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segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Aprender a ensinar.

Este entrevista publicada na Folha de São Paulo e reproduzida no blog do Luis Nassif nos oferece uma boa oportunidade de analisarmos algumas questões em politica educacional. O interessante é a comparação entre países e a demonstração de que políticas não se fazem apenas por espontaneidade e nem apenas por prêmios. A renda do professor sempre será um problema mas ela por si mesma não resolve o assunto, o essencial é o projeto educacional. Acho que é interessante para todos aqueles que se preocupam com o assunto.

MARIA CRISTINA FRIAS
ROBERTA BENCINI
DA REPORTAGEM LOCAL

“POR QUE alunos cubanos vão tão melhor na escola do que brasileiros e chilenos, apesar da baixa renda per capita em Cuba?” A pergunta norteou estudo do economista Martin Carnoy, professor da Universidade Stanford, que filmou e mensurou diferenças entre atividades escolares nos três países. No Brasil, o professor encontrou despreparo para ensinar e atividades feitas pelos alunos sem controle. “Quase não há supervisão do que ocorre em classe no Brasil.”
Para ele, o problema também atinge a rede particular. “Pais de escolas de elite pensam que estão dando ótima instrução aos filhos, mas fariam melhor se os colocassem em uma escola pública de classe média do Canadá.” Carnoy sugere filmar o desempenho dos professores. “Não basta saber a matéria. É preciso saber como ensiná-la.” Ele esteve no Brasil na semana passada para lançar o livro “A Vantagem Acadêmica de Cuba”, patrocinado pela Fundação Lemann.
FOLHA - O que mais chamou a sua atenção nas aulas no Brasil?
MARTIN CARNOY
- Professoras contratadas por indicação do secretário de Educação do município, que dirigem a escola e vão lá de vez em quando; 60% das crianças repetem o ano, e professoras pensam que isso é natural porque acham que as crianças simplesmente não conseguem aprender. Fiquei impressionado, o livro [didático usado na sala de aula] era difícil de ler. Precisaria ter alguém muito bom para ensinar aquelas crianças com ele. Ficaria surpreso se qualquer criança conseguisse passar [de ano]. Vi escolas na Bahia, em Mato Grosso do Sul, em São Paulo, no Rio… [entre outros].

FOLHA - Qual a metodologia do estudo?
CARNOY
- Como economista, usei dados macro para explicar as diferenças entre os países nos testes de matemática e linguagem. Fizemos análises com visitas a escolas e filmamos classes de matemática e analisamos as diferenças entre as atividades em classe. Há uma grande diferença, pais cubanos têm renda baixa, mas são altamente educados, em comparação com os do Brasil. O estudo foi finalizado em 2003 e depois comparamos Costa Rica e Panamá. Na Costa Rica, há coisas engenhosas, aulas com duas horas, em que se pode realmente ensinar algo. Supervisionar a resolução de problemas de matemática e, principalmente, discutir resultados e erros. Os alunos cubanos têm aulas acadêmicas das 8h às 12h30. Depois, almoço. Voltam às 14h e ficam até as 16h30, quando têm uma sessão de TV por 40 minutos. A seguir, artes e esportes, mas com o mesmo professor.

FOLHA - Ter o mesmo professor durante quatro anos (como os cubanos) é uma vantagem?
CARNOY
- Quatro anos, pelo menos. Mas os alunos não mudam de um ano para outro. No Brasil, se alunos e professores mudam muito de escola, como fazer isso? Se a ideia é tão boa, se funciona, deveríamos fazer algo para que pelo menos professores não mudassem tanto.

FOLHA - Qual a sua avaliação sobre a proposta da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que vincula o aumento de salário à permanência do professor na mesma escola e à aprovação em testes?
CARNOY
- Sugeri ao secretário Paulo Renato que acrescentasse um teste: filmar o professor, como no Chile. Professores de outra escola avaliam os videoteipes. Professores podem ser bons nos testes, mas péssimos para ensinar. Se você tiver um professor experiente que foi bem ensinado a ensinar e teve um bom desempenho com os alunos, a diferença é visível em relação a uma pessoa sem experiência, como eu. Profissionais que viram as fitas disseram que há grande diferença entre o professor cubano e o brasileiro.

FOLHA - A Secretaria da Educação pretende oferecer curso de treinamento de professores de quatro meses. Em Cuba, dura 18 meses, para o nível médio. O que é importante num treinamento?
CARNOY
- [Em Cuba] São oito meses para a escola fundamental. Mas são para os professores que não foram à faculdade. Você deve se lembrar que houve escassez de professores, com o incremento do turismo, que atrai pelo pagamento em dólares. Tiveram de produzir muitos professores, muito rapidamente. Então, pegaram os melhores estudantes do ensino médio e lhes ofereceram cinco anos de universidade nos finais de semana. O que é importante nesses cursos de treinamento é ensinar como dar o currículo, como ensinar matemática. O Estado deve estabelecer padrões claros, como na Califórnia. Isso é o que tem de ser ensinado em matemática no terceiro ano. No Chile, há um currículo nacional, mas não ensinam aos estudantes de pedagogia como ensinar o currículo.

