Dedico este texto à Maria da Glória Pinheiro Cordonez que o pôs na pauta dos meus dias:
Mitonho raramente se ausenta dos debates entre os filósofos da Batateira. No almoço fora à churrascaria para caminhoneiros ali no bairro mesmo e saboreou o que diziam ser picanha Argentina. Na mesma noite começou com sintomas de uma forte gripe a que nomeou suína: havia nexo causal com a epidemia da terra da carne. Em quarentena dormia o quanto sempre desejou em seus chamamentos de preguiça. E numa tarde amena de julho teve um sonho impressionante. Um verdadeiro sonho filosófico.
Não era parte da ação, apenas a assistia como um expectador de cinema. A ação ocorria em tribunal. Os membros do júri eram conceitos. A quem julgavam? Julgavam a Utopia. O juiz era a Dialética; a acusação feita por dupla: a Realidade e o Pragmatismo. A defesa pela História. A Utopia, cabeça baixa, sentava-se em pequeno banco.
Com a palavra o Juiz: julgamos a Utopia pelos crimes enumerados após a identificação da ré. Trata-se de conceito ambíguo, muito jovem. Nascida em 1516, logo se pôs em ação e sobressaiu-se entre muitos. As raízes da sua formação é a luta entre seus genitores. Trata-se da fusão entre o pai “Tópos” que é o conceito de Lugar e a mãe “Ou” por Negação. Por isso a Utopia é a negação dos Lugares tais quais como são conhecidos. Da ambigüidade é que surgiriam as acusações aqui julgadas: a Utopia se mancomunou com a Quimera, a Fantasia e o Irrealizável para enganar a convivência entre os Deuses. Ao criticar tal convivência nos momentos ruins, a Utopia não tem solução, apenas desbota com o ácido da Abstração. Com a palavra a Acusação.
A acusação pela Realidade: acuso a Utopia de associar-se à Quimera e assim confundir-se com a tal natureza. A Quimera traiu-me como a guardiã da imutabilidade dos conceitos. A Quimera mudou. Já foi real. Pertencia à legião dos monstros, misturando pedaços de conceitos: cabeça de leão, corpo de cabra, cauda de serpente e lançamento de fogo pelas narinas. Hoje traiu sua natureza, abandonou as hostes da Realidade e foi se abrigar nos campos da Fantasia; entre Sonhos e a Imaginação. Jamais recebo sua visita. Misturou-se com a Incoerência, o Disparate e o Absurdo. Em conclusão: a Utopia adquiriu a mesma natureza traiçoeira da Quimera.
A Acusação pelo Pragmatismo: a Utopia promove ação de grande intensidade junto à Política, em todos os Lugares, levando a Mentira e os Sonhos a cada um. A Utopia sendo a negação do Lugar, o leva ao desânimo. Se vendo como algo ruim, se aprisiona na Esparrela com o mote de ser diferente. Só que não lhes oferece Meios de transformação e nada Prático. Tudo se reduz a idealismo desprovido de coisas Práticas.
A defesa pela História: afirmo que a Utopia não é uma jovem corrompida. Sua natureza se encontra no antigo conceito da República. Ainda quando a Quimera era parte dos campos da Realidade. A Utopia tem genes de tempo mais que a negação de Lugar, pois a República não se pretende apenas a um Lugar, uma topografia, o seu lugar é Universal. Não estamos julgando atos como deveríamos, mas erroneamente a gênese da Utopia. A sua raiz é secundária. Ao negar a natureza dos lugares tal e qual, não pertence a legião da Contradição, mas da Síntese Universal, assemelhada da Republica.
A acusação pela Realidade: a Defesa esquece-se que a Utopia é consangüínea do Abstrato. Já foi adjetivada para dar juízo de valor ao Socialismo, assim nomeado Socialismo Utópico. Conceito qualificado como parte de ideal sentimental para descrever uma boa convivência entre os Deuses onde se visse realizado. É da legião da Crença ao se fantasiar a possibilidade de uma transformação total, eliminando o Individualismo, a Competição e a influência da Propriedade Privada. Tais conceitos a se eliminar são antigos, resistiram a grandes Revoluções e operarão em defesa própria.
De volta à Defesa pela História: mais que um caminhar ao Abstrato é Marco de Potencialidade para transformação do Lugar. É sabido Sr. Juiz e senhores Jurados que Conceitos mau intencionados, ao desgostarem de certas Propostas de transformação e de Desejos de conquista, argumentam como a Acusação para combater aquelas Propostas e Desejos. Não é parte da Utopia, mas do discurso da Acusação. Ao contrário, a Utopia permite a comparação entre a Realidade e as modificações desejáveis sem que deixe de pertencer aos limites necessários desta Realidade ante de transformada. A Realidade apesar de ser Universal e Ancestral dos Conceitos, nos últimos tempos sofreu influência do outro membro da Acusação, o Pragmatismo. Este age promovendo Miopia na Realidade sem que esta perceba. Diminui os Horizontes de seu campo de ação, levando tudo à redução da Utilidade. A Realidade que sempre foi grande Juízo do mundo dos Conceitos se encontra hoje tão próxima do Pragmatismo.
