(Trechos da minha tese de doutorado defendida em 1998 na COPPE/UFRJ)
Bernardo Melgaço da Silva
A sabedoria não é simplesmente um mero acúmulo de conhecimentos e/ou sinônimo de poder/riqueza material, mas mais do que isso é a capacidade desses conhecimentos produzirem uma ordem no fluxo de experiências que vão desde a luz do sol até a luz dos “sóis sutis” (os chakras). E além disso, deve prover um sentido evolutivo no ato de olhar em busca de uma interpretação da unidade da realidade de quem somos nós, enquanto consciência, enquanto vida e enquanto energia. Em outras palavras, não é o valor de saber ter prazer de acumular para si, mas o valor de saber ser feliz em si.
Voltar-nos-emos, portanto, “para uma questão menos ambiciosa, a que se refere àquilo que os próprios homens, por seu comportamento mostram ser o propósito e a intenção de suas vidas. O que pedem eles da vida e o que desejam nela realizar? A resposta mal pode provocar dúvidas. Esforçam-se para obter felicidade; querem ser felizes e assim permanecer. Essa empresa apresenta dois aspectos: uma meta positiva e uma outra negativa. Por um lado, visa a uma ausência de sofrimento e de desprazer; por outro lado, à experiência de intensos sentimentos de prazer. Em seu sentido mais restrito, a palavra "felicidade" só se relaciona a esses últimos. Em conformidade a essa dicotomia de objetivos, a atividade do homem se desenvolve em duas direções, segundo busque realizar - de modo geral ou mesmo exclusivamente - um ou outro desses objetivos. Como vemos, o que decide o propósito da vida é simplesmente o programa do princípio do prazer. Esse princípio domina o funcionamento do aparelho psíquico desde o início. Não pode haver dúvida sobre sua eficácia, ainda que o seu programa se encontre em desacordo com o mundo inteiro, tanto com o macrocosmo quanto o microcosmo" (FREUD, Mal-Estar da Civilização, 1974, p.94).
Antes de “continuarmos a indagar sobre de que direção uma interferência poderia surgir, o reconhecimento do amor como um dos fundamentos da civilização pode servir de pretexto para uma digressão que nos capacitará preencher uma lacuna por nós deixada num exame anterior (pag.39). Mencionáramos então que a descoberta feita pelo homem de que o amor sexual (genital) lhe proporcionava as mais intensas experiências de satisfação, fornecendo-lhe, na realidade, o protótipo de toda felicidade, deve ter-lhe sugerido que continuasse a buscar a satisfação da felicidade em uma vida seguindo o caminho das relações sexuais e que tornasse o erotismo genital o ponto central dessa mesma vida. Prosseguimos dizendo que fazendo assim, ele se tornou dependente, de uma forma muito perigosa, de uma parte do mundo externo, isto é, de seu objeto amoroso escolhido, expondo-se a um sofrimento externo, caso fosse rejeitada por esse objeto ou o perdesse através da infidelidade ou da morte. Por essa razão, os sábios de todas as épocas nos advertiam enfaticamente contra tal modo de vida; apesar disso, ele não perdeu seu atrativo para grande número de pessoas. Apesar de tudo, uma pequena minoria de pessoas acha-se capacitada, por sua constituição, a encontrar a felicidade no caminho do amor. Fazem-se necessárias, porém, alterações mentais de grande alcance na função do amor antes que isso possa acontecer. Essas pessoas se tornam independentes da aquiescência de seu objeto, deslocando o que mais valorizam do ser amado para o amar; protegem-se contra a perda do objeto, voltando seu amor, não para objetos isolados, mas para todos os homens, e, do mesmo modo, evitam as incertezas e as decepções do amor genital, desviando-se de seus objetivos sexuais e transformando o instinto num impulso com uma finalidade inibida. Ocasionam assim, nelas mesmas, um estado de sentimento imparcialmente suspenso, constante e afetuoso, que tem pouca semelhança externa com as tempestuosas agitações do amor genital, do qual, não obstante, se deriva" (FREUD, idem, p.121-122).
