Inícios da década de 70. Sempre que possível, buscava ouvir a Rádio Sociedade da Bahia, nos fins de tarde começo de noite, aspirando aos ares de Salvador, para onde seguiria logo mais, transferido no Banco do Brasil para a Agência Centro daquela capital. O gosto pelas coisas baianas fincara pés dentro de mim desde 1959, quando meu pai viajara a negócios à Boa Terra e pretendera me levar consigo, sem, no entanto, realizar a sua disposição, o que me deixara com água na boca para conhecer de perto as novidades que nos trouxera de lá apenas em palavras e poucos artesanatos do Mercado Modelo.
Depois, vim lendo Jorge Amado e seus livros inolvidáveis, apegos de um tempo. Gabriela, cravo e canela. Os pastores da noite. Mar morto. Os velhos marinheiros. E, no movimento tropicalista, o impacto de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Tomzé, à frente da vanguarda artística nacional. Além de tudo, a beleza da tradição histórica da primeira capital, sua arquitetura e belas paisagens litorâneas estonteantes.
Bom, num desses programas de fim de tarde, na Sociedade da Bahia, ainda em Brejo Santo, ouvira algumas músicas do disco Raulzito e seus Panteras, nada menos do que o primeiro trabalho de Raul Seixas, mito da música brasileira durante décadas, ídolo psicodélico que fora nesta parte do mundo.
O grande Raul começava uma carreira de sucesso que marcaria o universo cultural de nossa gente. Era seu primeiro disco, gravado com os Panteras, grupo que liderava nas noites de Salvador. Jovem principiante, sem grilos ou mergulhos pelo mundo traiçoeiro das drogas pesadas, que adiante o levariam ao desaparecimento. Não só a ele, mas a outros valores principais das artes, tanto no País, quanto no exterior, cicatrizando de cruzes a beira das estradas de um tempo e ferindo de dor os corações aquecidos de nossa dourada mocidade.
John Lennon já gritava bem alto que o sonho acabara. Algo buscávamos nas entocas e não mais acharíamos o charme dos primeiros amores. Haviam se recolhido as pontes dos castelos de cartas. Das brisas suaves das doces melodias ouvíramos, depois, tão só o rugido fantasmagórico de harpias e dragões trovejando os ares amarelecidos das mudanças severas que garrotearam o clima platinado de antigamente. Os sons exatos e penetrantes de Jimi Hendrix enovelaram a cólica da resseca no brado agudo sensual de Janis Joplin, Elis Regina. Enquanto isso, líderes foram assassinados diante das câmeras em plena luz do dia (Robert Kennedy, Malcom X, Che Guevara, Luther King, o próprio John Lennon).
Então, hostilidade exacerbada, cruenta, carcomeu o casco do navio em chamas. As portas abertas se fecharam de vez e os hippies sairiam tontos pelo mundo, à procura do nascer do sol, de que ainda esperam o furo da luminosidade.
Um comentário:
Que crônica bacana Émerson! Lembro-me bem de você nesse tempo e de seus ins(pirados) desenhos a lápis.
Grande abraço!
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