A Acusação furiosa do Pragmatismo: senhores Jurados a História, aqui e agora, deixou de ter a isenção que tanto achamos. Agora é julgadora do meu papel. Procura reduzir-me quando sempre estive em expansão, diversos tempos e em todos os lugares. Aqui desqualifica a mim e à Realidade, nos opondo quando tudo nos une. Existo posto que Realidade seja fonte do meu metabolismo. Isso não é a defesa da Utopia, mas a tentativa de criar contradição no campo da Acusação.
De volta à Defesa pela História: continuando do ponto que deixei antes das emoções do Pragmatismo. A Utopia não ruma ao Abstrato, mas em sentido da Realidade e por isso mesmo terá grande poder de libertação desta Realidade hoje tão estreitada pelo Pragmatismo. Vejamos todos que a Utopia nasceu com a voz dos nossos Deuses. Os Deuses que fundam todos os Conceitos. Quando estes Deuses estavam no pior momento do seu Olimpo. Uns expulsando aos outros dos seus campos de união; muitos Deuses assumindo as ações da ladroagem; submetidos ao martírio da Forca e da Fogueira; a Justiça se tornou cruel; alguns Deuses se destacaram em avidez por Riquezas. Aquela foi uma das piores eras do Olimpo, com a ditadura da Propriedade Privada; a cegueira do Dinheiro e um profundo dano à Felicidade. Viviam os Deuses em guerras contínuas e os Deuses aprisionados eram degredados do Olimpo para os pântanos de sofrimento. Então a Utopia é a quebra da máscara que ameniza o horror escondido pelo Pragmatismo. Ao lembrar a guerra entre os Deuses fundantes do Pragmatismo, a Utopia passou a ser a esperança que tudo poderia ser diferente, que a Realidade poderia voltar a ser larga e generosa; poderia ajudar muito mais na Harmonia dos Deuses. E assim encerro a Utopia com o mesmo teor com que ela meteu o dedo na ferida da guerra entre os Deuses. Denunciando o subterfúgio do Pragmatismo ao tentar controlar a Realidade com mentiras a respeito do caminho preferencial ao Abstrato.
Mitonho não chegou a ouvir o veredicto do júri. Um acesso de tosse incontrolável o acordou e em seguida depositou o escarro acumulado pelo sono como limpeza da respiração antes encharcada de secreções. Não ouviu a sentença, mas lembrou-se em detalhes do debate.
Mitonho raramente se ausenta dos debates entre os filósofos da Batateira. No almoço fora à churrascaria para caminhoneiros ali no bairro mesmo e saboreou o que diziam ser picanha Argentina. Na mesma noite começou com sintomas de uma forte gripe a que nomeou suína: havia nexo causal com a epidemia da terra da carne. Em quarentena dormia o quanto sempre desejou em seus chamamentos de preguiça. E numa tarde amena de julho teve um sonho impressionante. Um verdadeiro sonho filosófico.
Não era parte da ação, apenas a assistia como um expectador de cinema. A ação ocorria em tribunal. Os membros do júri eram conceitos. A quem julgavam? Julgavam a Utopia. O juiz era a Dialética; a acusação feita por dupla: a Realidade e o Pragmatismo. A defesa pela História. A Utopia, cabeça baixa, sentava-se em pequeno banco.
Com a palavra o Juiz: julgamos a Utopia pelos crimes enumerados após a identificação da ré. Trata-se de conceito ambíguo, muito jovem. Nascida em 1516, logo se pôs em ação e sobressaiu-se entre muitos. As raízes da sua formação é a luta entre seus genitores. Trata-se da fusão entre o pai “Tópos” que é o conceito de Lugar e a mãe “Ou” por Negação. Por isso a Utopia é a negação dos Lugares tais quais como são conhecidos. Da ambigüidade é que surgiriam as acusações aqui julgadas: a Utopia se mancomunou com a Quimera, a Fantasia e o Irrealizável para enganar a convivência entre os Deuses. Ao criticar tal convivência nos momentos ruins, a Utopia não tem solução, apenas desbota com o ácido da Abstração. Com a palavra a Acusação.
A acusação pela Realidade: acuso a Utopia de associar-se à Quimera e assim confundir-se com a tal natureza. A Quimera traiu-me como a guardiã da imutabilidade dos conceitos. A Quimera mudou. Já foi real. Pertencia à legião dos monstros, misturando pedaços de conceitos: cabeça de leão, corpo de cabra, cauda de serpente e lançamento de fogo pelas narinas. Hoje traiu sua natureza, abandonou as hostes da Realidade e foi se abrigar nos campos da Fantasia; entre Sonhos e a Imaginação. Jamais recebo sua visita. Misturou-se com a Incoerência, o Disparate e o Absurdo. Em conclusão: a Utopia adquiriu a mesma natureza traiçoeira da Quimera.
