só não se inscrever em Matozinho. Pega a roupinha de balé, come umas minguiribas , procura os outros baitolas no Comitê Olímpico Brasileiro e vai fazer papelão em Atenas.

Com Matozinho no páreo, em Pequim: num vai ter nenhum pantim!


J. Flávio Vieira

http://simborapramatozinho.blogspot.com/

3 comentários:

Tarso Araújo disse...

JOsé Flávio, você é um gênio. Não encontrei outras palavras para um texto tão delicioso e engraçado.

jflavio disse...

obrigado , velho Tarso. Lembrei-me deste texto que tÁ no Matozinho e foi escrito ainda nas Olimpíadsas de Atenas, agora que somos todos Bronzileiros com tanto bronza.

Armando Rafael disse...

E por falar em Olimpíadas, li a nota abaixo no blog de Lúcio Alcântara:

"O jornal O Globo, em sua primeira página, critica nosso desempenho em Pequim, chamando o Brasil de impotência olímpica.

Os jornais estão cheios de matérias sobre as olimpíadas, hoje encerradas. Não vi uma só que comparasse nosso resultado atual com os jogos anteriores.

Afinal, estamos melhorando ou piorando?

É bom saber, pois o Governo Federal, direta ou indiretamente, gastou R$ 692 milhões, através das confederações esportivas e do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), durante quatro anos, na preparação para os findados Jogos. O Deputado Federal Miro Teixeira (PDT-RJ), já fala em pedir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), para apurar o destino do dinheiro.

Pelos cálculos do jornal carioca, cada medalha ganha pelo Brasil, teria custado R$ 53 milhões à União.

Saiba mais em O Globo, edição de 24/08/08."