Ontem quase meio dia, numa dessas quintas-feiras. Visitava o meu amigo Zé Roberto, José Roberto França de Sá, que mora no finalzinho da Rua Pedro II, em Crato. José Roberto, raro exemplar da juventude que viveu com intensidade os anos 60, Glauber Rocha, João Gilberto, Gilberto Gil, Caetano Veloso, caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento, no sol de quase dezembro.
A própria irreverência da intelectualidade perdida no emaranhado das contradições nacionais das cucas maravilhosas, numa época tardia, desfeita nos valores psicodélicos espalhados pelo mundo de filmes, livros, discos e revistas. O interior desconhecia o furor medíocre da televisão brasileira. Os sonhos viajavam nos campos da política qual instrumento de transformação coletiva, diferente no tanto certo do que hoje confunde as populações alienadas.
Testemunha ocular dos altos e baixos desses tempos dissonantes, segue na mesma viagem das ideias, colagem pop dos autores do cinema e das frases de efeito, e apresenta, ali na nossa frente, o quanto caminhamos nas estradas poeirentas desde os primeiros acordes da bossa nova, esgotos de madrugadas amarelecidas e filosóficas. Quantos passos em vão no imenso corredor vazio de resultados daquilo que, juntos, imaginávamos para as manhãs tropicais.
A arte pela arte, nos painéis abandonados entre páginas impressas e lançadas aos abismos das tantas apreensões, numa única e nossa, emblemática, a postos na ordem do dia do que restou de tudo isso, projetos imaginários desaparecidos nas sarjetas.
Conversar diante das dores desconfortáveis que restaram quando o fogo da caverna iluminou em definitivo a noite da Latino-América, nos poemas que ainda existem guardados no tronco das bananeiras, com palmeiras e precipício de luzes. Agora apenas clamores de desconfortos e achaques de um corpo em crise de artrose.
As histórias da longa juventude dourada e impaciente, adormecida no voo de garças e pavões, a percorrer quadrantes de festivais da canção, naqueles idos quando dizer feria a calma poderosa de quem, mais do que nunca, enterraria até o pescoço o trono dourado da ilusão nos palácios oficiais ora loteados.
Rever amigos, essa prática de quem aguenta tocar ponta de dedos nas feridas vivas e nos fios descobertos de árvores inúteis.
E os tantos assuntos viraram isso de quase nada, embrulho de jornais antigos. Barracas de peixes elétricos que sacodem os delírios em possibilidades geniais. Versos de palavras que circulam músicas dessa vivência do movimento de uma década cheia das melhores esperanças.
Depois, notícias e marasmo das ações. Tanto barulho e nada. Enquanto perguntas cruzam os ares: - Sim, José, diga só onde foram parar aqueles projetos dos ideais de mudança, patrimônio da geração do sonho? Diga só!
2 comentários:
emerson,muito bom seu texto sobre o zé roberto frança.
muito amigo dos meus irmãos mais velhos (tarcisinho em especial).
ainda adolescente, acabei ficando amigo dele também
trocamos livros.
conversamos muito nos meados da década de '70.
figuara emblemática da cultura cearense.
não pode ficar esquecido.
Lupin,
Zé Roberto é pessoa agradável e afetuosa, perto de quem venho compreendo as imensas contradições desta geração responsável pelas mudanças radicais da nossa história humana.
Criatura forte, amiga. Grande cara do nosso tempo.
Postar um comentário