TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Fechado para balanço

Viramos a página de mais uma década. E lá vem aquela fissura danada de se levar tudo à balança, de se esticar a trena, de revolver as gavetas e as estantes e proceder ao balanço geral da firma. Como se a vida da gente fosse uma loja de varejo qualquer, dessas que vendem quinquilharias a preço de um real. Entendo, como Einstein, a relatividade do espaço e do tempo, principalmente em se tratando da nossa delicada física interior. A existência humana é tão complexa que se faz impossível resumi-la numa mera planilha do Excel. Mas resistir quem há-de? Mal percebemos e já o primeiro capítulo desse Século XIX se fecha. Passou em brancas nuvens? Em plácido repouso adormeceu ? Sei que os sinais vitais de uma nação se aferem pela Cultura. Olho para toda uma geração de artistas caririenses e me pergunto: Estamos vivos depois da morte de todos os dias? O pulso ainda pulsa? O coração do Cariri bate ou apanha? Comemos a papa ou continuamos como uma papa em estado de coma? Pois bem, lá vai a opinião de um curioso, um sujeito que tem uma convivência tão próxima com a área artística que, tantas vezes, como a lua, rouba um pouco o brilho dos outros e o reflete como se próprio o fora.
Nestes dez anos produzimos como nunca. Lançaram discos : Abidoral ( “ Bárbara”); Salatiel ( “Contemporâneo”); Pachelly (“Com a palavra as músicas”); Cleivan Paiva; Nacacunda; Zabumbeiros do Cariri; Dr Raiz; Júnior Boca( “Calendário”); Di Freitas; Dihelson Mendonça, Zé Newton Figueiredo ( “De Onde eu Olho” e “A Contrapelo”); Os Irmãos Aniceto; Raniério; Flávio Leandro,;Mané D´Jardim; Lifanco; “Leninha”; D. Augusta Esmeraldo; Munir Chaves; “A Família Linard”; “Os Herdeiros do Rei”;Lúcio Ricardo; Célia Dias; João Nicodemos. Isto apenas para citar alguns. Em literatura, por outro lado, também tivemos um volume de publicação inédito e não há condições de citar todos: Roberto Jamacaru , Émerson Monteiro, Olival Honor, Dr. Raimundo Borges, Dr. Napoleão Tavares, Heitor/Telma Brito, Jurandyr Temóteo, Osvaldo Alves, José do Vale Feitosa, Lupeu, Marcos Leonel, Batista de Lima, Francisco Pedro Oliveira,Valdemar Arraes, João Matias, Raimundo Araújo, Hilário Lucetti e Magérbio Lucena, José Gil, Patativa, Pedro Ernesto, Francisco Salatiel, Padre Ágio, Carlos Eduardo Esmeraldo, José Flávio Vieira, Roberto Marques, José Newton Figueiredo e muitos, muitos outros que não cabem nesse espaço, mas não são menos importantes. A literatura caririense ganhou inclusive , ano passado, o maior prêmio literário do país , com seu escritor Ronaldo Correia de Brito e o romance “Galiléia”. Tivemos, ainda a reedição de um clássico do nosso João Brígido ( “Apontamentos para História do Cariri”) , e de Irineu Pinheiro ( “O Cariri”) pela Fundação Waldemar Alcântara, este último. O cinema nos trouxe ainda Rosemberg e Petrus Cariry, Glauco Vieira, Bola, Hermano Penna e Luiz Carlos Salatiel que continuaram um trabalho profícuo e premiado. A onda auspiciosa não foi diferente nas artes plásticas e na fotografia. E ainda , entre nós, abriu-se a importante janela da Internet, com inúmeros blogs que , numa imensa praça virtual, reúne os mais diversas cabeças caririenses.
Não bastasse tudo isso, vimos parcialmente erguido o nosso Teatro Municipal , a construção do Espaço Cultural da REFESA e a inauguração do Centro Cultural Banco do Nordeste. A TV chegou no Cariri e com programação local! As Mostras de Cultura do SESC injetaram alma nova no nosso cenário e começamos a ver um reflorescer das artes cênicas na nossa região, como não se via desde os anos 50. Temos , hoje, dramaturgos promissores, atores muito talentosos e diretores em franca formação e ascensão. Sem falar no retorno dos Festivais da Canção do Cariri ,que mesmo reacendendo uma chama já um pouco arrefecida e em desuso, terminou mexendo e agitando a galera de todas as idades. A Cultura Popular, também, abriu importantes frestas , conseguiu um apoio estatal bem mais sólido, uma reaproximação visível com a Escola, principalmente depois da regência da Dra. Cláudia Leitão. Acredito, também, que os Editais , surgidos nessa década ,democratizaram de alguma forma as verbas historicamente destinadas à Cultura, embora ainda exista um longo caminho a ser trilhado.
Não consigo, assim, ser tão pessimista com a primeira década deste Século XXI. Andamos ! Se não muito, talvez porque nos faltasse muita força nos pés ou não nos foi dado um amparo maior. Faltou a muleta que nos ajuda a dar os primeiros passos, mas que , também, muitas vezes, nos faz esquecer que já temos asas suficientes para dispensá-la.
E o que se esperaria para esta década que se inicia? Todos têm lá suas aspirações , pois aqui vão algumas das minhas. Os municípios terão uma política cultural definida e sustentável , inclusive contemplando toda a região . As Secretarias de Cultura implementarão seus próprios Editais com fito de democratizar o acesso às verbas de forma mais técnica. A Escola e a Universidade fitarão o próprio umbigo e descobrirão a Cultura Universal a partir da regional e não o inverso, como antigamente vinha ocorrendo. Nossas rádios e TV´s tocarão os artistas e compositores caririenses e eles não mais serão denominados de “artistas da terra” como se minhocas fossem. Reeditaremos nossos clássicos, hoje totalmente esgotados : “Efemérides do Cariri”, os incontáveis de J. de Figueiredo, Zuza da Botica, Quixadá Felício, Padre Antonio Gomes. Publicaremos uma Edição Fac-Similar completa do Jornal “O Araripe” e um CD-ROM para consulta. Enfeixaremos nossas fotos antigas em um CD-ROM, com a história fotográfica comentada da cidade. A Coleção completa da Revista Itaytera será disponibilizada na Internet para acesso fácil por quem assim o desejar. O Crato organizará uma Bienal do Livro. Nosso teatro municipal será, finalmente, inaugurado com som, cortina e iluminação e funcionará como Cine/Teatro e não como auditório. O intercâmbio dos artistas nacionais e regionais será de ida e volta. Abaixo o colonialismo rasteiro e institucional! A REFESA e o Cine/Teatro terão um calendário de eventos anual, englobando as mais diversas formas de arte. As Secretárias de Cultura trabalharão com projetos definidos e não com eventos esporádicos e aleatórios. E, mais: disponibilizarão departamentos técnicos para confeccionar projetos, junto com os diversos artistas da região ,com o intuito de os encaminharem para aprovação dos órgãos competentes. O Frevo “Viva Zé Maia” de Abidoral Jamacaru será o hino do Carnaval cratense que volta a ser o mais animado de todo Ceará. Nossa arte , por fim, terá visibilidade dentro da nossa própria terra e , assim, a refletiremos para todo o país . Sim, e a partir de hoje todos os sons dos carros endoidarão a platéia pela qualidade da música e não pelo volume. Quer mais um sonho ? Caboclo só vai ter coragem de ler livro de auto-ajuda à noite, na Baixa Rasa, no escuro de breu e de óculos escuros e Neguim só vai ouvir banda de forró , em cima da serra e de headfone, por causa do impacto ambiental! Tá bom ?

