Houve um tempo ( antes do
automóvel e da energia elétrica) em que a chegada de novidades no interior do
Brasil estava nas mãos dos tropeiros. Eram eles que, varando o país com suas alimárias, faziam as vezes dos Cargueiros,
Trens, Correios, Rádio, TV , Jornal e
até das Modistas. Tendo que continuar
sua interminável jornada, deixavam suas funções na responsabilidade de pequenos
varejistas e dos camelôs que, com poderes teatrais, eram os publicitários
naqueles tempos remotos. Com voz tonitruante e recursos cênicos faziam aquele
misto de
propagandistas-vendedores-radialistas, seduzindo os ouvintes para a
compra das mais variadas quinquilharias.
O nome acredita-se vem do francês Camelot( vendedor ambulante), com raízes
etimológicas no árabe HAMLAT: tecido de lã barato, comercializado pelos
primeiros mouros que aqui aportaram. O
palco do camelô, em geral, era a Feira, onde ele se esparramava , como peixe em
mar aberto. Com o advento dos meios de transportes mais velozes , o carro e o trem,
as mercadorias começaram a ser comercializadas em pontos mais fixos. A Feira
perdeu seu encanto e passou a ser , paulatinamente, freqüentada apenas pelo
povaréu. As Casas Comerciais foram se especializando e o camelô foi perdendo
importância. Continuou nas Feiras periódicas, agora com público mais reduzido e
trabalhando em bicos, como animador , quase um palhaço, no comércio varejista.
Passaram-se os anos e, com a globalização, as
grandes redes de varejo engoliram os comerciantes menores, vieram os Shoppings,
as galerias, as grandes lojas de departamentos e o camelô foi se tornando assim
um objeto apenas de contemplação. Um fóssil daqueles áureos tempos: uma peça de
museu como uma máquina de datilografia. Mas como a história, em moto-contínuo, gosta
dos círculos e das elipses, eis que os antigos tropeiros terminaram por
ressurgir, agora travestidos de crediaristas. De motos ( o cavalo da
atualidade) percorrem os lugares mais inóspitos, levando um sem número de
objetos utilitários, de porta em porta, com venda facilitada, não muito
diferente do que faziam seus ascendentes no início do Século XX.
Bonito
ver o camelô em ação, nas poucas Feiras Livres que ainda sobraram. Armam a
banquinha, pacientemente, trazendo geralmente algum truque de abertura para
atrair a população ao seu redor. Uma mágica, um animal de estimação como uma
jibóia ou um macaco amestrado ( quando o IBAMA ainda não existia), a leitura de
um Cordel Clássico. Depois da encenação, com uma considerável platéia ao redor,
vem então : “Nossos Comerciais, por favor!”. Salta à nossa frente o produto a
ser vendido, sem que ao menos tenhamos percebido. Técnica copiada depois pela
TV e pelo Rádio.
Pois
, neste sábado, em memória dos muitos e muitos camelôs, Brasil afora, vou
narrar três historinhas , uma que ouvi e duas presenciadas por mim, destes
mágicos do ilusionismo e da prestidigitação.
O
camelô põe uma grande mala no chão, dela tira uma outra menor e já avisa:
---
Eita ! Daqui a pouco a cobra vai sair de dentro da mala !
Armando
a banca, repete a ameaça dor diversas vezes, enquanto fita a mala menor,
pretensamente portadora do risco ofídico. Vai também montando várias latinhas
em cima da banca, coberta com um rótulo barato, onde se lê : “Pomada do Peixe Elétrico do Amazonas”.
De repente, já com uma considerável platéia, abre a mala menor e de lá retira uma grande
jibóia que enrosca no pescoço. Com trejeitos teatrais, voz de locutor de FM,
mas sem precisar botar sotaque sulista, explica as indicações do seu remédio:
---
Pomada do Peixe Elétrico do Amazonas,
uma pechincha ! Cura: sapiranga, tisga, morróia, pano branco, unha
encravada, parto atravessado, escorrença de muié, esquentamento de homem,
morféia, afuleimação na mãe do coipo, espinhela caída, defruxo, tosse braba,
derrame, ferida braba, bicho de pé, crista de galo, escambichamento de véi,
reuma, panarício,dor de dente, mordida de cobra e de cachorro doido, curuba e
cezão.
À
medida que os ouvintes vão se aproximando e adquirindo a panacéia, o camelô
continua com seu interminável querequequé. Depois de vender bastante, percebe,
que alguns circunstantes ainda estão em dúvida sobre a capacidade milagrosa da
sua panacéia. Dá então o tiro de misericórdia:
---
Sim, meu povo, esqueci de dizer o mais
importante, essa pomadinha cura até ENFERMIDADE, viu ?
Outro,
em plena Feira, com vários produtos dispostos em uma esteira no chão: roupas,
armadores, chave de fenda, martelo, raizada, temperos, arnica, parafusos , pregos,
cabo para machado e enxada, Grita:
---
Minha senhora, compre ! Gaste o dinheiro do marido, aproveite, senão ele gasta
com as outras...
Uma
senhora vinha com o esposo, aparentemente atravessando crise no casamento e,
diante do apelo, quase como afrontando ao safado do companheiro, se aproxima e pára, observando
pacientemente os objetos dispostos cuidadosamente na esteira. O marido fita o
camelô com cara de poucos amigos. O vendilhão não perde a pose e emenda na
bucha:
---
Aproveite, senão ele gasta com as outras... coisas, as outras... necessidades
da casa, né, meu amigo ?
Dirige-se
para a patroa e completa, sem querer perder a freguesa:
---
Porque a senhora sabe, né , D. Maria ? Todo homem é fiel, entre nós só tem
cabra sincero e respeitador !
Por
fim, um outro camelô , recentemente, vendia numa feira, uma grande quantidade
de panelas de alumínio. Aproxima-se um sujeito bem vestido, meio metido a
falante, abaixa-se , examina as panelas com ares de expert em fundição ,
balança a cabeça e diz:
---
Meu amigo, só tem essas? Pense numas panelas pebas! Alumínio velho fino, fraco,
onde diabo você encontrou isso ? Uma bicha dessas não dura nem três anos: fura
perde o cabo! Boas eram aquelas panelas antigas, duravam até vinte anos! Essas
são uma porcaria.
O
camelô não perdeu o traquejo e, emendou, sem piscar :
---
Meu amigo, nesse tempo do ronca que você tá falando, os casamentos duravam
vinte, trinta anos. Hoje , no máximo, dois aninhos. Logo os casais se apartam, vai
um para um canto e o outro para o outro lado. Nós resolvemos fazer panela para
durar só isso : um casamento. Deus me
livre de durar mais, termina dando uma briga danada na hora da partilha dos
bens. Nãooooo! Falar, nisso, meu senhor, para quantos casamentos o senhor vai
levar ?
J. Flávio Vieira
Nenhum comentário:
Postar um comentário