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quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Idealismo

"Poema sem Mel, sem amor, sem fel, sem mentira, sem vaidade, sem perdão, sem maldade, sem vergonha, sem pudor. Poema real, racional, ideal, factual...chega de amores fúteis!" Dihelson Mendonça



IDEALISMO

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade é uma mentira.
É. E é por isto que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
— Alavanca desviada do seu fulcro —

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

[Augusto dos Anjos]

5 comentários:

socorro moreira disse...

Quem não te conhece , que te compre...
"Você é amor da cabeça aos pés ".


Um beijo !

Dihelson Mendonça disse...

Somos todos poços cheios de contrastes...por isso somos humanos. É como a refeição: Um dia carne, um dia peixe, um dia o nada...isso dá o tempero da vida.

Bjus!

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Grande Dihelson: a escolha de um poema diz algo sobre alguém naquele momento. Do mesmo modo são os poetas. Dizem dos seus momentos, só alguns, abrem a lira para atingir panoramas mais amplos nos quais os momentos mesmo distintos se adequam ao panorama geral. Na maior parte das vezes somos mesmo esta colcha de retalhos de momentos. Veja outro poema do Augusto dos Anjos sobre o amor e deus:

Sabes que é Deus? Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
Reúne tudo em si, num só encanto?


Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?


Ah! Se queres saber a sua grandeza
Estende o teu olhar à Natureza,
Fita a cúp'la do Céu santa e infinita!


Deus é o Templo do Bem. Na altura imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a crença,
Ama, pois, crê em Deus e... sê bendita!

ou este outro sobre o amor e religião:

Conheci-o: era um padre, um desses santos
Sacerdotes da Fé de crença pura,
Da sua fala na eternal doçura
Falava o coração. Quantos, oh! Quantos

Ouviram dele frases de candura
Que d'infelizes enxugavam prantos!
E como alegres não ficaram tantos
Corações sem prazer e sem ventura!

No entanto dizem que este padre amara.
Morrera um dia desvairado, estulto,
Su'alma livre para o céu se alara.

E Deus lhe disse: "És duas vezes santo,
Pois se da Religião fizeste culto,
Foste do amor o mártir sacrossanto".

Dihelson Mendonça disse...

Conheço todos eles, José do Vale, pois sei declamar de Cor o "Eu e Outras poesias" deo meu querido Augusto. Quando o assunto é Deus, ou Amor, eu acho bastante interessante as colocações que ele faz...

"Escarrar de um abismo noutro abismo...
Há mais filosofia neste escarro/
do que em toda moral do cristianismo..."

Sim, a poesia reflete o momento que passamos. No caso dele, de maneira mais geral, era cético e tinha sinceros receios quanto ao amor. Esses seus dois exemplos são a grande raridade em sua obra que exalta o "vórtice que exala a humana podridão" e o "agregado infeliz de sangue e cal" que na verdade, somos todos nós.

Abraços,

Dihelson Mendonça

Dihelson Mendonça disse...

...contudo, vendo a obra de Augusto dos Anjos 20 anos depois de a conhecer, eu acho que ele era um OTIMISTA. Um ser que queria um mundo melhor, livre das hipocrisias, livre da maldade e da ignorância. Acreditava e queria um futuro melhor. Por isso que ele "se enganava" no muito estudo, tentando disfarçar a dor que sentia. Todo ser inteligente sofre. Augusto, além da doença, que ele sabia que o levaria à cova mais cedo, já era sua amiga, como ele descreve em "Versos a um Coveiro", tratando da morte com uma postura dúbia de Mêdo e Fascínio. Porém de plena certeza, já que seria inevitável.

Genial, esse poeta do engenho do Pau D´arco, que sem qualquer receio falou aos humanos da forma mais direta, com uma linguagem que se pode dizer PODRE, de certas verdades que muitos de nós não quer ouvir nem de longe...

Abraços,

Dihelson Mendonça