A ciência vem da consciência (polo criador)? Ou a consciência (polo criador) vem da ação de se fazer ciência? Qual é o status da ciência moderna (racional): criadora ou criação? Na minha visão ela pertence ao domínio da criação. Nesse sentido, a única ciência que de fato realiza o homem dando-lhe a visão da verdade criadora é a autotransformação em si (da ignorância de si mesmo em sabedoria de si mesmo). Viva Sócrates, Platão, Descartes, Jesus, Marx, Einstein, Buda, Gandhi e tantos outros homens e mulheres que aprenderam o milagre da autotransformação! Esses espelharam o poder do pólo criador em si mesmos.
Nesse contexto, a natureza humana se dedica durante uma vida toda em milhões de coisas pequenas, e assim esquece de se dedicar naquilo que é mais importante para toda a sua vida existencial: a sua autotransformação. O milagre nela e só dela, vivenciado, saboreado, conquistado e amado. Em outras palavras, o homem vive transformando a sua maneira de compreender a sua história, a sua existência, a sua tecnologia, e a sua psicologia. No entanto, não percebe o caminho simétrico de compreender a transformação em si mesmo (o caminho da autotransformação) para alcançar o Bem último: o Amor Matriz ou Divino.
O Amor tão falado, é tão ignorado. O Amor tão musicado, está tão distante da natureza do indivíduo. O Amor tão idolatrado, é tão desamado. O Amor é vilão e herói. O Amor é conhecido e desconhecido. O Amor é virtual e virtuoso. O Amor é princípio e fim de tudo. O Amor é lógico e ilógico. O Amor é prisão e salvação. O Amor é humano e Divino.
É dentro desse contexto paradoxal que faço a minha reflexão filosófica do Amor. Entender a dimensão do Amor é compreender os seus dois planos de conquista e realização. Não tenho dúvidas sobre a sua manifestação paradoxal. É preciso sensibilidade para se poder ver as diferenças sutis desses dois planos de Amor.
A vida moderna carece do verdadeiro Amor. Ela carece da verdade do Amor para realizar os anseios existenciais de cada indivíduo inconsciente de si. O mundo está se tornando um caos existencial devido a falta do verdadeiro Amor. O homem social moderno vive inconsciente do poder do Amor Matriz (o verdadeiro!). Apesar de a mídia falar do Amor, o homem cego, surdo e iludido não consegue perceber a sua falsidade. As músicas invocam um “Amor tesão” ou um “Amor Paixão”. As novelas repetem a fórmula de sempre e não ajudam o indivíduo a se autodescobrir no Amor Matriz.
O homem sem Amor Matriz é o mesmo que uma ponte sem sustentação e equilíbrio: com certeza vai desabar! O Amor - com certeza absoluta! - é a última força criadora e integradora que a ciência falta descobrir para compreender o mistério da formação do universo. Em outras palavras, o Amor é uma fantástica força criadora e integradora do universo. O Amor é consciência. O Amor é energia. O Amor é vida. O Amor é sinônimo de união e evolução.
Quando se vive o Amor, sente-se a energia, a força, o impulso, a vitalidade, a beleza, o êxtase, a alegria, a felicidade, a harmonia, a verdade, e a fé do Poder Criador, em si mesmo. O Amor é a própria Centelha Divina do Espírito Criador.
O Amor somente retornará ao mundo moderno quando o homem moderno decidir caminhar em direção a ele. O Amor “é paciente, é benigno, o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (apóstolo Paulo - Saulo). A vivência do Amor Matriz implica numa morte existencial: a autotransformação ou autoconhecimento metamorfósico. "Meu benfeitor explicou-me então que a passagem de um feiticeiro para a liberdade era a sua morte" (índio D. Juan, apud CASTÃNEDA, 1988, p.190).
Disse [D.Juan] que “nós, como homens comuns, não sabíamos, nem jamais iríamos saber, que havia algo inteiramente real e funcional - nosso elo de ligação com o intento - que nos dava nossa preocupação hereditária com o destino. Assegurou que durante nossas vidas ativas nunca temos a chance de ir além do nível da mera preocupação, porque desde tempos imemoriais a rotina dos afazeres diários nos entorpeceu. É apenas quando nossas vidas quase se encontram para terminar que nossa preocupação com o destino começa a assumir um caráter diferente. Começa a fazer-nos ver através da neblina das ocupações diárias. Infelizmente, esse despertar sempre vem de mãos dadas com a perda da energia causada pelo envelhecimento, quando não temos mais força para transformar nossa preocupação em descoberta pragmática e positiva. Nesse ponto, tudo que é deixado é uma angústia amorfa e penetrante, um desejo por algo indescritível, e simples raiva por ter errado o alvo” (apud CASTÃNEDA, idem, p. 64).