FOLHA - O sr. dá muita importância ao diretor…
CARNOY
- E também à supervisora, que em muitas escolas no Brasil não fazem nada, não entram em sala. Em Cuba, diretores e vice-diretores ou supervisoras assistem às aulas. Nos primeiros três anos de serviços de um professor, eles entram muito, ao menos duas vezes por semana. São tutores que asseguraram que a instrução siga o método e o nível requeridos pelos padrões estabelecidos.

FOLHA - Os bônus a professores, como ocorre no Estado de São Paulo, são um bom caminho?
CARNOY
- Não há boas evidências de que esse sistema de estímulo funciona. O modelo usado em São Paulo, em que todos os professores ganham mais dinheiro se a escola atingir a meta, pode funcionar. Tentaram isso na Carolina do Sul, no final dos anos 80. Foi um grande sucesso por poucos anos e, depois, deixou de sê-lo porque não houve mais melhora. Eles só atingiram um certo limite e não conseguiram mais progredir. Há o efeito inicial do esforço e depois, quando as pessoas têm que saber melhor como aprimorar o desempenho dos alunos, nada acontece. E não existe mais na Carolina do Sul. O que tem sido feito, em geral, nos EUA não é bônus, mas punição. Se a escola fracassa em atingir a sua meta em três anos, como na Flórida, os estudantes podem receber vouchers e frequentar escolas particulares, em vez de públicas. A forma como estão fazendo em São Paulo não é a melhor. Eles medem neste ano como a segunda série aprende e, no próximo, quanto a segunda série aprende. Mas não os mesmos alunos. Escolas pequenas têm mais chance de receber bônus do que grandes. Se a escola cai, não há punição. Só não recebe bônus. Não estou defendendo punição, só digo que eles [bônus] são mal mensurados. Você pode fazer como em São Paulo, mas não dar bônus todo ano, e sim a cada dois anos. E aí poderá ver o que se ganhou com os alunos que se mantiveram na escola e ter as médias, mas com as mesmas crianças através das séries. O problema da falta de professores é mais grave porque é sobretudo um absenteísmo autorizado, não é ilegal. Em Cuba, professores e alunos faltam pouco. É tudo controlado.

FOLHA - Melhorar o ensino público provocaria uma avanço na educação como um todo, inclusive nas escolas particulares?
CARNOY
- Pais de escolas de elite pensam que estão dando ótima instrução aos filhos, mas fariam melhor se os colocassem em uma escola pública de classe média do Canadá. Mesmo os melhores docentes brasileiros são menos treinados do que os de Taiwan. Os melhores professores no Brasil têm em média desempenho abaixo da média do professorado de países desenvolvidos. Investir e melhorar a escola pública, que é a base de comparação dos pais, elevaria o resultado das melhores escolas particulares também. Professores são bons em pedagogia, mas não no conhecimento a ser ensinado. Não treinam muito matemática e não sabem como ensiná-la.

FOLHA - O que do modelo cubano não pode ser transposto considerando que Cuba vive sob ditadura?
CARNOY
- Há, de fato, uma falta de criatividade [no ensino]. Não se pode questionar, ser contra a Revolução. Mas as crianças sabem que estão aprendendo o esperado. São bons em matemática, sabem ler bem e aprendem muita ciência, mesmo nas escolas rurais ou de bairros urbanos de baixa renda. O Brasil tem a capacidade de enfrentar esses problemas [ter crianças bem nutridas, com bom atendimento médico]. Por que em uma sociedade com uma renda per capita que não é tão baixa não se faz isso? Acho que tem de ser construído um sistema de supervisão, com pessoas capazes de ensinar e treinar novos professores a ensinar. Os professores no Brasil estudam muito linhas de pedagogia e menos como ensinar. Podem esquecer tudo aquilo de Paulo Freire, um amigo. Devem ler sua obra como exercício intelectual, mas queremos que professores saibam ensinar.

FOLHA - Não é possível conciliar na América Latina bom ensino com autonomia, democracia?
CARNOY
- A melhor escola é a que tem professores com democracia. Mas temos de ter um acordo de quais são os nossos objetivos. Tony Alvarado é um supervisor em Manhatan que trocou metade dos professores e dos diretores para melhorar a qualidade das escolas. Ele disse aos professores: “Este é o programa. Vão implementá-lo comigo ou não? Têm uma semana para pensar. Se não quiserem, são livres para sair”.

