TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

domingo, 27 de junho de 2010

Cores mais fortes - Emerson Monteiro

Surpreendentes e livres, feitas chapéu voando arrancado pelo vento das madrugadas impacientes, palavras disparam no ar pedidos fervorosos de socorro, busca súbita de outras cabeças onde repousem pensamentos clandestinos. Aliás, pensamentos talvez digam pouco para expressar o ímpeto do coração, nessa indefinição entre as trilhas do desejo e a matéria elaborada no forno da cabeça, para chegar à boca mecânica, indiferente, sensória. Isso justifica, pois, que esteja mais para sentimento, invés de pensamento.
Daí, na intenção original de querer falar, espécie de exanguidade em lua de mel, quando, por mais se insiste conter o desejo permanece, o coração anda cauteloso, sem querer abrir asas de liberdade após experimentar emoções contraditórias de velhos desencontros. A presença dela, no entanto, encheu de oxigênio puro o peito; as fibras dos pulmões atrofiados, na limitação oficial da rotina, voltaram a folegar com gosto. Compactados nos fios de pedra dos cânones, apenas seguiam sonhos nas doses permitidas em rodas familiares, beijos de mão e leves afagos, nos braços descobertos da etiqueta. Nada que ultrapassasse a censura das impressões alheias comprometidas.
Nisso, ela invade faceira o salão de baile das noites dimensionais e rasga com gosto as fibras da cor de jambo dos tecidos cardíacos, rompendo no gesto o império bizantino do medo casto dos regimes ditatoriais.
A primeira imagem que ressurge depois no minadouro das ideias seria, qual movimentos da penetração solar na fímbria virginal do horizonte, fala de albores e lindas manhãs de luz; intensas paixões desarvoradas. Laivos vermelhos, com riscas alaranjadas e pomos de amarelo brilhante, cercados de brancos e precisos limites metálicos.
Ela, um dia de manhã, agora beleza sem precedente dos gestos inevitáveis da alvorada. Havendo guerra, convenções, incertezas humanas, ela explosão de suavidade gravada profunda por dentro das paredes internas do infinito. Divina gazela no jardim do Paraíso, andar macio no meio de cactos, boninas, luares, marmeleiros, zumbido solto de linguagem cifrada, cumplicidade sideral de abelhas, riscos e desenhos magistrais das perfumadas flores, nas vestes esvoaçantes dos corpos esculturais.
Existem, sim, os refolhos do mistério que abrem suas portas caprichosamente. Espécie de ser que desperta enovelado em líquido amniótico dos partos recentes, mexerem de corpos no exercício da existência e acostumar em si o primor das possibilidades. Distende a silhueta enigmática no gesto único harmonioso de incertos passos e ombros que se erguem à certeza.
O coração, por sua vez, amacia o impacto dos primeiros raios sobre a superfície de cores vivas, quais pétalas azuis de largos beijos; deixa encrespar suas águas serenas aquecendo a pele na lúcida imagem do céu que contorna de ramagens verdes o nascer bem devagar; e desperta feliz no dia de sol intenso.

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