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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Classe social como categoria histórica

As sociedades classistas não são uma exclusividade das formações sociais capitalistas. Na verdade, a existência de classes sociais pressupõe a desigualdade social, ou seja, a exploração entre seres humanos como lastro dessas formações. Se numa formação social os homens estabelecem relações sociais de produção e estas se baseiam numa apropriação dos meios de produção e do produto social por parte de um grupo, esta formação social está cindida em classes sociais.
O Materialismo Histórico (marxismo) considera as sociedades como constituídas historicamente, em movimento. As condições materiais da existência humana são imprescindíveis nessa compreensão da História. Como demonstra Hobsbawm[1], a influência marxista mais eficaz foi a de transformar a História em uma das ciências sociais, implicando no reconhecimento de que as sociedades constituem-se de sistemas de relações entre os seres humanos, na existência de tensões nas mesmas, na existência de uma estrutura social e de sua historicidade. A explicação levando em conta as classes sociais é central.  

 Para Ellen Wood[2] existem duas formas de pensar em classe social: como um local estrutural ou como uma relação social. Quando pensamos em classe como um local na estrutura a vemos como uma forma de estratificação, ou seja, a partir de critérios como renda, oportunidades de mercado, ocupação profissional. Essa maneira de entender “classe social” é muito presente em nossa sociedade e mascara os conflitos de classe, transformando-os em problemas individuais quando os mesmos são relativos à luta de classes.
Assim o faz a grande imprensa quando fala de uma categoria profissional, referindo-se à mesma como uma classe social. Exemplo: a categoria dos médicos chamada de “classe  médica”. E por aí vai. A “classe dos motoristas”, a “classe dos artistas”, a “classe dos professores”. Haja classe social!

Outra maneira de expressar como se fosse classe social é quando nos referimos às diferenças na renda das pessoas. Então a nomenclatura pode usar as letras do alfabeto: classes A, B, C, D, E...   Parece até uma divisão de tipo de leite: A, B, C.
Trata-se na verdade, de uma divisão pela renda, que não é capaz de revelar a dinâmica interna de uma formação social.  Dessa forma de entender as classes sociais, surgem subdivisões:

  •         “classe alta”
  •         “classe média alta”, “classe média média” (sic), “classe média baixa”
  •         “classe baixa”.

Eis uma forma de entender o conceito a partir de uma estrutura que não reflete a desigualdade social, ou melhor, que enxerga a desigualdade social apenas como mais uma diferença entre as pessoas. E venhamos e convenhamos, falar em “classe média” tem muito mais a ver com uma posição política muitas vezes reacionária, um modo de consumir e um desejo de ser como os ricos do que uma verdadeira classe social.     

A segunda maneira de pensar sobre “classe social” é entendê-la como uma relação entre pessoas. Nesse entendimento, o foco está na relação social em si, nas contradições e conflitos dos processos históricos e sociais. Edward Thompson[3] via que as relações sociais de produção distribuíam as pessoas em situações de classe, ou seja, viviam e trabalhavam nas condições de classe, o que chamou de “experiência social”.

A classe social é uma força histórica, e que se estabelece a partir das relações sociais de produção, vinculadas às forças produtivas. Sendo uma força histórica, é transitória.
Um exemplo. O que te faz ser da classe social dos escravos, ou melhor, dizendo, o que te torna um escravo? É o fato de você ser escravizado por alguém. Não existe escravo sem senhor ou vice-versa. Entre o senhor de escravos e o escravizado, existe uma relação, a escravidão. No Brasil, durante o período colonial e também no imperial,  os escravos e seu trabalho constituíam a trave mestra da estrutura, a engrenagem central do sistema. No dizer de Emília Viotti da Costa,

A existência de dominadores e dominados numa relação de senhores e escravos propiciou situações particulares, específicas, marcando a mentalidade nacional. Um dos efeitos mais típicos dessa situação foi a desmoralização do trabalho. O trabalho que se dignifica à medida que se resumo no esforço do homem para dominar a natureza na luta pela sobrevivência corrompe-se com o regime da escravidão, quando se torna o resultado de opressão, exploração. Nesse caso, ele degrada aos olhos dos homens. O trabalho que deveria ser o elemento de distinção e diferenciação na sociedade, embora unindo os homens na colaboração, na ação comum, torna-se no sistema escravista, dissociador e aviltante. A sociedade não se organiza em termos de cooperação, mas de espoliação. [4]

O que Marx e Engels afirmaram na publicação do Manifesto do Partido Comunista faz todo o sentido:
A história de todas as sociedades até hoje é a história das lutas de classe.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante antagonismo entre si, travando uma luta ininterrupta, umas vezes oculta, outras aberta – uma guerra que sempre terminou ou com uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou com a destruição das classes em luta. [5]

Basta olhar para as desigualdades que encaramos todos os dias e perceberemos como a existência das classes sociais é algo que se comprova. Mesmo que tentem refutar a teoria marxista, não há como negar o evidente antagonismo quando em uma sociedade há exploração do trabalho humano.    



[1] HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

[2] WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra Capitalismo – a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2003.

[3] THOMPSON, Edward P. . A formação da classe operária inglesa. V1. A árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.  

[4]  COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. São Paulo: Unesp, 1998, p. 15-16.  

[5] ENGELS, Friedrich & MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Cortez, 1998, p.4.

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