J. Flávio Vieira

4 comentários:

Emerson Monteiro disse...

Bom trabalho a propósito da década. O Cariri segue, pois, em sua história profícua de expressão cultural, inclusive com seus avaliadores à altura dos valores que lhe edificam, de saber e qualidade.

jflavio disse...

Abraço ao Emerson pelo comentário tão pertinente. A década foi legal e acredito que a próxima bem promissora. E lá vamos nós!

LUIZ CARLOS SALATIEL disse...

Zé,
Muitas das nossas produções culturais você apadrinhou ou esteve torcendo para que tudo desse certo. As suas crônicas,a sua poesia, os seus livros, os seus textos de teatro são vigorosos estímulos para que o nosso trabalho cresça e apareça. A inesquecível opereta "Zé de Matos..." estará para sempre na memória de uma enorme platéia que sabe o quanto nos esforçamos para declarar o nosso amor "incondicional(?)" a esta cidade que chamamos Crato e a todos as suas criaturas!

jflavio disse...

Prof. Salatiel,

Estamos sentindo sua falta por aqui. Se avexe e traga os teréns! Obrigado pelas palavraas amigas. Acredito que a década foi boa, apesar de tudo e a próxima há de ser bem melhor e vamos produzir como nunca, já que temos apenas mais umas dez pela frente.Claro que torcemos incondicionalemnte pelo Crato, sem maniqueísmos e sem extremos bairrimsos( só um pouquinho) e vamos brigar para que a cidade olhe para frente e saia do casulo.é tanta gente boa e talentosa junto que nem precisa muito, basta um empurrãozinho.
Abraço