TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Um novo símbolo soviético: o canivete e o martelo

O mundo é um todo sem guarda e que só funciona como um organismo quando interessa aos homens. De outro modo, quando afeta seus interesses, é um pai padrasto, um furibundo deus do olimpo. E víamos nós por auto-estradas de várias pistas em cada sentido, atravessando centenas de quilômetros de canaviais e laranjais. Cidades nucleadas no meio de plantações como miniaturas de megalópoles: um paliteiro de edifícios. Carros e carros, caminhões transportando o consumo, fábrica produzindo, e quase nenhuma pessoa no horizonte ondulado da paisagem. Estamos indo por aí: Araraquara, Ibaté. São Carlos, ao largo da serra de Itirapina, Rio Claro, Cordeirópolis, Sumaré, Hortolândia e finalmente o aeroporto de Viracopos.

Um vôo da Gol Companhias Aérea, como muitos imaginam um rabicho dos ônibus urbanos de Nenê Constantino. E um nome de imperador guarda muitas adagas voadoras aos seus consumidores. Como aquelas sucatas montadas em carrocerias de caminhões rua acima e rua abaixo, carregando gente como tapurus numa ferida animal. E outro fato que se espelha igualmente no nonsense das regras aeroportuárias. Regras de detalhes, chafurdando no meio da missa, sem que o crente comungue com o corpo do cristo. A verdade é que para os dois amigos a Gol e a Infraero são peças da mesma tragicomédia.

Juro. Meu amigo tinha 15 anos quando foi ao checking da Gol, mas ao embarcar já estava de cabelos grisalhos, se tivesse que se referir aos tempos de brincadeira, teria brincado com a bisavó de alguém. Um vôo marcado para as 19:20 horas, o passageiro tem que chegar às 18:20 horas, mas só embarque às 10:40 horas, ao invés de chegar ao destino às 20:20 horas, chega às 23:30 horas. Comida? Trata-se da concorrência entre voadoras por sobre os estômagos dos seus passageiros (algo como a frase de Napoleão sobre os estômagos dos exércitos). Uma coca-cola choca, quando a aeronave já chacoalhava para descer, com um biscoito quebra-dentes. Bem que disse o meu amigo: só poderia ser um empresário da terra de Tiradentes.

E tem a enorme coerência da Infraero, ou outra coisa qualquer que põe uma dúzia de homens e mulheres, como pose de polícia federal, tudo em volta de uma máquina de Raios-X. Vem o meu amigo com um casaco, um pacote envolto em plástico não transparente e uma maleta de mão. Passa o casaco tudo Ok! O pacote também! Mas a maleta é feita prisioneira. Suspeita de terrorismo em última escala, algo fenomenal a acontecer sobre os céus de Campinas. O meu amigo é obrigado a abrir a mala, vasculhá-la de ponta cabeça e quem lá se encontra? O objeto do terror: um canivete que ele carrega para resolver problemas de um órtese que usa. Argumenta: eu venho com esta mala do Rio. Passou no Rio. O homem da Infraero, em sua pose de superioridade paulistana diz: foi erro lá no Rio. E lá vai o meu amigo de volta ao checking, na sigla de objeto retido, envelopar, preencher um formulário e um lacrar o objeto na retenção da aeronave até que no Rio numa complexa operação de segurança, lhe seja restituído o referido retido.

Volta e me encontro com a mala dele, o pacote e o casaco. Ele senta-se com seu ar bonachão e confessa o crime: retiveram meu canivete e deixaram, neste pacote, um robusto martelo de amolecer bife. Conjecturas? No pacote seguia uma lingüiça, fora o símbolo fálico que desviara a atenção da equipe em detrimento de um martelo? Havia nele três fartos pés de Almeirão Paulista junto com frigideiras e panelas no pacote existente. Teria aquilo confundido autoridades com o doce lar de suas fantasias e entre folhas e panelas recordaram-se da domingueira nona italiana, deixando escorregar pelos seus olhos aquela arma da amassar juízos? E a frigideira? Não poderia meu amigo, homem perigosíssimo, sair de avião afora fritando o quengo dos demais, até alcançar a cabine de comando e então ter seqüestrado o avião, até que lhe devolvessem o canivete?

Diante do nonense total só bastaria o avião ter escalas: primeiro na minha cama e depois na dele, já que a viagem fora vaudeville completo. E dia fora repuxado por tantos atrasos.

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