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quinta-feira, 9 de julho de 2009

A Arte e seus Mecanismos Dinâmicos - Por: Dihelson Mendonça

Acima: Wilson Bernardo, artista contestador de conceitos


A despeito das considerações sobre o inovador papel da arte e suas inúmeras manifestações, abordadas em alguns tópicos recentes do CaririCult por Wilson Bernardo, Maurício Tavares, com algumas ponderações de José do vale, resolvi escrever esse pequeno texto mais em defêsa do poder da inovação, em oposição a estaticidade de uma fotografia morta na parede de um sótão sujo, do que uma defêsa dos méritos deste ou daquele contendor.

Em face de algumas fotos apresentadas pelo fotógrafo Wilson Bernardo ( ou o objeto em si, ou a fotografia ), tomados como obras de arte, houve questionamento importante e pertinente em uma comparação do Maurício Tavares ( ainda que sem o desejar ), ao urinol de Duchamp, ou outros objetos da Pop Art. Em tese, e pela história vivida aqui no Cariricult, não sou de concordar com os conceitos do Maurício e temos lá as nossas discordâncias, mas reconheço que ele está bastante correto na sua última colocação acerca do "bigode da Mona Lisa", e devemos reconhecer que o processo da ARTE ( em maiúsculo ), é um processo dinâmico, de rupturas de conceitos ou a aglutinação dos mesmos. E quem for acrescentar um urinol ao museu hoje, bem como fazer uma foto da latinha de sopa Campbell´s passará ridículo, pois isso já foi feito.

Porém, reconhecer o dinamicismo em arte é uma coisa, e questionar ou criticar a arte de alguém, é outra coisa. A visão do artista, enquanto o agente que produz arte, pode ser muito diferente daquele que apenas aprecia, do crítico, e não se pode desmerecer alguém por exemplo, por mesmo hoje, compor uma Fuga a 4 vozes aos moldes de Bach, pois há outros fatores a se considerar além do deslocamento temporal. E não digo isso como espécie de defêsa do tradicionalismo, é bom que fique claro. Mesmo em música, essas características são também marcantes. Falou-se em Rolling Stones agora há pouco...

Shostakovich, que é um dos grandes representantes da escola russa modernista do século XX, compôs um conjunto de fugas magníficas, inspiradas no Cravo Bem-Temperado, mas o uso das dissonâncias e intervalos exóticos conferiu-lhe, mesmo dentro das normas rígidas de uma fuga, e que, consequentemente, poderia ser considerado ultrapassado para a maioria dos seus contemporâneos, acrescentou valores que outros não perceberam. Da mesma forma, quando Chaeffer abriu as portas do multi-serialismo, na segunda metade do século XX, se consolidou, assim, como as vertentes originárias de Schoenberg ( e talvez Webern ), nos dois pilares fundamentais da música contemporânea, tendo como linha sucessória, Messiaen, que lançou as bases do que viria a ser o uso da síntese sonora empregada à composição musical, e com isso, influenciando Xenákis no tratamento formal. Esse processo contínuo de evolução da arte musical, deu-se portanto, mais como resultado da deposição de camadas superiores de valores agregados, do que por uma ruptura com os modelos anteriores.

Nem Boulez, com toda a sua pompa e circunstance, que causou aquele alvoroço todo na primeira metade do século XX, influenciando o mundo inteiro, por um lado tomando a tocha que pertencia a Stravinsky, e por outro, como um vândalo, destruindo conceitualismos até de representantes da sua própria escola, ( que se rebelaria mais tarde ), pode ser hoje mais objeto de tanto espanto, ainda que alguns o creditem valores artísticos que eu ( IMHO ), não reconheço na sua obra.

Por outro lado, enquanto a europa vivia a ebulição do pós-modernismo, nunca se livrou totalmente das correntes impressionistas e conservadoras de uma Belle Epoque em chamas, de um Mallarmé, de um Claude Debussy, que são amiúde, os verdadeiros "modernistas", em qualquer caso. Aqueles que antes de Boulez, de Stravinsky, ou de Webern, já profetizaram a sonoridade do que viria a seguir, como o serialismo integral, o atonalismo, e o dodecafonismo.

Enquanto isso, o mundo evoluía por outros lados ( Ou Involuía, termo que eu proponho ), com Beatles, Sopas Campbell´s, Rolling Stones, Cage, andy-warhol e sua cultura de massa, que à luz da modernidade, já soam como dinossauros no Louvre. Movimentos paralelos ?