FOLHA - No Brasil seria mais difícil…
CARNOY
- Seria muito mais fácil! Um quarto do professorado muda de escola todo ano! Em Nova York, não se demitiu. Alvarado mandou-os para outros bairros. Precisa, no início, de um certo autoritarismo. Porque alguém tem de dizer o que fazer no início. E depois, sim, há uma democracia. Os diretores devem se preocupar com os direitos das crianças. Em Cuba, é o Estado. Aqui, os sindicatos de professores preocupam-se com os direitos dos associados - e estão em certos em fazê-lo. Mas e as pobres crianças que não têm sindicatos para defender seus direitos à educação?


7 comentários:

Maurício Tavares disse...

José do Vale
Tinha lido a matéria e achado super interesssante também. Dei aulas de Oficina de Comunicação para professores do ensino médio e fundamental, numa graduação especial oferecida pela UFBA, e fiquei assustado com o nível de boa parte dos professores (é claro que havia honrosas exceções).

Unknown disse...

A culpa dos professores do Brasil estarem abaixo da média deve ser ....

da sanguinolenta ditadura cubano-castrista... hehehehe.

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Maurício,

Aprender a ensinar que certamente envolve aspectos técnicos e duas pontas de aprendizado: o aluno (com sua família) e seus colegas de ensino. Não acredito muito em competição entre professores e turmas de alunos, normalmente perdem substância pois toda competição é finalística enquanto o ensino é contínuo.

Acrescentaria também em relação à saúde a mesma necessidade com seus profissionais. Aprenderem a cuidade de gente e a ter a real noção do que é um meio ou recurso de sua profissão. Hoje se invertou: a tecnologia é uma máscara de feiticeiro usada pelos profissionais para "impressionarem" a pessoa alvo de saúde. Bom isso vai para o engenheiros, advogados e tome mudança no ensino e no processo de desenvolvimento dos processos profissionais.

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Darlan,

Você manteve o tom de certo diálogo no nosso blog. Eu quase faria este comentário, citando que o discurso ideológico repetitivo, feito um mantra não consegue apreender a realidade. Como esta em Cuba e vis-a-vis a exuberância de meios no EUA. Aliás isso também ocorre com a sáude e um número expressivo de outras políticas sociais. O mundo é muito mais complexo que o bem e o mal.

Unknown disse...

Pois é. Enquanto isso, o Haiti padece.
Como já disseram em certa canção, "O Haiti é aqui".
Abraço.

Marcos Vinícius Leonel disse...

José do Vale, excelente oportunidade para se debater o assunto.

Já havia tomado conhecimento da matéria e já li o livro em questão, que na realidade foi lançado ainda em maio. Como sempre, essa não é a primeira e nem a última palavra sobre educação. Não vejo pertinência nem no método e nem modelo apontado como saída.

A situação de penúria no ensino médio brasileiro é um fato, mas é também um fato ser essa situação a mesma em quase que a totralidade dos países emergentes e desenvolvidos. O ensino americano é um fracasso retumbante, com grandes surtos de violência, evasão e disparidade na grade curricular. É claro que aqui, como também lá nos outros países observados no estudo, existem grandes exceções.

Quanto ao baixo nível dos professores isso também é um fato marcante, mas não um processo que reflita um rabaixamento do horizonte, mas antes de tudo um fenômeno verticalizado, com origens profundas em nossas universidades públicas, que na contemporaneidade abarca um dos piores corpos docentes de todos os tempos. Creio que a culpa de toda essa decadência na formação acadêmica se deva ao intenso mecanismo político instaurado nos corredores acadêmicos brasileiros, em que um surto nefasto de politicagem em busca do poder transforma os corredores das universidades públicas brasileiras em verdadeiros esgotos a céu aberto. O ensino de terceiro grau, bem como o prolongamento em especializações, mestrados e doutorados virou um verdadeiro mercado negro.

Em uma fatídica "Semana Pedagógica" de uma determinada instituição do Cariri, presenciei uma aula de uma sumidade de Fortaleza, Doutor titular de uma cadeira da UECE, grafar e pronunciar a palavra "histora", sendo que dela ele não sabia de nada. Seu discurso se resumiu a exaltar a importância de se ter um diploma de doutor.

Creio também que o fracasso escolar mundial é o resultado da dicotomia entre a alta tecnologia, a globalização, a contemporaneidade e behaviorismo do modelo educacional, ainda iluminista.

Desculpe o comentário alongado!

abraços

Unknown disse...

Semana pedagógica é o fim da picada!
E geralmente são obrigatórias!