TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Oficialmente velho



Leonardo Boff


Neste mês de dezembro completo 70 anos. Pelas condições brasileiras, me torno oficialmente velho. Isso não significa que estou próximo damorte, porque esta pode ocorrer já no primeiro momento da vida. Mas éuma outra etapa da vida, a derradeira. Esta possui uma dimensãobiológica, pois irrefreavelmente o capital vital se esgota, nosdebilitamos, perdemos o vigor dos sentidos e nos despedimos lentamentede todas as coisas. De fato, ficamos mais esquecidos, quem sabe,impacientes e sensíveis a gestos de bondade que nos levam facilmente àslágrimas,
Mas há um outro lado, mais instigante. A velhice é a última etapado crescimento humano. Nós nascemos inteiros. Mas nunca estamosprontos. Temos que completar nosso nascimento ao construir aexistência, ao abrir caminhos, ao superar dificuldades e ao moldar onosso destino. Estamos sempre em gênese. Começamos a nascer, vamosnascendo em prestações ao longo da vida até acabar de nascer. Entãoentramos no silêncio. E morremos.
A velhice é a última chance que a vida nos oferece paraacabar de crescer, madurar e finalmente terminar de nascer. Nestecontexto, é iluminadora a palavra de São Paulo: "na medida em quedefinha o homem exterior, nesta mesma medida rejuvenesce o homeminterior"(2Cor 4,16). A velhice é uma exigência do homem interior. Queé o homem interior? É o nosso eu profundo, o nosso modo singular de sere de agir, a nossa marca registrada, a nossa identidade mais radical.Esta identidade devemos encará-la face a face.
Ela é pessoalíssima e se esconde atrás de muitas máscaras que a vidanos impõe. Pois a vida é um teatro no qual desempenhamos muitos papéis.Eu, por exemplo, fui franciscano, padre, agora leigo, teólogo,filósofo, professor, conferencista, escritor, editor, redator dealgumas revistas, inquirido pelas autoridades doutrinais do Vaticano,submetido ao "silêncio obsequioso" e outros papéis mais. Mas há ummomento em que tudo isso é relativizado e vira pura palha. Entãodeixamos o palco, tiramos as máscaras e nos perguntamos: Afinal, quemsou eu? Que sonhos me movem? Que anjos que habitam? Que demônios meatormentam? Qual é o meu lugar no desígnio do Mistério? Na medida emque tentamos, com temor e tremor, responder a estas indagações vem àlume o homem interior. A resposta nunca é conclusiva; perde-se paradentro do Inefável.
Este é o desafio para a etapa da velhice. Então nos damos conta deque precisaríamos muitos anos de velhice para encontrar a palavraessencial que nos defina. Surpresos, descobrimos que não vivemos porquesimplesmente não morremos, mas vivemos para pensar, meditar, rasgarnovos horizontes e criar sentidos de vida. Especialmente para tentarfazer uma síntese final, integrando as sombras, realimentando os sonhosque nos sustentaram por toda uma vida, reconciliando-nos com osfracassos e buscando sabedoria. É ilusão pensar que esta vem com avelhice. Ela vem do espírito com o qual vivenciamos a velhice como aetapa final do crescimento e de nosso verdadeiro Natal.
Por fim, importa preparar o grande Encontro. A vida não éestruturada para terminar na morte, mas para se transfigurar através damorte. Morremos para viver mais e melhor, para mergulhar na eternidadee encontrar a Última Realidade, feita de amor e de misericórdia. Aísaberemos finalmente quem somos e qual é o nosso verdadeiro nome.Nutro o mesmo sentimento que o sábio do Antigo Testamento:"contemplo os dias passados e tenho os olhos voltados para aeternidade".
Por fim, alimento dois sonhos, sonhos de um jovem ancião: o primeiroé escrever um livro só para Deus, se possível com o próprio sangue; e osegundo, impossível, mas bem expresso por Herzer, menina de rua epoetisa:"eu só queria nascer de novo, para me ensinar a viver". Mascomo isso é irrealizável, só me resta aprender na escola de Deus.Parafraseando Camões, completo: mais vivera se não fora, para tão longoideal, tão curta a vida.

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