O rodopio aperreado
Foi quando
Apareceram os espectros
E a multiplicação dos miasmas
Pelas cercanias guardadas
Por Deus e pela sua própria
Versão irada em risadas áridas
No seu favor está a vida
A sua ira dura só um momento
O choro pode durar uma noite
A alegria vem pela manhã
Assim se espera que
As esporas sejam esporádicas
E as lágrimas magmáticas
E riram
Descontroladamente
Todos os loucos
E copularam histéricos
Todos os infindáveis reclusos
E todos os inocentes apascentaram
Todos os incautos trêmulos
E todo o mijo foi vertido
Diante do imensamente inseguro
E estava todo o instável
Assim se vocifera que
As esmolas sejam imoladas
E as perdas perdoadas
Solano
Aquele dos dentes de ouro
Foi visto sorrindo para a morte
Mas ela não viu riqueza ali
Ele passou a morder o
Próprio desespero cadavérico
Joana das Trevas teve os seus peitos
Repartidos por sete desejos esganiçados
Teobaldo da Catingueira matou
Vivos e mortos sem qualquer piedade
Assim se considera que
As contas sejam recontadas
E as preces apreciadas
Pouquidão
Não é um mero nome
Pendiam de todos os lábios
Todas as palavras pronunciáveis e
Todas elas eram surdas mais que mudas
E toda sorte de cacarecos ali fora
Espalhada e nada foi juntado
E tudo se somava para diminuir
Justamente quando se mais ia
Mais se voltava em voltas
Assim se pondera que
As pragas sejam propagadas
E as dores adoradas
Farelentos
Os fazedores de estradas
Se foram daqui sem qualquer
Pernoite de angústias em hóstias
E se foram a sós tangendo todos os tatus
E todas as saídas ficaram em saias
Deixando para os sorrisos maternos
Como hímens aritméticos
O esguio máximo que há em um
Apurado de leite em pó
Assim se pondera que
Os peitos sejam respeitados
E os partos repartidos
Martiniano
Aquele das sementes sangradas
Furou seus furúnculos com
Filetes de balas perdidas
E de imediato cresceu ao seu redor
Um pântano de alucinações
Dídimo Sem Piedade contou
Com todos os seus dedos
E até o quanto pôde os dísticos
Que circulam uma maldição
Assim se pondera que
Os fardos sejam fardados
E os nomes nomeados
Imensidão
Foi o que Salete Sozinha viu
Ao olhar para o céu sem astúcia
E pedir ao Supremo o controle
Sobre os próprios dentes
Para que suas palavras de repúdio
Não tivessem sílabas amputadas
Já Eva de Tudor não pôde impedir
Que os gritos de sua prole se evadissem
Tomando rumos ignorados
Assim se pondera que
Os signos sejam signatários
E os ditos editados
Então vieram
Uma a uma e depois aos montes
As descendências túmidas
E de prontamente vieram me chutar
Não estranhei nada
Nem os olhos vermelhos
E assim as fizeram como assim
Eu bem sei que essas pedras
E essas lenhas todas são minhas e
Em fogo querem me pertencer
Assim se pondera que
Os fatos sejam fatiados
E os exércitos exercitados
E eu
Que já te vi nua
E agora envolta em névoa
E agora me enervando
Com tantos nomes e tantos retalhos
E tanto e tanto estraçalhar
Agora se me ergue em vapor de um
Vulcão voraz a estripar até vozes
A me dizer em zeros e vírgulas
Que não existe vazio sem vórtices
Assim se pondera que
As marcas sejam demarcadas
E as cóleras encoleiradas
E esse
Choro cheio de estiagens
Que eu vi refundar o despedaçar
É também por ti Eponina
Ele corre sem escorrer
Evacuado em vapores decimais
Assim eu procurei em vão
Por todos os sentidos
E todos eles se estilhaçaram
Por todos os desvãos
Assim se pondera que
As forças sejam reforçadas
E as farpas esfarrapadas
E partiram
Aqueles que foram destinados
E os deslocados revelaram as
Apostasias dos apóstolos
Eram trinta e dois os debruçados
E mais de cem incrustados
No vento em posição de feto
Eram setenta e três as orações
Cuspidas em línguas mortas
E só um o desespero maior
Assim se pondera que
Os sinos sejam assinados
E os amparos reparados
Foi quando
Eu vi Anunciada descendo
Pelas escadas flutuantes
Com trezentas entidades enrugadas
Seguras pelas goelas
Do cemitério recuado brotaram
Arcanjos sob uma árvore frondosa
Assim o cruzeiro primordial
Foi lavado com larva
Em divina dádiva atávica
Assim se pondera que
Os atentos sejam atentados
E as provas provocadas
Sem povo
O povoado era um ovo
Sem ovários irrevogáveis
O rio silencioso agora é um
Charco imóvel embebido em
Memórias remuneradas
Um peixe azul voa entre as
Borboletas sutis anunciando assim
Um narrador multiplicado
Para as divisões da história
Assim se pondera que
Os cursos sejam discursos
E os desertos desertados
4 comentários:
Este rodopio aperreado do Marcos Leonel é profundamente nordestino até no título (aperreado). Nordestino não apenas da rosa do ventos, mas também de um segmento de tempo de no nímimo cinco séculos. Aqueles séculos que implantaram nos sertões americanos simultaneamente os cheiros provençais com a "fulô do mandacaru". Esta trova, não é um algo genérico, é um estilo, um tipo, é um "troveiro" transposto para a dinâmica como lembra o poeta: magmática. O magma que forma intrusões nos relevos da modernidade bolhosa (o tempo todo se esvaziando). Quando o poeta e intelectual nomeia os personagens de sua narrativa trovadoresca, busca Teobaldo da Champagna aqui Catingueira, vai por um Solano tão latino americanco como um romance de Gabriel Garcia Marques; busca da memória algum personagem de Jorge Amado, entre o medieval e o catolicismo irmão das fogueiras na Joana das Trevas, isso sem que nos deixe Shakespeare através dos Tudor e esta Eva que perdeu o destino da prole.
Leonel além do mais a cada estrofe nos deixa uma conclusão, ou um desejo, ou uma ordem: As esmolas sejam imoladas
E as perdas perdoadas. Isso jogando, como gosta com a semelhança entre palavras sem que se perca o sentido, apesar da empatia auditiva.
Esqueço todos os nomes.
Entro em cada verso aturdido e certo
que algum segredo é passado.
Meu camarada e meu irmão,
sua poesia me abriga e me despeja.
Caloroso abraço.
José do Vale, meu caro,
você é o leitor ideal de cada poeta e de cada escritor, tenho dito, a sua erudição me é muito simpática. A cada comentário seu me sinto mais forte para continuar essa luta com as palavras.
Um grande abraço
Domingos,
você sabe que a recíproca é verdadeira, desde nossa imaculada perdição mundana de outrora. Além disso, o seu reconhecimento suplanta qualquer desdém e qualquer falta de reconhecimento que possa existir sobre a minha poética, pois sei que a origem é de quem conhece, como poucos, a arte de fazer versos.
Um grande abraço
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