O mundo não parou, e se em termos tecnológicos podemos usar a palavra convergência para definir os novos rumos, nas artes, penso que a tendência é exatamente o contrário: o fenômeno da divergência, da globalização e da pluralidade que todo esse caldeirão e o compartilhamento das aldeias globais nos proporcionou.

E aqui abro um parêntesis para alertar sobre o perigo que incorrem alguns quando do uso desses novos "artifícios tecnológicos" na arte, sobretudo em relação à perda de identidade, um fator tão intrínseco para definir o caráter artístico de uma obra. É o caso, por exemplo, que eu pude comprovar no topo da Chapada do Araripe, ao ver um grupo de garotos catadores de pequi tocando com uma bandinha de latas, músicas de Michael Jackson. Incoerência ?

E o que seria incoerência na arte contemporânea, afinal, diante do acima exposto da sobreposição das inúmeras escolas, similitudes e apropriações de conceitos ?

Voltemos ao caso da foto do ovo prestes a ser esmagado por uma prensa, de Wilson Bernardo.

Talvez ele não seja nenhum Duchamp, nenhum Warhol, mas com certeza, assim como Wilson, John Cage ao criar a sua famosa "4 minutos e 33 segundos", ou quando Stravinsky lançou a Sagração da primavera para um público que precisou de lanternas para sair do teatro, causou igual repulsa na Arte, que tem sempre a propriedade da contestação de valores anteriores. Uma repulsa que com o passar dos anos se tornou o estrondoso "pilar da modernidade".

Portanto, vida longa à pluralidade contextual, seja pela contestação ou pela agregação de valores. Já percebeu-se que nem de um nem de outro sobrevive a Arte Real. Aplausos aos "experimentalismos" daqueles que produzem. E o futuro, como afinal, tudo em arte, há de julgar os meritos e os deméritos daqueles que imbuídos do inevitável "talento", produzam obras para a eternidade.

De onde eu vejo, todos os contendores têm razão.
E a Arte, sempre será dinâmica, e mais arte se torna pela contestação, pelos questionamentos e pela quebra de paradigmas. Quem sabe, não estaremos diante de um "New Duchamp" ? O tempo dirá...

Acima: "ovo sendo esmagado" - Wilson Bernardo

Dihelson Mendonça

10 comentários:

Anônimo disse...

À M.V.Leonel

Eis o anônimo outra vez.
Já ouvi falar em M.Duchamp sim, muito. Se eu pergunto se as esculturas de W.Bernardo são arte é porque eu não possuo nenhum embasamento cultural que venha a dizer-me se é ou não. Eu não sei o que é arte. Contudo você citou M.Duchamp e, já que assim o fez, pode ao menos ir além de seu comentário e articular a produção de W.Bernanrdo com os "pressupostos"(pode-se falar em pressupostos da arte com Duchamp?)do francês?

Cordiais abraços de anônimo covarde(sem ironia, falo sério, por favor)que, por não compreender bulhufas de arte, prefere a impessoalidade do anoninato. Caso ataquem-me ao julgar as intervenções anônimas como provocações ou que esteja a tentar tomar lado em favor de um ou outro, fico por aqui e não voltarei mais a postar.

Anônimo disse...

Por fim: não conheço nenhum dos dois envolvidos nessa "discussão". Sou mero observador do blog.

Dihelson Mendonça disse...

Como o comentário acima é para o Marcos Leonel, e não para o autor deste tópico, Eu, vou me poupar ao trabalho de responder, e prometo encaminhar o mesmo para o nosso amigo Marcos leonel.

Mas diga-se de passagem, é a primeira intervenção anônima com educação e simplicidade que vejo postada aqui. Bem que não precisaria ser anônimo e participar efetivamente dos Blogs aqui do Cariri. Tem a minha simpatia.

Abraços,

Dihelson Mendonça

wilson bernardo disse...

ARTE É TUDO QUE É INVENTIVO...até mesmo a arte de ser anônimo!
portanto camarada desanonime-se e a pareça.abraços.

Norma Paula disse...

Uma das definições de arte é "Produção consciente de obras, formas ou objetos voltada para a concretização de um ideal de beleza e harmonia ou para a expressão da subjetividade humana" assim sendo o que o Poeta-escultor-fotógrafo e polêmico (tem mais alguma coisa?)Wilson Bernardo faz é arte sim! a crítica é salutar e necessária. A estética é uma questão de olhar ao meu olhar a obra de WB traduz muito mais do que o olho registra. Há um texto oculto. Enquadramento o desenquadramento pode dá o equilíbrio da mensagem. Podemos ver cachorro ou máquina de costura quem escolhe é quem ver. podemos ver arte ou não...eu escolho sim!
Beijos Poeta!
Continue produzindo!

wilson bernardo disse...