A Acusação pelo Pragmatismo: a Utopia promove ação de grande intensidade junto à Política, em todos os Lugares, levando a Mentira e os Sonhos a cada um. A Utopia sendo a negação do Lugar, o leva ao desânimo. Se vendo como algo ruim, se aprisiona na Esparrela com o mote de ser diferente. Só que não lhes oferece Meios de transformação e nada Prático. Tudo se reduz a idealismo desprovido de coisas Práticas.
A defesa pela História: afirmo que a Utopia não é uma jovem corrompida. Sua natureza se encontra no antigo conceito da República. Ainda quando a Quimera era parte dos campos da Realidade. A Utopia tem genes de tempo mais que a negação de Lugar, pois a República não se pretende apenas a um Lugar, uma topografia, o seu lugar é Universal. Não estamos julgando atos como deveríamos, mas erroneamente a gênese da Utopia. A sua raiz é secundária. Ao negar a natureza dos lugares tal e qual, não pertence a legião da Contradição, mas da Síntese Universal, assemelhada da Republica.
A acusação pela Realidade: a Defesa esquece-se que a Utopia é consangüínea do Abstrato. Já foi adjetivada para dar juízo de valor ao Socialismo, assim nomeado Socialismo Utópico. Conceito qualificado como parte de ideal sentimental para descrever uma boa convivência entre os Deuses onde se visse realizado. É da legião da Crença ao se fantasiar a possibilidade de uma transformação total, eliminando o Individualismo, a Competição e a influência da Propriedade Privada. Tais conceitos a se eliminar são antigos, resistiram a grandes Revoluções e operarão em defesa própria.
De volta à Defesa pela História: mais que um caminhar ao Abstrato é Marco de Potencialidade para transformação do Lugar. É sabido Sr. Juiz e senhores Jurados que Conceitos mau intencionados, ao desgostarem de certas Propostas de transformação e de Desejos de conquista, argumentam como a Acusação para combater aquelas Propostas e Desejos. Não é parte da Utopia, mas do discurso da Acusação. Ao contrário, a Utopia permite a comparação entre a Realidade e as modificações desejáveis sem que deixe de pertencer aos limites necessários desta Realidade ante de transformada. A Realidade apesar de ser Universal e Ancestral dos Conceitos, nos últimos tempos sofreu influência do outro membro da Acusação, o Pragmatismo. Este age promovendo Miopia na Realidade sem que esta perceba. Diminui os Horizontes de seu campo de ação, levando tudo à redução da Utilidade. A Realidade que sempre foi grande Juízo do mundo dos Conceitos se encontra hoje tão próxima do Pragmatismo.
A Acusação furiosa do Pragmatismo: senhores Jurados a História, aqui e agora, deixou de ter a isenção que tanto achamos. Agora é julgadora do meu papel. Procura reduzir-me quando sempre estive em expansão, diversos tempos e em todos os lugares. Aqui desqualifica a mim e à Realidade, nos opondo quando tudo nos une. Existo posto que Realidade seja fonte do meu metabolismo. Isso não é a defesa da Utopia, mas a tentativa de criar contradição no campo da Acusação.
De volta à Defesa pela História: continuando do ponto que deixei antes das emoções do Pragmatismo. A Utopia não ruma ao Abstrato, mas em sentido da Realidade e por isso mesmo terá grande poder de libertação desta Realidade hoje tão estreitada pelo Pragmatismo. Vejamos todos que a Utopia nasceu com a voz dos nossos Deuses. Os Deuses que fundam todos os Conceitos. Quando estes Deuses estavam no pior momento do seu Olimpo. Uns expulsando aos outros dos seus campos de união; muitos Deuses assumindo as ações da ladroagem; submetidos ao martírio da Forca e da Fogueira; a Justiça se tornou cruel; alguns Deuses se destacaram em avidez por Riquezas. Aquela foi uma das piores eras do Olimpo, com a ditadura da Propriedade Privada; a cegueira do Dinheiro e um profundo dano à Felicidade. Viviam os Deuses em guerras contínuas e os Deuses aprisionados eram degredados do Olimpo para os pântanos de sofrimento. Então a Utopia é a quebra da máscara que ameniza o horror escondido pelo Pragmatismo. Ao lembrar a guerra entre os Deuses fundantes do Pragmatismo, a Utopia passou a ser a esperança que tudo poderia ser diferente, que a Realidade poderia voltar a ser larga e generosa; poderia ajudar muito mais na Harmonia dos Deuses. E assim encerro a Utopia com o mesmo teor com que ela meteu o dedo na ferida da guerra entre os Deuses. Denunciando o subterfúgio do Pragmatismo ao tentar controlar a Realidade com mentiras a respeito do caminho preferencial ao Abstrato.
Mitonho não chegou a ouvir o veredicto do júri. Um acesso de tosse incontrolável o acordou e em seguida depositou o escarro acumulado pelo sono como limpeza da respiração antes encharcada de secreções. Não ouviu a sentença, mas lembrou-se em detalhes do debate.
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