TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 21 de novembro de 2009

Uma das artes mais difíceis é, certamente, a de presentear. Não é brincadeira vestir o sonho alheio e pôr-lhe adereços. Mesmo os amigos mais chegados , os companheiros de longas jornadas aumentam as cãs na hora de escolher presentes . Fica sempre o medo de não agradar e, pior, o de que a pessoa agraciada tenha que simular ter gostado e ,muitas vezes, usar a lembrancinha com o fito único de encarnar um personagem pseudofeliz. A coisa é tão séria que nem adianta contar com a ajuda do futuro presenteado. Perguntado , ele , certamente, poderá optar por um objeto mais barato, mais simples, mesmo no íntimo entendendo que merecia uma coisa muito melhor.Se se opta por um artigo muito caro a aniversariante rapidamente poderá concluir que aquilo é consciência pesada e que o marido andou aprontando, se , por outro lado, corre-se para um material mais barato, mais em conta, imediatamente ela pensará : Meu Deus, e eu só valho isto ?
“Zé Idéia”, um dos nossos filósofos de praça, talvez não tenha decifrado o enigma, mas, ao menos, criou alguns caminhos que não devem ser trilhados por quem acaso queira se sentir algo seguro nesta dificílima arte. O grande desafio estará sempre no presentear as mulheres , me diz ele, apesar de parecerem românticas e sonhadoras , sempre se deve buscar a estrada do pragmatismo. Lição primeira:nunca dar eletrodomésticos ou outros objetos que lembrem trabalho de casa, ela poderá entender que você só se interessa por uma mulher que esquenta a barriga no fogão e esfria na pia. Também não adianta valer-se de peças íntimas como lingeris , sutiãs, calcinhas sensuais: você poderá estar assinando um atestado de que a quer como objeto sexual. Segunda lição : nada de utensílios para malhação como marombas, esteiras, bicicleta ergométrica : no fundo você estará chamando-a de gorda e balofa. Terceira lição : fugir do terreno escorregadio de roupas e sapatos e de tudo que precise de número para ser adquirido: a probabilidade de acertar nestes casos, segundo cálculos da NASA, é exatamente zero. Se nem elas mesmas sabem o que gostam e querem usar, afirma “Idéia” você vem com esta pretensiosa intenção de descobrir ? Quarta lição : nada de presentes pendidos para o lado artístico como livros, cd´s, dvd´s, quadros , o gosto das mulheres neste setor é não só insondável mas igualmente mutante como o vírus da gripe. Zé conta que um amigo seu mandou fazer um quadro por um artista conhecido, copiado de um retrato da namorada e ela simplesmente odiou, o rapaz devia saber que as mulheres sempre se acham mais bonitas e sensuais que os quadros e retratos que porventura se consiga fazer delas. Quinta lição: Cestas de café da manhã e flores mexem com o coração do sexo feminino, mas têm pouca autonomia de vôo , sempre carecem de um acessório e aí o problema volta à estaca zero. Sexta lição : jamais interrogar sobre o presente preferido, você se mostrará óbvio demais e pouco criativo. Sétima lição: maquiagens, perfumes, shampoos, cremes são produtos extremamente especializados e individuais , nem Helena Rubinstein tem cacife para dar consultorias neste assunto. Conclui Zé Idéia: nada do que você ofertar terá um terço do impacto que você pretende causar, com exceção talvez dos diamantes e carros importados.
No fundo, quem sabe, a grande incógnita reside no timing.Quando namorados e amantes , qualquer mínimo objeto: um papel de bom-bom, um bilhete, uma pipoca são sacralizados num ritual de hierofanização. É que o amor e a paixão se bastam e têm a força de consagrar tudo que lhe é tocado. Com o tempo , esmaecido o sentimento, descolorido o afeto, vamos tentando substituí-los por lembrancinhas, por presentes que talvez merecessem agora o nome de ausentes. É como se tentássemos reavivar uma aquarela que desbotou , mudando o seu lugar na parede da casa. O mesmo sol que um dia fez a aquarela brilhar é o mesmo que lhe roubou a cor e nada, nada neste mundo tem a grandeza e a intensidade daquele sentimento que um dia banhou nosso coração com o doce mel da paixão e a calda quente e viscosa do querer.

J. Flávio Vieira

Um comentário:

jflavio disse...

Aí bebedores !