O cariricult deu um grande salto etimológico ao mundo da arte, e a pluralidade descusiva do discurso que não é de surpreender,pois o nível dos debatedores é sim a grande maestria pensante que nos faz sim ser um cariri diferenciado e contrariando o Mauricio que teima em nos chamar-mos de provincianos,pobre homens de espíritos que negam
Sua origem umbilical.somos ibéricos da mais nobre estirpe de ocupação extrativista a que nos deixaram como herança tribal cariri, a evolução das idéias contestadoras e a livre criação das imagens afro-poéticas de uma arte milenar,de antigos tribalistas que refaziam caminhos e costumes tatuados no corpo,o que pos morte eram descarnados virando assim mapas E ELEMENTOS DE CULTOS,quando ainda a idéia de arte era bem remota.
Grande dielson mendonça,está em minúsculo de propósito pois sua grandeza é bem maior,principalmente depois do que você escreveu,aliais você é mesmo somente um fino musico ou esconde algo mais,belo artigo e dignos dos grandes críticos e teóricos da arte moderna,perfeito,e você sabe que tenho orijas a elogios prefiro o escárnio que é bem mais sincero,mas não poderia deixar passar tão sublime teorização de conceitos,me veio a mente a velha China quando em películas de viseras criou a serigrafia que é bem antes da xilogravura e foi inconteste de pandemônios no reino dos monges.
Obrigado velho monge da teclas BHACHIASTERIWOODIANAS!

Dihelson Mendonça disse...

Meu caro Wilson,

Quando viajamos a outras plagas ( quando falo nós me refiro aos artistas do cariri ), somos sempre valorizados. Acabei de participar de uma reunião com o Ministro CARLOS LUPPI, no gabinete, e uma coisa não me sai da memória: A referência que as pessoas sempre trazem de longe sobre a Arte e a Cultura dos povos do Cariri.

Em nenhuma parte, em nenhuma oportunidade por esse Brasil que eu já viajei e viajo, deixei de ser associado aos meus colegas artistas que produzem coisas diversas, e ao espanto que muitos têm por essa região, quando dizem:

"O que é esse Cariri, que parece que só tem Artista ? brotam artistas do chão ?"

Na verdade, a quantidade de xilogravuristas, de poetas, de cronistas, de músicos, compositores de todas as linhas, e outras artes, é inimaginável para uma região tão pequena. Há 30 minutos estava com o Chefe de gabinete da prefeitura, Dr. Cícero me mostrando as suas composições no Notebook. Já me passou dúzias de poemas para publicarmos. Quero dizer que eu me espanto com essa quantidade e qualidade de alguns.

Ontem no Olhar Casa das Artes, por exemplo, tinha só artistas se esbarrando, e cada vez chegando mais, com as pessoas de Portugal, do Caribe, e de outrs partes, que sabendo desse lugar, ainda vem para cá, engrossar o caldo.

Expus tudo isso a fim de dizer que parece que as únicas pessoas que não se dão conta do imenso tesouro e que portanto, não valorizam o trabalho que aqui se produz, são os homens públicos.

Poderia haver bem mais incentivo, bem mais patrocínio, poderia haver bem mais RECONHECIMENTO, eta palavrinha difícil de se obter aqui.

Aqui, o cara pode nascer um Beethoven, um Fernando Pessoa, ou um Einstein, mas os locais dizem tipo: "Ah, é do Crato...vamos trazer artists de fora" Enquanto somos muito valorizados lá fora.

Meus trabalhos de música atualmente, sem mentir, são mais ouvidos e comentados por pessoas de outros países nos fóruns. Tenho vários convites inclusive.

Há quase 60.000 ocorrências do nome Dihelson Mendonça no Google, referentes a minhas participações na rede, principalmente associados a meus trabalhos musicais.

Mas no Crato, quase ninguém me conhece como músico ( fora do meio artístico ), ninguém convida para um Concerto. Eu viajo com frequência para muito longe para tocar e ser reconhecido.

No Crato, eu sou apenas um fotógrafo regular, e um rapazinho que administra o "Blog do Crato". Músico ? Ah, isso eles não sabem.

