Quando atingimos um determinado estágio da vida, descobrimos que cruzamos várias idades. Não aquela idade cronológica, ano a ano, mas idades marcadas por lembranças mais ou menos agudas, mais ou menos marcantes. Diante disso, por mais que eu retroceda no tempo, minha memória flagra sempre a presença da música como uma constante em todos os meus dias. Meus pais não foram músicos, mas amavam a música e fui crescendo nesse panorama musical, mergulhada num mar de sons e melodias de toda natureza. Isso tudo produziu em mim um anseio latente que ainda hoje vejo (quase) sem solução.
Sempre sonhei tocar um instrumento. Minha avó Huguette tocava piano. Aprendera na Inglaterra onde passara um período de sua vida, quando da I Guerra Mundial (de 1914). De lá ou de cá, trouxe, então, para mim essa aspiração nunca realizada de fato. Não que eu não tenha tentado, porém, creio que o destino ou o acaso, (ou seja lá como chamem essas coisas que se atravessam em nossa vida), sempre conspiraram contra essa minha realização maior. Lembro-me do meu namoro com o piano. Da minha facilidade intuitiva de encontrar as notas em seu teclado. Certo, eu martirizava os ouvidos das pessoas tentando encontrar o tom certo, pois sentia a musicalidade fina em meu íntimo. O piano, porém, não era meu. Estava na casa de Dr. Jefferson de Albuquerque e Diana (sua filha) era a intérprete e ouvinte principal desses meus ensaios.
Meus pais perceberam que eu precisava da música. Eu queria tocar todo o dia, porque toda a gente tocava naquele piano, uns a estudar escalas para cima e para baixo (o que era muito chato de ouvir...) e outros a aperfeiçoarem as músicas já conhecidas, a dar-lhes mais cor, mais sentimento, mais perfeição. Eu queria ser igual, queria viver a música. Até estudei piano por pouco tempo com Diana, mas logo ela se casou interrompendo meu idílio e meus pendores musicais.
Muitas outras vezes, pensei em juntar ao teclado a minha avó nos graves, Diana no centro e eu nos agudos, mas eu só tinha uns 8 anos, e não conseguia ainda tocar por música. Era um sonho que hoje vejo ser grande demais para a idade que eu tinha. Pensar nisso agora me faz lembrar de detalhes. Seriam 30 dedos a tocar...era muito dedo junto! Dedos rodopiando sobre o teclado e até, em algumas passagens, me pus a imaginar a troca de mãos e braços, provocando ansiedade e muita confusão... Em minha mente, aquilo era mesmo assim e hoje eu até acho graça e me penalizo por não ter insistido nesse ideal, pois onde havia música eu sempre me achava por perto, prestando muita atenção àquilo que tocavam, queria absorver a essência e impregnar-me das melodias, mesmo sem entender nadinha de música...
Diana me havia dado algumas explicações sobre as pautas e que notas queriam dizer aquelas "bolinhas" que estavam em cima da "pauta". Cada nota era mais uma palavra para aprender... Aqui é o DÓ, aqui é o RÉ, aqui é o dó Sustenido (outra palavra a aprender e que era meio tom, entre o DÓ e o RÉ) e eu já sabia que depois de contar 8 teclas, lá voltava a ser dó novamente, mas aquilo que ela me dizia, era ser uma OITAVA acima e quando contava para o lado dos graves, era uma oitava para baixo... Assim, se tocasse o RÉ e se desejasse baixar meio tom, aquela tecla preta, que era o Sustenido do DÓ, agora se chamava o BEMOL de RÉ. A certa altura, mesmo sem olhar para as "bolinhas" eu já conseguia tocar alguma coisa, qualquer coisa nas teclas do piano... E, brincando, brincando, comecei a treinar e percebi que com as mesmas notas podia até tocar outras músicas... e que teria de respeitar as pausas. E, olha, que eu nem chegava aos pedais do piano, era Diana que os pisava e largava.