É extremamente importante que a leitura dessas afirmações não sejam apenas racionalizadas, mas que adquira uma certa “viscosidade mental” no leitor e produza um estímulo nas “fibras mentais” no sentido de criar uma ressonância intelectual. A constatação dessas afirmações se dá por um estímulo e por uma ação em direção ao núcleo do ser ou do trielo superior. Em outras palavras, não basta apenas memorizar faz-se necessário refletir a energia captada movimentando-a e dinamizando-a segundo a intensidade da força de vontade. E para isso é extremamente necessário que haja um estado de relaxamento e de meditação.
As qualidades humanas enfatizadas e inter-relacionadas segundo o poder de propagação das unidades existenciais (a Consciência, o Amor e a Força de vontade) ou trielos serão determinantes nas experiências do equilíbrio cósmico existencial e do sentido transcendental-em-si.
A Consciência precisa estar interligada ao Amor e a Força de Vontade. Essas três unidades existenciais ao se dinamizarem num processo de interinfluenciação produz um mútuo fortalecimento gerando e propagando um poder sinergético de crescimento espiralado evolutivo e equilibrado. A força resultante desse processo acelera o crescimento existencial do ser. Um novo nível existencial é naturalmente alcançado permitindo ao ser visualizar questões que antes era impossível perceber. Nesse contexto, o ser ao dinamizar o seu poder interior assume uma nova postura e conduta perante ao mundo social em que está inserido.
O rompimento de qualquer elo de interligação entre as unidades existenciais produz um desequilíbrio e portanto uma desagregação no interior do ser. A consciência sem o poder do Amor é vazia de valores. O Amor sem o poder da consciência é totalmente ignorante. E a força de vontade sem a visão da consciência e sem a grandeza do Amor é fraca em seu processo de transformação e execução. Pois, é através da força de vontade que o ser age e transforma a sua ação em criação. E é através do Amor que o ser valoriza a sua relação com o mundo e com Deus. Mas, é através da consciência que o ser se aproxima de si mesmo e, portanto, do seu Criador que se situa num plano superior do si-transcendental.
No mundo moderno do indivíduo produtivo insatisfeito a estética é produto de um aprimoramento técnico. E no mundo tradicional da pessoa realizada a estética é produto de um aprimoramento ético. Essa diferença é que determina o grau de força de vontade conquistado pelo ser em seu anseio evolutivo. Para definir melhor as naturezas das duas forças, “podemos acrescentar que a força ativa tem o poder, a inteligência, a capacidade de sopro da vida, a capacidade associativa; a passiva tem os meios de concretizar, no mundo da matéria, a capacidade de prover da energia ativa. A energia ativa é a Energia Cósmica; a energia passiva é toda substância, em estado primário, que compõe a Terra” (ANÔNIMO, idem, p.65).
Existe uma correlação entre a natureza da ação humana e os princípios ativo e passivo intrínsecos aos fenômenos da natureza circundante. O Princípio Ativo investe no Princípio Passivo. Essa conjugação de forças se realiza dualmente no plano da existência humana. O Princípio Ativo precisa de um meio adequado para expressão. O Princípio Passivo necessita de uma ordem inteligente para se orientar. A complementaridade dessas duas forças impede a desorganização do potencial criativo no interior do próprio ser.
Os princípios das energias ativa e passiva podem ser constatados nas marés dos oceanos, na polaridade da bateria elétrica, no ciclo dia e noite, no fogo e na água. É a ação e a inércia. Em níveis de sentimentos são o ódio e o Amor. Essas últimas sem orientação agridem-se, mas quando direcionadas se equilibram. O Amor quando praticado sem consciência acaba destruindo e levando à desordem e a confusão. Quando empregado em doses excessivas ou irracionais, terá efeitos danosos, atingindo, em reação, aquele que gerou ou doou, mas que não teve a consciência para a identificação de onde, quando ou em que quantidade deveria ser
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