Ninguém conhece, ninguém nunca ouviu. Alguns ainda dizem: "Eu ouvi dizer que você toca ?"

Hoje em dia eu falo:

"É mentira. Eu sou apenas blogueiro". Porque nem adianta discutir com essa gente, que está mais para a segunda pergunta ser: "E já que você toca, sabe tocar uma de "aviões" ou da "Calypso" ?

Estão muito longe de compreender cage, Stockhausen, Stravinsky, Hermeto Pascoal, Bill Evans, e outros mais, de modo que o Crato é uma terra de muitos artistas, contrastes, sem reconhecimento, sem espaços, sem mídia, sem valorização.

Continua...

Dihelson Mendonça disse...

Continuando...

Continue na sua luta, Poeta, Fotógrafo, Contestador...
Temos uma profunda admiração não só por aquilo que se vê na internet, mas principalmente pela arte que você fez e faz, e que pouco aparece aqui. Mas vai aparecer. Julgar a sua arte por umas meras fotos, é desconhecer todo um contexto que poucos conhecem a fundo, como alguém colocou linhas acima, está mais oculto nos significados.

És extremista, palhaço, gênio, doido, autor de frases que deixam filósofos atônitos, bem sei. E há sobre isso tudo, um grande coração. Humano, como poucos, amigo como poucos. Solidário como poucos.

Bem sei o quanto é difícil para ti escrever na lingua normal dos humanos, como fizeste aí no comentário. É até engraçado te ver falando assim, mas isso é uma arte também, moldar-se à normalidade dos outros para conseguir ser entendido.

Eu estou lançando um CD agora. São 34 faixas, e o encarte é um livro fotográfico de 100 páginas. Belíssimo livro. Para o povo, eu digo: Esqueçam o CD e olhem as figuras.

( porque as músicas, talvez 10 pessoas entendam, outras 20 dizem que entenderam, e das 10 que entenderam, talvez 4 gostem. )

Abraços,

Dihelson Mendonça

Dihelson Mendonça disse...

Posso parecer exagerado, mas...

Nesse trabalho do "ovo sendo esmagado", o artista Wilson Bernardo conseguiu se superar aém dos demais, e ao meu ver, sintetizou em uma só composição, quase tudo que Freud escreveu sobre psicanálise.

Nem adianta explicar muito, porque quem estudou psicanálise sabe do que estamos falando, do eterno complexo de Édipo, do medo da perda do pênis, que são o básico da compreensão da etiologia de todas as desordens psíquicas, e última instância das relações de causa e efeito entre as pessoas.

Ao definir o esforço sexual humano em direção à realização humana, Freud fez uso de inúmeros livros que, obviamnete, depois de lidos e entendidos, podem ser sintetizados.

Essa imagem aí nos traz essa síntese, de pelo menos, obras tais como:

O Mal-Estar na Civilização
Totem e tabu
Da Interpretação dos Sonhos
Psicologia da vida cotidiana

Ele consegue nos causar horror, sofrimento, com sua eterna linguagem ferina das imagens, tal como o faz nas palavras, sem precisar dizer coisa alguma. Se uma imagem vale por mil palavras, essa imagem aí são milhares delas, só que muito bem arquitetadas de modo a transmitir um conjunto de idéias. A expressão para um homem que a vê, é de choque e repulsa.

E aí poderíamos dizer:
O que Freud complica, Wilson Bernardo explica com uma imagem. A velha insegurança humana. A eterna busca do princípio do prazer. O eterno complexo de castração, origem de tudo e de todos.

Valeu, Sr. Colombo Freudiano!

Abraços,

Dihelson Mendonça

Marcos Vinícius Leonel disse...

Meu querido anônimo, desculpe a demora em responder, não tenho o menor interesse em embasar teoricamente a arte de wilson bernardo.

Sobre as várias concepções da arte, nesses últimos dias existem aqui no blog várias postagens, das quais você poderá apreciar. Nem todas eu recomendo. Tenha cuidado com os embustes.

Ainda sobre bernardo, creio que dihelson já disse tudo e mais um pouco.

Sobre o seu anonimato, isso não me incomoda em nada, mesmo porque você tem sido bem ético e não lhe vejo como inimigo. Aliás, nem você e nem ninguém que posta nesse blog, apenas eu tenho uma opinião formada.

Gosto de polemizar, mas me sinto sem vontade de escrever para o blog, isso tá muito enfadonho, nem tenho vocação para santo e nem para politicamente correto.

abraços