Às tantas, eu já nem olhava a pauta, porque já tinha a música de cor e até salteada... O som era, por certo, para mim um ungüento para a alma e os tons menores completamente diferentes e muito mais agradáveis para o meu ouvido. Fui crescendo e nunca quis estragar essa afinação... Quedei-me quieta, ao pé de um piano que nunca tive...
Uns anos mais tarde, já com uns 14 ou 15 anos, aventurei-me a estudar violão. O grande Nélio foi meu professor. As aulas aconteciam no auditório da Rádio Educadora numa das saletas frontais do prédio. Estudavam comigo, Gracinha Pinheiro, irmã de Glória, e João Roberto de Pinho. A teoria me foi passada por Divani Cabral. Foi meu primeiro contato com os valores verdadeiros das mínimas e semínimas, das colcheias e semicolcheias, das fusas e semifusas (eu não ficava confusa). E não posso me esquecer dos solfejos: dó-ré-mi-ré-do-ré-mi-fá-mi-fá-sol-fá-mi... Depois, foi tempo de vestibular, faculdade, casamento, filhas, vida, dor, solidão. A música, porém, foi sempre presença e bálsamo, como uma "doença" que nunca mais me passou... A música e todas aquelas notas naturais, seus meios tons, a música e seus respectivos acordes, lembranças que me trazem hoje as lágrimas aos olhos de tão lindos que são...
Texto por Claude Bloc
10 comentários:
Que texto maravilhoso.
E mais uma vez a música marcando a vida das pessoas...
Abraços colega!
Auíri
Prazer em conhecê-lo
Grata
Claude
Que texto lindo,
que sensível declaração de amor à música, portanto às emoções mais profundas. Dihelson, parabéns por ter suscitado em Claude tal beleza.
Abraços em ambos.
Claude,
Mas a música simplesmente nunca se afastou de vc. Existe alguma coisa mais musical que sua poesia? Vc escreve seus versos em caderno de pauta musical. Vc continua tocando um instrumento musical sempre que escreve : as dlicadas cordas do seu coração.
Minha prezada amiga Claude BLOG,
Isso não é um solfejo, é a Sinfonia de uma vida!
Eu me identifiquei com muitas coisas mencionadas. A principal, a figura terna de Diana Pierre, que foi coincidentemente, minha primeira professora de piano. Poderia lhe contar dezenas de histórias interessantes que aconteceram nas aulas de Diana, mas prefiro contar pessoalmente pra nao estragar a surprêsa.
E é isso aí, entre bemóis e sustenidos, entre teclas pretas e brancas, vamos compondo a cada dia a música da nossa existência, numa partitura virtual aonde pingamos as "bolinhas" na Clave de Sol e de Fá. E quando essa música é tocada em grupo, em sintonia, acontece o que temos visto recentemente nos Blogs do cariri: Muita união e sintonia.
Fiquei muito feliz e veio-me muitas recordações ao ler o seu texto. Coisas de quando eu estudava 10 horas por dia de piano.
Bjus!
Dihelson Mendonça
Claude ,
Concordo com Zé Flávio e Dihelson : Sua musicalidade está intrínseca , nos seus textos. Imagina , se eles escutarem tuas falas, risadas...
Aposto que o teu olhar é cantante. Vive em dueto com a tua alma.
A música quando não é dom , nem herança... é amor/dedicação.
Sou filha de um cara que cantava e ouvia música 24h por dia ; minha mãe tocava bamdolim , e a minha avó paterna foi atriz de teatro de revista, nos anos 20 ( preciso até pesquisar o teatro daqueles tempos ). Fazia os papéis principais , pela sua voz privilegiada.
Por preguiça, indisciplina , falta de destreza , nunca consegui tocar nenhum instrumento. Arranhar bens tão preciosos , nunca me animou !
