TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Boff(e)


Quinca de Liliosa é um jornalista nato sem nunca ter esquentado nenhum banco de escola. Como bom profissional, corre atrás da notícia e tem uma sincronia enorme com os fatos que narra. Invariavelmente – sabe-se lá como --- esteve presente nos acontecimentos de que faz as reportagens, talvez para que isso dê uma confiabilidade maior às matérias. Não foi coisa de ouvir dizer, vi com esses olhos que a catarata ainda há de cegar ! Por mais de uma vez foi pego no contrapé, constatando-se o incrível dom da onipresença: estava em dois lugares diferentes , no mesmo instante, em que teriam havido dois acontecidos diversos. Claro que, como bom jornalista, Quinca punha tempero na reportagem : aumentava um pouco dali, esticava um tanto dacolá, acrescentava tramas paralelas, sabia perfeitamente que sem um pouco de ficção o jornalismo não é possível.

Semana passada , na praça Siqueira Campos – a difusora de Liliosa – ele me chegou com os olhos brilhando. Trazia uma notícia quentíssima. Controlou um pouco a ansiedade, enquanto esperava que a platéia se formasse ao derredor. Depois, quando já havia córum regulamentar, iniciou a narração. Primeiro, como sempre, fez ar de mistério: “ Sei não ! A coisa é séria, amigos, acho que é melhor não contar! Isso pode trazer problemas para mim!” Acostumados com o prefixo de Liliosa, os circunstantes nem tremeram, sabiam do que era preciso e aí começaram a insistir um pouco. Finalmente o nosso jornalista acedeu, não antes que todos jurassem, de pés juntos, que aquela história não ia sair dali: era segredo de estado. Preenchido o contrato que tinha muitas cláusulas leoninas, Quinca respirou fundo e, após um estudado silêncio perfeitamente teatral, desfiou o segredo, guardado a sete chaves como os dos meninos de Lurdes.

--- O Hospital Regional do Juazeiro está abarrotado de acidentados !

A platéia , imediatamente, armou um ar de incredulidade! Já? E o hospital foi feito num foi prá bater retrato, não? Eles atendem gente , lá? É? Pensei que fosse só um estúdio fotográfico! -- Saltou, ironicamente, o velho Zé Idéia de lá do seu canto!

--- Está cheinho, minha gente, foi um acidente terrível. Pernas quebradas, braços retorcidos, cílios arrancados, silicones pelo chão, perucas prá tudo quanto é lado! Só de plumas, paetês e purpurinas retiraram da porta do Regional mais de três caminhões.Sem falar em 2855 plataformas que os carroceiros carregaram. E os gritos de dor são de dar pena. É ver umas dez ambulâncias com os alarmes ligados! UEMMMMMMMMM!

O que teria acontecido? Perguntaram-se todos. Desfile de carnaval não existe nessa época. Alguma confusão em baile de gala? Mas baile durante o dia, com todas aquelas roupas de noite e logo onde? No Juazeiro? Liliosa mantinha o segredo estrategicamente. De onde teriam saído tantas senhoras prontas, em pleno dia e como fora possível um acidente daquele porte, com tanta gente fina e importante junta no mesmo momento? Aos poucos, Quinca foi revelando o resto da história, como se se tratasse de um strip-tease.

Não, não se tratavam de senhoras em stricto sensum. O acidente, na verdade, acometera um incontável número de rapazes alegres. A platéia, imediatamente, associou à Parada Gay do Juazeiro que iria acontecer naqueles dias. Caíra um carro alegórico? A estátua de São Sebastião despencara de um dos carros no meio das moças donzelas? Teria sido mais um ataque da desprezível homofobia ainda tão presente na nossa sociedade? Liliosa, no entanto, mais uma vez, desfez a interpretação rápida da platéia.

--- A Parada Gay de Juazeiro, amigos, só vai se realizar amanhã, fiquem tranqüilos que todos vocês não perderam , não! Ainda vai ser possível desfilar, viu?

O que teria, então, ocorrido? Como teria sido possível tamanho acidente, nas vésperas do evento? As bichinhas aos berros, chorosas, lacrimosas, cheias de escoriações e hematomas? As roupas de gala aos farrapos? Foi no aeroporto que ocorreu o pavoroso desastre! ---esclareceu nosso jornalista. Um acidente aéreo com os GLTS que vinham para a Parada, imaginaram todos.

Quinca, após um breve silêncio, mais uma vez dissuadiu-os. Não, não tinha sido isso! Depois de um silêncio cientificamente programado, Liliosa, por fim esclareceu a causa da calamidade. Estava mais de um milhão de rapazes alegres no aeroporto regional do Cariri esperando os companheiros que chegariam para a Parada Gay do dia seguinte. Todos foram a rigor e se espremiam , num calor infernal, só aplacado pelos incontáveis leques que ritmicamente flanavam. Junto, havia um pequeno grupo de professores que aguardava a chegada do grande Leonardo Boff que vinha, naquele dia, proferir uma memorável e concorridíssima palestra no Ginásio Poliesportivo. Arapuca estava armada, amigos. Sem ter conhecimento da vinda do teólogo, no mesmo vôo, de repente deu-se o estouro da boiada. As bichinhas saíram em desabalada carreira em busca da sala de embarque e foi um pisoteado só: cílios pelo chão, penas de pavão, silicones, perucas, plumas e paetês. É que , inadvertidamente, uma professora ao avistar o Leonardo que já havia desembarcado e se dirigia à sala de embarque, caiu na besteira de gritar:

--- Vejam, o Boff já vem ali, meu povo ! Ele é lindo !


J. Flávio Vieira

2 comentários:

lupin disse...

DELÍCIA!!!!!!!!!!!!!

jflavio disse...

abraço ao velho Lupin, bloguista contumaz