Gosto de todos : violão , piano , sax, acordeon, flauta , cavaquinho, etc,etc. Uns mais do que de outros. Porem , quando bem tocados , qualquer instrumento nos cala.
Quando aos 23 anos divorciei-me , fiz o que mais gostava : caí na madrugada . Convivi com os músicos de todos os lugares por onde passei , como se fosse um deles. Não tocava , mas sabia ouvir...entendia a linguagem.
E como diz meu amigo e ex colega de Banco , Cristiano Câmera : " A música é a linguagem universal da emoção ".
O Crato é bem servido de virtuosos , na primeira arte.
E não são apenas virtuosos... São também grandes compositores.
Tenho muito orgulho do Dihelson, e de todos os meus amigos que fazem música.
A senha das nossas afinidades não é a poesia ... É a música !
Abraços ,de uma boêmia assumidíssima !
P.S.
Em 1975 , conheci o trabalho de TITO MADI , repertório seletíssimo , nos vinis do pai de Calude. Gravei-os em fitas cassete , e não sosseguei até decorar letras e melodias. Até pensei : eita , naquela casa o povo sabe o que é música de qualidade !
J. Flavio,
Algumas coisas boas têm me acontecido desde que comecei a frequentar os Blogs de Crato. Uma delas é poder ler algo tão bonito quanto o que você falou sobre minha poesia. Na verdade procuro impor, sim, um ritmo para que meus versos sejam sentidos além de lidos. É mais facil ler a musicalidade de um verso que palavras vazias e sem som.
Obrigada, menino
Mesmo!
Um abraço
Claude
Pois é Socorro. Você já sabe que gosto de dar risadas, de sorrir para espantar os gritos... Aliás sigo a máxima do meu pai, que dizia em tom marulhado muitas vezes: "Rio pra não chorar". Isso na verdade não chega a ser um lamento, mas um estado de espírito. Ser feliz com nada, ser feliz com tudo. Com as mínimas coisas... enfim você sabe agora que sigo essa linha. Em nossas longas conversas telefônicas, te mostrei que as risadas mostram a euforia, a alegria extrema pelo que estou passando agora. Essa oportunidade indiscutível de juntar minha alma à dos demais que fazem aqui a partilha de seus sentimentos em textos cada vez mais inspirados. Pena que nem todos tenham conseguido entender como lidar com esse impacto, com a alegria do reencontro... e tenham sumido no silêncio da noite...
Também eu gostaria de ouvir a risada dos outros, o som da voz, as brincadeiras, o papo amigável, a companhia que os textos buscam oferecer em sua passagem pela página.
Ponho-me à disposição de quem quiser trocar palavras, é bom de vez em quando, sentir mais de perto o gosto morno de uma amizade verdadeira.
Abraço,
Claude
P.S. Vontade de jogar meu chip oi no lixo...
Falou , Claude. Entendi sua alegria e desejos de partilha , desd o peimeiro dia. Depois que você chegou a casa ficou mais feliz...
Escuto risos , cochichos , música francesa , e cantarolo Tito Madi , no banheiro.
Quando você chegar , nos confraternizaremos :
Eu , você , Zé do vale , Dihelson , Leonel , Carlos Rafael , Abidoral, Roberto Jamacaru , Sávio , Glauco ,Armando Rafael, Domingos e Lupeu ( tomara que cheguem!), Amanda teixeira , João do Crato , Nicodemos , Wilson Bernardo ( quem sabe ?),Maria , Lorena , E#lvis e laura (talvez ...), José Nilton (tomara !) e outros que ainda não confirmaram...
Conto com a nossa alegria.
José Flavio e Salatiel já se explicaram... Na próxima , participarão em dose dupla, no mínimo !
Abraços , minha irmã !
* Pachelly e Socorro estão intimados . Não os esqueci !
Aliás , Todos estão convidados...Estou esperando a programação , pra fazer andar os acontecimentos.
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